O mingau e as beiras
Tanto a oposição como a mídia, interessadas em deletar Lula, seja pela força de um impeachment, seja pela deteriorização de sua imagem como candidato à reeleição, estão comendo o mingau pelas beiras.
Tanto a oposição como a mídia, interessadas em deletar Lula, seja pela força de um impeachment, seja pela deteriorização de sua imagem como candidato à reeleição, estão comendo o mingau pelas beiras.
Numa aula magna na Universidade Cândido Mendes, o príncipe Talal, da Jordânia, fez inteligentes comentários sobre as diversas crises políticas e militares que inquietam o nosso tempo. A observação que mais me impressionou foi a de que os grandes deste mundo -reis, presidentes, chefes de governo e de Estado - dificilmente se recusam a sentar à mesma mesa dos adversários.
Picasso tinha pavor da morte - da sua e da dos outros. Nos últimos anos de vida, Jacqueline vigiava o seu dia de tal forma que em caso algum o assunto ou a realidade de qualquer morte o fizesse sofrer, lembrando-lhe que mais cedo ou mais tarde deveria morrer.
Desde que começaram a considerar a imprensa como o quarto poder, passei a contestar a classificação, achando que a imprensa nunca é poder - eventualmente pode ser uma força, que não chega a ser um poder.
Lendo os jornais e revistas do último fim-de-semana, pela primeira vez na vida fiquei orgulhoso de ser brasileiro, de pertencer a uma nação ética, onde, tirante os governantes, todos são vestais e unânimes em lamentar ou condenar os desmandos daqueles que mandam ou pensam que mandam.
No Brasil, os anos começam uma porção de vezes. Há o início oficial, a 1º de janeiro. Vem depois o início operacional, que acontece na semana seguinte à do Carnaval. Finalmente, entramos no início real, depois da Páscoa, com quatro meses já passados e com gente fazendo previsões para o ano seguinte. Assim sendo, vamos entrar finalmente em 2006 sem Orçamento aprovado, com uma MP do tamanho de um Orçamento federal, a principal companhia aérea brasileira no maior vinagre empresarial da nossa vida econômica, gente indiciada pelo Ministério Público mas com processos previamente adiados para 2007.
Acontecem mais ou menos ao mesmo tempo: a Páscoa judaica (Pessach) e a Páscoa cristã, fora do calendário gregoriano, uma vez que são festas móveis. A Páscoa cristã é uma data (e uma festa) essencialmente e exclusivamente religiosa, eixo do mistério da Redenção: um Deus que se entregou em holocausto para salvar a humanidade de sua culpa original. Já a Páscoa judaica é uma festa nacional com fundo religioso. No Seder (a ceia tradicional), há sempre um menino que pergunta a alguém mais idoso: "Por que esta noite é diferente das outras noites?". É contada então a história do Pessach, quando o anjo do Senhor passou por cima das casas e Moisés retirou o povo judeu do cativeiro do Egito. Uma festa de libertação nacional, a maior que eu conheço, maior do que qualquer outra revolução da História. Um povo inteiro, escravo, escolhendo a liberdade. Teve um preço: os 40 anos que formaram a geração do deserto em busca de chão próprio e livre. Ao se transformar na Páscoa cristã, a mensagem de libertação é a mesma, mas não em nível nacional, mas ontológico, teológico, espiritual: a libertação do pecado.
Apesar da tentativa de reabilitação de Judas, com base num texto escrito 300 anos após o episódio da traição, e em contradição com mais de 80 Evangelhos paralelos e conflitantes, inclusive os quatro que foram adotados pela história ocidental (eram relatos orais que somente mais tarde receberam versão escrita), o dia de hoje, Sábado de Aleluia, terá alguns judas pendurados nos postes de várias cidades.
Por mais que pareça incrível, o grande escândalo de nossos tempos, um dos maiores de toda a nossa história, acabou numa questão semântica. O relatório da CPI dos Correios concluiu seus trabalhos afirmando que houve o mensalão, um tipo de corrupção que, embora sem ser inédito, tomou proporções obscenas na era da moralidade pregada pelo PT - que está no governo e que foi o agente e principal beneficiário da tramóia.
Estão esperando o quê? Um desastre com um avião da Varig, com uma centena de mortos? É do conhecimento de todos, do governo principalmente, e do público em geral, as dificuldades que a companhia atravessa, não apenas em seu escalão estrutural mas operacional, com aviões encostados e manutenção problemática.
Nas águas da mais recente e desvairada ficção pretensamente histórica, a moda é contar a vida de Cristo de forma diferente, atribuindo-lhe um casamento que, a ter sido real, em nada altera sua mensagem e presença na civilização ocidental. Agora, decifrado um manuscrito que teria sido um evangelho segundo Judas, retorna como novidade a versão de que Judas não traiu seu amigo, pelo contrário, teria sido seu parceiro na história (ou na lenda) da Redenção da culpa de Adão.
Alguns leitores, e até mesmo um senhor que me abordou na rua, estranham que eu venha declarando, com insistência, que não acredito e até me recuso a participar da chamada "democracia representativa", tida como o pior dos regimes, com a exceção dos outros. Na velha mania de ignorar o óbvio (a afirmação de uma coisa não implica a negação de outra ou vice-versa), perguntam se eu me converti ao totalitarismo, aos regimes fortes em que o povo não é ouvido nem cheirado.
Os analistas políticos de diversos calibres chegaram a um consenso: Lula está só. Em três anos, perdeu e se afastou de seus amigos e companheiros históricos. Está agora cercado de gente que mal conhece, como mais da metade de seus atuais auxiliares de primeiro escalão.
Uma das palavras mais banalizadas de nosso tempo, além de "ética" e "resgate", é "estadista". O sujeito é chefe de divisão dos dormentes de uma ferrovia no Alto Purus, no dia de seu natalício há sempre um subordinado que o classifica de estadista. Na classe política, a briga para saber quem é ou não é estadista tornou-se briga de cachorro grande. Todos são estadistas, pelo menos em duas ocasiões: quando estão no poder e quando morrem.
Com o desfile das campeãs realizado ontem, fica encerrado o Carnaval deste ano, festa de rotina que antecedeu duas festas também de rotina, mas espaçadas no tempo e nas intenções: a Copa do Mundo e as eleições.