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Artigos

  • Trunfos escondidos da nossa democracia

    Não nos damos conta do quanto o governo Lula se encerra deixando o Brasil numa posição incomparável, mesmo fora da América Latina, em termos do avanço do modelo democrático nacional. No quadro, inclusive, dos Brics, não tem similares na coerência com que junta, ao desenvolvimento econômico-social, o avanço político, inclusive com instituições, hoje, dificilmente encontráveis nos próprios modelos europeus ou mesmo escandinavos. De saída, o Conselho Nacional de Justiça, que criou o controle intrapoderes, e eliminou a presunção da intangibilidade do Legislativo, Executivo e Judiciário, muitas vezes sinônima da tolerância, intramuros, com o abuso de poder. A derrubada do nepotismo no Judiciário foi exemplar, nestas sucessivas trincheiras em que o familismo estadual entrincheirava-se nos cargos públicos, às vezes até como redutos de consaguinidade, intergeracional.

  • Acelerar o velocímetro

    A nova presidência implica os balanços do governo Lula e seus antecedentes na responsabilidade final pelo arranco definitivo de nosso desenvolvimento sustentado e, de logo, a réplica póstuma dos tucanos. Teria sido possível o êxito atual sem o Plano Real, e até onde o Bolsa-Família antecedeu o governo petista? Ou, de fato, quando começaram a desconcentração da renda e o sucesso da expansão econômica, com o enriquecimento geral do país ou, sobretudo, com a saída da marginalidade de 30 milhões de brasileiros? A tinta da história recente não pode ainda carimbar os créditos finais desse país que cresceu a 7,5% do PNB em 2010 e pode contar com 56% da sua população na classe média. Em contraste com a melancólica despedida de FH, Lula goza destes inéditos 86% de apoio ao deixar o Planalto. E o PSDB para ir adiante não escapa do epitáfio de uma refundação. Recolher os cacos do capitalismo liberal, reformular o papel do Estado na infraestrutura do país, blindar-se à mobilidade coletiva e ao acesso direto aos serviços na educação e saúde, mesmo antes da carteira assinada de trabalho. A proclamada falta de impacto do governo Dilma vem do esperado "mais do mesmo", ou da percepção crescente, a cada dia, das melhoras do governo que lhe antecedeu. Mas não é o continuísmo inerte e, sim, o do aprestar-se o país às novas economias de escala, à absorção do pré-sal, ou o avanço do Minha Casa, Minha Vida, juntando o programa habitacional ao ensino e à saúde.

  • Nossa possível solidão internacional

    As presenças internacionais na posse da Presidente permitem já uma primeira leitura do impacto do Brasil num mundo de rupturas das globalizações e das velhas dependências de centro e periferia. Sobretudo, do relevo em que, de fato, somos vistos pelos parceiros de uma nova geopolítica contemporânea. Claro que, no eixo básico desse reconhecimento, a presença de Hillary indica o quanto permanece o governo brasileiro na ótica primeira do governo Obama, inclusive nesse nosso apoio para a recuperação democrática, ameaçada pela torna do pior fundamentalismo republicano. A perspectiva mais larga do mandato de Dilma, na sua projeção internacional, é já a da nação-continente que se desliga do velho ninho da dependência latino-americana, e vai buscar um protagonismo análogo ao da China, ao da Rússia ou da índia, compondo a sigla dos BRICS, desses países de enorme mercado interno e, cada vez mais, a contrarrestar as velhas hegemonias do Primeiro Mundo. Não deparamos nenhuma presença específica de Pequim, Moscou ou Nova Déli na reunião em Brasília, nem nenhum reconhecimento antecipatório da moldura para nossa política exterior, a que se entregou o Ministro Amorim na pasta exercida na inteireza dos dois mandatos. Em nosso berço continental, por outro lado, faltou-nos o destaque da representação argentina e mexicana. Ou seja, das duas nações líderes no avanço do G-20, que tanto deve ao Brasil. Claro, não nos poderia faltar Hugo Chávez, obsessivo personagem de todo  palco continental.

  • Contagem regressiva para a oposição

    O governo Dilma é todo o contrário, no seu nascimento, de um quadro de trancos e barrancos, ou de emergência de inconformismos latentes, nos dois mandatos do governo petista. No corte da equipe ministerial, entre quem ficou e quem entra, pode-se desenhar a expectativa da continuidade sem continuísmo, claramente manifestada desde o discurso inaugural. Mas a tranqüilidade nesse futuro imediato, e mesmo a médio prazo, tem como seu primeiro aliado a própria afirmação oposicionista, herdeira da força eleitoral da candidatura tucana. Mas em que termos a vitória do PSDB nos seis estados articula, numa frente coesa, o que seria o confronto com o governo nascente? Em alguns casos, como no Pará ou em Tocantins, os êxitos eleitorais mínimos deixam esses Executivos reféns dos novos avanços do PAC - e acelerados - nessas áreas. As governanças, por outro lado, de Goiás ou Mato Grosso do Sul manifestam a sua total autonomia ao, desde a posse, aproximar-se do governo Dilma e criar a sua contabilidade imediata de expectativas e favores.

