Obama, entre o espanto e a esperança
As vitórias nítidas de Hillary, nas prévias em Nova York e Califórnia, destruíram a escalada de Obama? Ou ela só começa, diante dos novos dados deste eleitorado inédito, que acorreu em massa às primeiras urnas?
As vitórias nítidas de Hillary, nas prévias em Nova York e Califórnia, destruíram a escalada de Obama? Ou ela só começa, diante dos novos dados deste eleitorado inédito, que acorreu em massa às primeiras urnas?
O começo de 2008 tem os anticlímaxes de uma volta ao marco zero, pela correção de rumos da iniciativa governamental no momento do arranque do PAC. Só vão se agravar as culpabilizações recíprocas pela perda da CPMF, na retroavaliação do lance.
O problema hoje do conflito das civilizações vai muito para além das visões normais de uma ética da mudança, com suas correções voluntaristas de rumo, reconhecimento de equívocos, ou de preservação de idéias feitas e estereótipos. Faz-se mister encontrar, desde logo, uma plataforma mínima de entendimento quando um universo de desconfianças mergulha na “civilização do medo” ou de uma guerra de religiões.
A avalanche de Obama não estarrece apenas a Hillary Clinton, mas surpreende todo comportamento político do establishment. Há mais de meio século não houve americana eleição que contasse com mais de 60% dos votantes, no país acostumado com o rame-rame das urnas, e a alternância, via de regra, entre democratas e republicanos.
O avanço da popularidade presidencial tornou-se um bordão em nossa conjuntura política. Desarvora as oposições neste quadro inédito para o meio de um segundo mandato. O Presidente atravessou todas as crises e vaticínios de catástrofe em que o açodamento da revanche acabou por perder o pé, diante de um país cada vez mais surdo à retórica do velho regime.
A opinião pública americana apenas começa a se dar conta da vastidão do seu protagonismo no avanço de Obama nas prévias presidenciais. O debate no Texas mostrou que o público sabe o que quer ouvir, independentemente do que digam os candidatos. O que está em causa é esse arranque do inconsciente coletivo americano a sacudir em toda profundidade de um status quo e as alternativas de um futuro, pós Reagan, entre as dinastias Bush e Clinton. Refuga o tosco physique de role texano bem como beautiful people kennedyano. O apoio à Obama pelo senador da clã soou como um beijo da morte, na rejeição do Massachusetts, ao gesto do obeso patriarca de uma legenda em que não quer também se reconhecer a nova América profunda, a arejar de futuros confortáveis e conhecidos.
A opinião pública americana apenas começa a se dar conta da vastidão do seu protagonismo no avanço de Obama nas prévias presidenciais. O debate no Texas mostrou que o público sabe o que quer ouvir, independentemente do que digam os candidatos. O que está em causa é esse arranque do inconsciente coletivo americano a sacudir em toda profundidade de um status quo e as alternativas de um futuro, pós Reagan, entre as dinastias Bush e Clinton. Refuga o tosco physique de role texano bem como beautiful people kennedyano. O apoio à Obama pelo senador da clã soou como um beijo da morte, na rejeição do Massachusetts, ao gesto do obeso patriarca de uma legenda em que não quer também se reconhecer a nova América profunda, a arejar de futuros confortáveis e conhecidos.
Nesse novo tobogã de sustos da pré-campanha presidencial americana, a hora, agora, é do tranco no que parecia a trajetória tranqüila de McCain a indicação presidencial. O ataque vem fundado em ampla reportagem do “New York Times” numa cobrança exaustiva ao senador candidato. Não é um pasquim, nem um lance furtivo de internet, mas do maior jornal do país preparado para a diatribe.
O vagalhão de surpresas pré-eleitorais americanas é de um ativo histórico inaudito da democracia. O interesse de sair de casa para os “cáucus” renova a confiança ancestral nas instituições e na quebra, pelo voto, da inércia dos situacionismos políticos. É a primeira vez, em mais de século, que a ida às urnas será de mais de metade do eleitorado. E esses 10 ou 15% do novo afluxo não obedecerão às opções prévias e sabidas de um bipartidismo tradicional da vida política americana. O oportunismo de um Ralph Nader, por exemplo, a esta altura, é o de pescador em águas turvas da surpresa, como um candidato independente. E em vão diante destas condições absolutamente impensáveis, ainda a um trimestre da chegada de Obama à Presidência da República. Mal começa o país a experimentar a violência emocional desta “terça crucial”, capaz de chegar à tragédia que volta a rondar o inconsciente coletivo dos Estados Unidos.
Os resultados da “terça-feira crítica” foram mais longe ainda, na maré de mudança que anima a opinião pública americana para as eleições de novembro próximo. O confronto Obama-Hillary jogou para o fundo do cenário o outro resultado, batendo o martelo arqui-previsto de McCain como o candidato republicano. Os jogos feitos desse lado aceleram a vontade de derrubada do sistema implantado no Salão Oval. Mas, para valer e é isso que não deixou dúvidas no discurso de terça-feira última, Obama, diante da rival, remaquiada, para ir adiante. Não se está mais na fatuidade do mero querer mudar, que marcou a Obamomania original, a ficar na forra do imaginário americano.
Aí estão os dados unânimes do desempenho do governo, no ineditismo do sucesso de Lula e no vigor crescente do segundo mandato. Não há que repetir o êxito, já cansativo, do controle da inflação, nem do crescimento do dito "pibão", nem da distribuição de renda, nem da política de acesso social dos 11 milhões de famílias, nem do avanço único das exportações, ou da entrada efetiva no mercado de emprego, ou da ampliação da produção agrícola no antigo latifúndio brasileiro.
O Ministro Fernando Haddad mostrou ao Congresso a sua determinação, na retomada da reforma universitária como uma dimensão crítica da mudança do país. Nenhum projeto foi levado tão a fundo, como exemplo da nova cultura política, na exposição ao debate do ensino de terceiro grau, e nas emendas resultantes do texto agora em apreciação no Legislativo.
O comparecimento às urnas das eleições espanholas e francesas fortalece a mobilização indiscutível da sociedade civil, pela democracia profunda do nosso tempo. No caso francês, um pleito ainda caracteristicamente municipal mostra que não quer deixar o futuro à simples rotina dos jogos feitos de todo o sempre. Nas cinco mil e seiscentas circunscrições apareceram candidatos independentes, e a necessidade de um segundo turno mostra a mobilização do voto em larga parcela desta ida às urnas.
Os rostos da convenção para aprovar o nome petista à nossa Prefeitura exibiam um choque inesperado do novo, a realinhar o partido no Rio de Janeiro. Molon brotou numa aposta radical contra as espertezas políticas ou os jogos cansados de maiorias em bem desse despertar do “povo de Lula”. Não se trata apenas do aproveitamento do embalo da popularidade do Presidente que não deixa dúvidas quanto ao sucesso de um nome que indicar à sua sucessão.
A leitura dos jornais da última semana mostra a saturação a que chegou o noticiário da violência carioca. As páginas inteiras o repetem, coluna a coluna. Chega-se ao fartum da manchete, ou, literalmente, à impossibilidade do encontro de novos adjetivos. É uma exaustão que pode levar ao que os moralistas chamariam de acedia. Ou seja, de amortecimento de toda sensibilidade pela sua repetição e, sobretudo, pela certeza de que o registro não tem surpresa na sua monotonia.