Desde que começaram a considerar a imprensa como o quarto poder, passei a contestar a classificação, achando que a imprensa nunca é poder - eventualmente pode ser uma força, que não chega a ser um poder.
Lendo jornais antigos, deparei com o editorial de um dos órgãos mais famosos da imprensa brasileira, que deixou história dentro de nossa história. Inaugurava-se, no Rio, a avenida Central, hoje Rio Branco, marco no urbanismo carioca e nacional, pois foi a primeira tentativa de dar às cidades brasileiras um desenho civilizado e moderno.
Realizaram-se festas monumentais para a inauguração do maior acontecimento daquele tempo. Desfiles militares, representações estrangeiras, iluminações nunca vistas, comida farta e "o povo divorciado por completo das festanças e pagodes oficiais".
Não apenas a festança e os pagodes oficiais foram veementemente condenados. Condenada foi a própria avenida: "Ontem, enquanto no espocar do champanhe festivo a gente do governo inaugurava a avenida, centenas de famílias abandonavam os lares tangidas pela febre demolidora do progresso. O dinheiro do contribuinte foi esbanjado, foi desperdiçado em indenizações vergonhosas, em que se abarrotou a advocacia administrativa, distribuído em negociatas e arranjos...".
O texto homicida e o tom indignado lembram o que hoje se publica nas revistas e jornais, inclusive nos noticiários da TV. A onda moralista mudou de nome devido à desmoralização da moral. Tornou-se ética. E nada mais ético do que a força da imprensa cobrando ética de tudo e de todos.
O poder real não dá bola para essa força. Vai em frente, esbanjando o dinheiro do contribuinte, distribuindo-o em negociatas e arranjos.
O que foi dito contra a avenida Central foi repetido contra Brasília e outras iniciativas que deram certo. É repetido também agora, quando nada está dando certo.
Onde está o poder da imprensa?
Folha de S. Paulo (São Paulo) 19/04/2006