Diante da catástrofe bem temperada do Oriente Médio, Hillary Clinton declarou que a área enfrenta uma "tempestade perfeita". É a renúncia a toda predição de futuro, atingindo a ideia da esperada revolução, que se frustra nos desfechos da Praça Tahrir, no Cairo. Todo verdadeiro abate de regime precisa ser feito, sempre, por elites ou como, sem elas, prospera um movimento coletivo?
O caso da Tunísia foi o da irradiação desse sentimento por classes médias, e pela população universitária mais desenvolvida da região. Não houve lideranças prévias mas captura imediata do levante pela cidadania urbana. Não foi o que se deu no Cairo, muito mais por um lance mimético e um efeito-dominó, que não integrou oposições, coesas e determinadas. Donde a hesitação, entre a luta, pelo restabelecimento democrático e o retrocesso à busca de um fundamentalismo identitário, e dos riscos do radicalismo, após um governo de firme implante do laicismo do Estado.
Atente-se, ainda, à novidade do desempenho policial e militar, assegurando o dissenso nas ruas. As forças armadas evitaram toda provocação e permitiram à massa o confronto não-violento e terminaram com mais baixas que os opositores. Esta situação se manteve inflexível por mais, já, de uma quinzena, e o movimento só se alastrou, para além da Praça Tahrir, após um primeiro cansaço, frente às declarações de Mubarak no dia 11 de fevereiro. O afastamento, a seguir, do Presidente tornou crítica a responsabilidade do Exército, na continuação do trabalho do então Vice-Presidente Suleiman, que já trouxe à mesa de conversas a maioria das oposições, inseguras sobre as suas prioridades de mudança.
Cada vez mais se verifica a ilusão de El Baradei, de se contentarem os adversários de Mubarak com a estrita volta de um regime pleno das liberdades políticas. Aí está o reclamo da Fraternidade Muçulmana, e, no remate de seu horizonte, o chamado de Khamenei, convocando todo o mundo árabe, ao lado do persa, a ultimar o reimplante do Islã em todo o rigor da Sharia.
A perplexidade dos últimos dias não desmonta a expectativa do estopim de pólvora, começado na Tunísia. Só não atingiu, entre as monarquias, a saudita. A interrogação vai, logo, ao Iêmen, de um governo de pactos tribais e clânicos e, por isso mesmo, suscetíveis de desfechos frágeis, ameaçando o presidente Saleh, no poder à mesma trintena de Mubarak. A Argélia parece deixar a mudança ao desenlace da condição terminal de saúde de Bouteflika e a Líbia vai à guerra civil, com Khadafi no fortim de Trípoli.
O que entra, desde agora, nos paradoxos da tempestade perfeita, sinalizada por Hillary, é, sim, o inopino da reação ocidental ao sobressalto do Oriente Médio. Diante do fantasma dos fundamentalismos, o primeiro-ministro britânico Cameron repetiu a frase fatal de Angela Merkel, em Berlim. Confundindo terrorismo com convivência nas diferenças, essenciais à estabilidade mundial, vem de condenar, urbi et orbi, o pluralismo no seu país, como fonte de criações de guettos étnicos. Não é outra a atitude do reacionarismo republicano nos Estados Unidos. Começa uma atitude defensiva do Ocidente, com o refugo árabe na Alemanha e, agora, na Inglaterra, por uma geopolítica "depuradora" para a Europa.
A tempestade deflagrada pela Revolução de Túnis, no contraste de suas perplexidades, rasga um horizonte em que, dos dois lados, nos novos exclusivismos coletivos, pode estar começando a decantada e temida "guerra de religiões".
Jornal do Commercio (RJ), 4/3/2011