  • O copioso ministério e suas superposições

    O novo Ministério não evidencia, apenas, a amplitude da descentralização de tarefas e funções em que o governo Dilma comandará o desenvolvimento sustentado. São múltiplos os escaninhos das políticas de mudança, e das interações entre o trato da mobilidade social e da situação econômica. Ou do delineio das políticas de igualdade de gênero ou de raça, no tronco de defesa e avanço dos direitos humanos. A cogitação que surge logo, entretanto, é a de se verificar se, em toda essa trama de desempenhos, não enfrentaremos superposições e possíveis embates, nascidos, inclusive - e sobretudo-, da complexidade dos fenômenos sociais à sua frente. De saída, vá-se, no campo do Ministério da Justiça e da Segurança, às políticas de saneamento da violência nas favelas, no entusiasmo em que o Ministro Cardozo se refere às conquistas logradas no Complexo do Alemão, e as vê como extensíveis a todo o país.

  • O cansaço autoritário no mundo Árabe

    A queda do Presidente Ben Ali, da Tunísia, repercute para além de um mero golpe de Estado no Oriente Médio e toda esta área mediterrânea, que manteve como monarquias, de fato, as presidências nascidas com a independência frente ao colonialismo europeu. São todos regimes em que os Presidentes duram por décadas, sem horizontes efetivos para a sua mudança, na Argélia, na Tunísia, no Egito, independentemente do que digam as Constituições ou o seu simulacro eleitoral. Patente, entre todos, é o caso de Mubarak, cujo filho já se vê como um herdeiro natural e incontestável. Ninguém se deu conta do impacto, crescendo semana a semana, da imolação de Mohamed Januz, em Túnis, num protesto sem volta pela restauração da democracia no país, e o afastamento do Presidente Ben Ali. Tal sacrifício continua nestes dias no Cairo, pelo suicídio de Salah Mahmud, prefigurando uma reação em cadeia, num novo movimento cívico inesperado, da cultura islâmica, na cobrança da chegada das liberdades nesta área crítica à estabilidade internacional.

  • Revolução e regressão no Oriente Médio

    A Revolução de Túnis está sendo considerada como o primeiro grande evento de efetiva mudança sociai do século, no impacto que tem sobre a quebra do autoritarismo pós independência colonial do Oriente Médio. Não só o movimento se alastra nas praças, já abarrotadas, contra Mubarak, no Egito, ou no começo das agitações na Jordânia, mas, sobretudo, põe em causa um outro problema: até onde a derrubada das ditaduras vai, também, implicar uma torna ao fundamentalismo islâmico, num claro retrocesso histórico do que, se pensava, fosse o avanço da laicização na modernidade? O governo Ben Ali, tal como o de Mubarak, foi dos que mais avançaram no sentido de reprimir a onda islâmica, repetindo, quase um século após, o mesmo intento que Atatürk, na Turquia.

  • Do regional ao global no conflito egípcio

    As marchas e contramarchas, no Cairo, entre oposicionistas e defensores do regime de Mubarak levam a novas interrogações sobre o conflito deflagrado pela revolução tunisiana. Não se pode atribuir, por completo, à manobra do presidente, a enxurrada nas ruas para sufocar os inconformados com o sistema. Multiplicam-se os depoimentos de uma classe média egípcia a sobrelevar a estabilidade consolidada do país, sobre as reivindicações de um pleno e amplo restabelecimento da democracia. De outro lado, a multiplicidade de lideranças autoassumidas contra o regime indica, cada vez mais, que não há um verdadeiro levantamento do inconsciente coletivo egípcio. Fosse tal a situação, eclodiria uma mobilização consequente a, já, ter, nesta altura, carismática ou não, uma clara liderança no abate a Mubarak. 

  • Democracia e maratona na praça

    O que foi que levou à renúncia de Mubarak, após a maratona do vaivém entre as cheias e o quase cansaço do povo, da Praça Tahirir? A queda do regime não nasceu de nenhuma arquiconspiração, nem de um trabalho missionário de elites, nem de uma catequese que chegasse ao seu ponto de ignição. Funcionou, sim, o exemplo tunisiano, num quadro mimético, mas que acendeu uma profunda exaustão com o regime. Os protagonistas decisivos da mudança vieram a ser essas forças armadas, profundamente coesas, com um treinamento de elite, e que, desde a saída, com o assentimento presidencial, negaram-se a coibir, pela violência, a manifestação popular, Esta se fazia com toda a espontaneidade de um primeiro protesto, que encontrava, também, em outra experiência virgem, nestes trinta anos de governo, a ausência de repressão. A Praça Tahrir tornava-se o local de um plebiscito vivo e continuado. Ou, até mesmo, em estratégias de mobilização, do que fosse a massa, no contra ou pró-Mubarak. Esta, indiscutivelmente, nascida de organizações governamentais, apostando, inclusive, num primeiro cansaço do povo na Praça. O estopim recrudesceu, pela retórica de novos protagonistas, liberado das prisões iniciais, pelo jogo continuado do não-intervencionismo das forças armadas. Deixou-se à perseverança da presença popular o desfecho final, do que fosse o sustento do regime para a mantença da ordem.

