Em sentido figurado, ela passou à história como cidade maldita, antro de fornicaçõesATÉ QUE chegou o dia da mudança -uma batalha que avançou milímetro a milímetro, segundo a segundo, os carregadores que botavam mãos suadas em cima dos estofados, a geladeira que enguiçou na porta e ficou sem sair nem entrar, o parafuso que armava a cama -velha e honesta cama de seus primeiros anos de casado e que agora seria rebaixada para o quarto dos objetos inúteis. Pois o parafuso quebrou dentro da madeira, e a cama teve de ser retirada pela janela, armada como um esquife, espantando a todos os vizinhos e desocupados que se fincaram o dia todo para acompanhar as operações. Ele viu a cama descendo, amarrada como um ovo de páscoa, os homens da mudança comandando aos berros, os trancos, as cautelas, sentiu-se profanado. A mulher, a seu lado, também sentiu coisa igual.- Olha a nossa cama! Nós não devíamos fazer isso com ela!- Fazer o quê? Queria que nós a jogássemos janela abaixo?- Não. Nós podíamos ter ficado com ela. Olha que fomos felizes.- Deixa disso! Vamos botar de lado as superstições. Além do mais, ela continuará conosco. Quando pudermos, vamos ter a nossa casa em Teresópolis ou em Miguel Pereira, ela vai servir outra vez.- "Felizmente não tinham piano" -foi a hipótese que a vizinhança levantou em clamor unânime. Explicaram que com piano a coisa era mais complicada ainda, e ele ouviu pacientemente os cuidados e as cautelas que costumam acompanhar a operação de mudar um piano de uma casa para outra.