Nesse novo tobogã de sustos da pré-campanha presidencial americana, a hora, agora, é do tranco no que parecia a trajetória tranqüila de McCain a indicação presidencial. O ataque vem fundado em ampla reportagem do “New York Times” numa cobrança exaustiva ao senador candidato. Não é um pasquim, nem um lance furtivo de internet, mas do maior jornal do país preparado para a diatribe.
Não é o pecadilho de um arroubo de McCain, visto como romântico, há uma década, com Vicki Iseman, no mundanismo do Capitólio. Mesmo que os Estados Unidos não sejam a França, na imunidade concedida ao “boudoir” de seus Presidentes, a vida íntima dos deuses já não os derruba como mostrou o próprio Bill Clinton, nos seus arrufos na própria Casa Branca.
O que está em causa, é o quadro do lobby maciço e constante na atividade de então do senador, em que Vicki surgia como o prêmio dos jogos fechados e embalados nos gabinetes do Congresso, em tempos de purgação eleitoral o “Times” exibiu o à vontade de alguns legisladores em benefício do grande negócio do país.
As últimas Presidências atravessaram os escândalos do mega empreendimento capitalista, em que a falência da Enron, de há cinco anos, estarreceu pela amplitude da fraude das contas e a tolerância da fiscalização. McCain é um sobrevivente de uma fieira de senadores, processados e banidos, do Congresso à mesma época do reinado de Vicki.nos salões de Washington.
O atual Salão Oval deu-se conta do perigo do pavio ora aceso, que pode levar investigações antigas ao torpedeio do candidato que fez da incorruptibilidade o trunfo dos seus votos. Nele fica o lastro do herói de guerra que, a bem da opção situacionista, empurrou para o canto os “neocons” e o evangelismo da pior cepa reacionária do regime.
O fundamentalismo não é, graças a Deus, o seu escudo, mas McCain se vê agora exposto a este tsunami de novas cobranças, em que o eleitorado americano quer arejar do status quo, e ganha novos olhos de ver a Presidência da República. Na corrida de obstáculos que deixa o homem de Bush já sem competidor, a denuncia não abre flanco a um outro nome. Mas ceva no vigor da candidatura e leva para o outro lado muitos eleitores independentes ainda indecisos.
Protagonista mesmo dessas eleições é o novo interesse popular que saiu dos conformismos de sempre, e não só não quer rotações dinásticas do Presidente mas agora passa a limpo as rotinas constituídas do poder e o entranhamento dos lobbies na vida pública americana. O “New York Times” não entra à toa nessa polêmica, e acompanha a irritação do eleitorado com a negociação da “cosanostra” como segunda natureza do establishment.
As respostas atarantadas de McCain ao jornal são as de quem não pode contornar esse quadro geral do poder instalado, e deixado às escuras pelas guerras do Afeganistão e do Iraque, sobrevindos ao começo da averiguação das macrofalências, ocorridas na década passada. É em vão que McCain tentará virar a página como se o vínculo lobista tivesse o mesmo caráter anedótico de um possível affair com a lobista.
As cartas aí estão comprometendo o senador-candidato com o jogo de poder essencial à sociedade mediática, comprovando o tráfico de ingerência e a distribuição de canais de televisão, no que é hoje nervo decisivo de outorgas e benefício do sistema. Assistimos agora no pólo democrata à superação da barreira racial, e do preconceito feminino na nova adesão popular a Obama e Hillary. O “New York Times” sabe por onde enveredou, desmontando os votos de defensores confessos do “big business” sob o pendão republicano no Capitólio.
Jornal do Commercio (RJ) 29/2/2008