  • A severa lua de mel presidencial

    Debruça-se, sôfrego, o País, sobre as diferenças entre os governos Dilma e Lula, ainda na lua de mel com o poder da presidente. Desponta o rigor com a premissa fundamental da distribuição de renda, expressa no valor do salário mínimo. Não se deu conta a oposição da contundência da aprovação da importância de R$ 545,00 pela Câmara, mas, sobretudo, da passagem de todas as futuras fixações desse salário à decisão do Executivo. Eliminou-se o último poder de barganha congressual no que seja, daqui para diante, o montante que o Planalto queira emprestar a esses valores, sem desgastes demagógicos com o tucana-to, ou pressões sindicais. 

  • Depois de Mubarak, o fantasma global

    Diante da catástrofe bem temperada do Oriente Médio, Hillary Clinton declarou que a área enfrenta uma "tempestade perfeita". É a renúncia a toda predição de futuro, atingindo a ideia da esperada revolução, que se frustra nos desfechos da Praça Tahrir, no Cairo. Todo verdadeiro abate de regime precisa ser feito, sempre, por elites ou como, sem elas, prospera um movimento coletivo? O caso da Tunísia foi o da irradiação desse sentimento por classes médias, e pela população universitária mais desenvolvida da região. Não houve lideranças prévias mas captura imediata do levante pela cidadania urbana. Não foi o que se deu no Cairo, muito mais por um lance mimético e um efeito-dominó, que não integrou oposições, coesas e determinadas. Donde a hesitação, entre a luta, pelo restabelecimento democrático e o retrocesso à busca de um fundamentalismo identitário, e dos riscos do radicalismo, após um governo de firme implante do laicismo do Estado. Atente-se, ainda, à novidade do desempenho policial e militar, assegurando o dissenso nas ruas. As forças armadas evitaram toda provocação e permitiram à massa o confronto não-violento e terminaram com mais baixas que os opositores. Esta situação se manteve inflexível por mais, já, de uma quinzena, e o movimento só se alastrou, para além da Praça Tahrir, após um primeiro cansaço, frente às declarações de Mubarak no dia 11 de fevereiro. O afastamento, a seguir, do Presidente tornou crítica a responsabilidade do Exército, na continuação do trabalho do então Vice-Presidente Suleiman, que já trouxe à mesa de conversas a maioria das oposições, inseguras sobre as suas prioridades de mudança.

  • Nossa política inovadora no Oriente Médio

    O discurso do ministro Patriota tem sido exemplar no delineio dos rumos da política externa brasileira no Oriente Médio. E tal a partir do possível questionamento de uma mudança frente ao Irã e à liderança assumida pelo Brasil e a Turquia, desde 2009, contra o isolamento do governo dos aiatolás na nova globalização. A nossa presença no cenário mediterrâneo nasce da multiplicidade de perspectivas que se pode permitir o país no quadro dos BRICs, no peso crescente de sua voz fora dos nichos clássicos da América Latina, ou das antigas periferias ocidentais.

  • Cabo Verde, a nação atlântica

    A responsabilidade da Otan pela paz mundial é hoje superada pela nova ascendência, no limiar da União Africana, de par com a Liga Árabe. A crise em todo Oriente Médio entremostra toda a riqueza de um mundo global, a partir das articulações internacionais que superam hoje o velho fixismo " geopolítico. E entre eles  avulta, sobremodo, no universo atlântico, a emergência de Cabo Verde como símbolo e ponta desses enlaces, em que a nação africana é a promessa, talvez, dos vínculos mais amplos e complexos de uma nova urdidura do espaço mundial do século XXI. Cabo Verde, para além da antiga CPLP, é o eixo das relações despontantes da CDEAO e, sobretudo, da Macaronésia, no liame continental com a Mauritânia e Marrocos. Estado arquipélago padrão, como o Japão, pode, desde logo, intitular-se como nação global, como vem de relembrar o primeiro-ministro José Maria Neves, no que a integração entre as ilhas envolve também o empenho antidiáspora e o enlace desta fortíssima comunidade cultural. Difícil encontrar elemento aglutinador como a língua crioula no seu transbordo oceânico, nas raízes plantadas, inclusive, nas próprias bordas norte-americanas, na força da busca do ensinouniversitário. E na torna à pátria destas levas de novas gerações, a compor a crescente classe média do país. Mid Atlantic, diriam alguns, este Cabo Verde, já no pressentimento do salto para um futuro, vindo da formação específica desta inteligência, e nas novas e universais tecnologias da informação.