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Revolução e regressão no Oriente Médio

 

A Revolução de Túnis está sendo considerada como o primeiro grande evento de efetiva mudança sociai do século, no impacto que tem sobre a quebra do autoritarismo pós independência colonial do Oriente Médio. Não só o movimento se alastra nas praças, já abarrotadas, contra Mubarak, no Egito, ou no começo das agitações na Jordânia, mas, sobretudo, põe em causa um outro problema: até onde a derrubada das ditaduras vai, também, implicar uma torna ao fundamentalismo islâmico, num claro retrocesso histórico do que, se pensava, fosse o avanço da laicização na modernidade? O governo Ben Ali, tal como o de Mubarak, foi dos que mais avançaram no sentido de reprimir a onda islâmica, repetindo, quase um século após, o mesmo intento que Atatürk, na Turquia.

O presidente tunisiano não só forçou o Estado leigo, mas levou à oposição frontal toda gama das reivindicações, trazidas ao impulso da Revolução de Khomeini, e a instalação das teocracias da Sharia.

Mubarak foi ainda mais longe enquanto baniu diretamente a Fraternidade Muçulmana, possivelmente a formação política mais significativa em toda a área, da natural tomada de poder pelos grupos sociais islâmicos, vistos como sucessores do regime colonial do meio século, mantidos sob a égide das últimas monarquias-fantoche, no Cairo. O tamanho das manifestações, agora contra Mubarak, já são de uma restauração identitária que parece ecoar o sucesso de Khomeini, no Irã, e, claro, repercute nesta volta ao islamismo tamisado em Istambul e na delicadeza com que o regime Erdogan se mantém frente a um Exército, ainda sim, suporte da tradição kemalista. Da atualização democrática, vai ser fiel ao pluralismo essencial que reclama a modernidade, ou estas restaurações identitárias levarão a novas diacronias e desforços fundamentalistas nestas nações que vivem, agora, a surpresa do protesto de rua e dos comícios resultantes?

A dita Revolução de Jasmin, em Túnis, nasce do regime socialmente mais desenvolvido do mediterrâneo árabe, no peso de sua universidade, de sua classe média e da prosperidade garantida pelo governo Ben Ali. É por aí mesmo o que tem condições exemplares e, em termos, sempre, de uma neofidelidade democrática, de fugir às rimas políticas de um fundamentalismo inquieta nte com as do partido único, da radicalização dos extremismos ideológicos e das proscrições religiosas. Os manifestantes foram à rua repetindo o clamor da revolução francesa chegando ao mundo árabe. De toda forma, o que ora move os tunisianos nada tem de um anódino golpe de Estado ou dos jogos de ambições rotineiras, entre as Forças Armadas e um status quo por demais entranhado nos palácios e nos dinheiros do Estado. Foi o que se repetiu no Cairo, ou registramos apenas um efeito-dominó e mimético, no que um quadro de saques e de explosões de anomia pode levar à profunda regressão identitária, e á torna da "guerra de religiões" no Oriente Médio?

Jornal do Commercio (RJ), 4/2/2011