A crise continuada do Oriente Médio começa também a radicalizar perspectivas inquietantes para o futuro americano dentro de casa. Estão se repetindo, nestes idos de março, as cargas de um conservadorismo que vai muito além dos clássicos arreganhos do bushismo.
O chamado "Tea Party", na sua ascendência no Partido Republicano, ganha um relevo crescente nas tônicas da legenda que saiu vencedora na Câmara nas eleições de 2010. Vêm se multiplicando as convenções, como as de lowa e Wisconsin, que somam a pior reivindicação fundamentalista, ligando a luta à legislação pró-aborto ao empenho pela erradicação dos movimentos islâmicos nos Estados Unidos. O senador de Rhode Island, Peter King, vem de discutir o direito à cidadania dos americanos de origem árabe, vistos como portadores, em si mesmo, de uma conduta ameaçadora à estabilidade do país.
Voltamos, de repente, ao pior macarthismo e à definição dos Estados Unidos como a nação dos puros e dos impuros, estes a serem submetidos à contínua denúncia, diante do governo federal. Os grupos dos chamados rednecks, no coração reacionário dos Estados Unidos, ecoam de maneira devastadora essa atitude defensiva, que o Ocidente cada vez mais exprime na viabilidade de convivência com as outras culturas.
Esta virada fundamentalista contrasta profundamente com os princípios da Federação e seus founding fathers. Mais ainda, a rebeldia que encarna, de maneira devastadora, o "Tea Party" combina esta visão de uma cultura cristã reacionária com uma visão já claramente suprematista do que podem ser os Estados Unidos nesta nova etapa da globalização. Newt Gingrich, já "speaker" da casa,de 97 a 99, vai agora à disputa de uma candidatura presidencial, declarando que o voto, em 2012, é a favor do país, primeira nação do mundo ou, de fato, como entendem os democratas, uma nação "como as outras".
A radicalidade da nova direita americana inquieta ainda mais, tanto parece estabilizar-se o regime Kaddafi, já que desaparecem as esperanças de neutralização do espaço aéreo líbio, ou qualquer condição de intervenção unilateral americana no território. É toda uma nova onda de manifestação religiosa que parece levar o mundo tunisiano e, sobretudo, o egípcio a abandonar o secularismo e expor-se, hoje, em novo eco da revolução de Khomeini, à criação de um Estado formalmente religioso.
O "Tea Party" passou a linha divisória entre o fundamentalismo e a negação dos direitos sociais, na decisão do governo direitista de Wisconsin, fugindo a uma tradição mais que cinquentenária, de reduzir no Estado os direitos da negociação sindical. Os jogos estão feitos para a próxima eleição, e a mostrar o que é a causa democrata, na ampla defesa do trabalho e do acesso generalizado aos serviços de saúde, frente aos opositores que vêem Obama - e porque não? - como um terrorista, fiel ao seu treinamento de mocidade, com os "mau-maus" do Quênia.
Jornal do Commercio (RJ), 18/3/2011