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A nudez do rei e a nossa

 

Lendo os jornais e revistas do último fim-de-semana, pela primeira vez na vida fiquei orgulhoso de ser brasileiro, de pertencer a uma nação ética, onde, tirante os governantes, todos são vestais e unânimes em lamentar ou condenar os desmandos daqueles que mandam ou pensam que mandam.


Nunca atingimos a um grau de consenso, de unanimidade cívica e moral como agora. Há mesmo uma disputa entre os formadores de opinião, e seus respectivos informados, para saber quem mais se escandaliza, quem mais vitupera a corrupção, quem mais clama contra os abusos do poder e as suas deficiências.


Não se trata de vozes clamando no deserto. Pelo contrário, todos clamam e berram por todos os veículos da mídia, incluindo a internet, os blogs, os sites que poluem a telinha. Mais uma vez: excetuando os governantes e seus áulicos, todos estão enojados, vomitando pelas goelas o bródio indigesto que está sendo servido em nossa vida pública.


Trata-se, sem duvida, daquela "ira bona" de que falava São Tomás de Aquino. Ira que se espraia em todas as camadas da sociedade. O leitor que abre o jornal ou a revista quer ver sangue, deleita-se com o pus que tresanda do organismo nacional, com mensalões, futricas pré-eleitorais, orçamentos macetados, vestidos doados à mulher de um ex-governador, aviões da Varig que voam sem a gente entender como, mocinhas de vida airada freqüentando a casa de lobistas, ministros que nem o presidente da República conhece. Faço parte, modestamente, e com algum constrangimento, da turma do mata e esfola. Tenho de ganhar a vida que na realidade já perdi. Se não o fizesse, acho que estaria passando fome.


Muito repetida aquela frase de que toda a unanimidade é burra. Há consenso na constatação de que o Rei está nu. Mas muita gente também está nua e pensa que está vestida.


 


Folha de S. Paulo (São Paulo) 18/04/2006

Folha de S. Paulo (São Paulo), 18/04/2006