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Artigos

  • O Brasil, quinta Guiana

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 11/02/2005

    Os mapas históricos do século XVIII espraiavam as denominações do extremo Norte do Continente, na declinação das cinco Guianas. Emoldurando as três européias, apareciam as, hoje, venezuelana e brasileira, esta do litoral do Oiapoque à Foz do Amazonas. Demoramos até hoje no responder a um desígnio antecipado pela geografia, no que fosse a nossa presença na área, de importância até agora relativa em nossa política externa. Só há a explorar aí uma profunda identidade cultural com as etnias africanas, a partir do Haiti - e em contraste com a latinidade espanhola - das Antilhas e, sobretudo, deste único Departamento francês assentado em terra firme do Novo Mundo. Mal conhecemos ainda esta Guiana, nem o foco de Caiena cujo símbolo de prestígio e modernização, inclusive, contrasta, por inteiro, com a velha imagem de uma região de banidos da pior espécie, no cativeiro da Ilha do Diabo que trancafiou, por 4 anos, o coronel Dreyfuss depois triunfalmente reabilitado de seu indigitado crime de traição à pátria.

  • A hegemonia, um luxo só

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 09/02/2005

    Bush, no discurso de posse, levou à abstração máxima a referência à liberdade, como convém à fala da hegemonia, legitimamente consagrada, afinal, pelo aluvião eleitoral. Não fez por menos, no direito à arrogância tranqüila que lhe dá a instituição democrática. O recorte do perfil na escadaria do Capitólio era já de pretendente aos talhes na pedra do Monte Rushmore, dos pais da república, como conviria ao presidente da nação chegada ao extremo de seu fastígio. É um virar natural de página, quando não há mais que pedir desculpas pelo erro confesso da busca do arsenal nuclear de Saddam, nem dar novas justificações ao fato consumado da guerra permanente para o extermínio do terrorismo.

  • Presença Brasileira no Caribe

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 04/02/2005

    Não nos demos conta talvez do que a intuição de Lula permitiu ao País, no trazer a equipe de campeões de mundo para a festa desmedida do futebol em Port-au-Prince no Haiti. Explodia a cidade toda na procissão interminável, no préstito e na boda sem-fim em que cada jogador não baixava dos braços dos fãs, nem descansava da arrebentação do foguetório. Aluimento, quase, dos muros na cidade esconsa, do Dédalo das ruas a sufocar, na pressa do encontro e da praça longínqua. Fomos lá, agora, às urgências urgentíssimas. Os pracinhas do general Heleno ganharam a gratidão popular limpando as ruas de uma sujeira quase fossilizada, numa geologia do lixo abancado às paredes, como verdadeiras estalagmites.

  • O baile sem fim da hegemonia

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 28/01/2005

    A festa da reeleição de Bush não se avalia só em comparação com os gastos das posses anteriores. Afinal de contas, foram apenas US$ 44 milhões contra os 35 de Bill Clinton na sua primeira vitória. O novo vem tanto do novo recado no frio do 20 de janeiro quanto do luxo e da opulência da festa no coração de um país em guerra. Um baile somou-se a outro na farandola do rodopio do casal, terminando na coreografia texana dos donos da festa.

  • O petismo de volta às origens

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 26/01/2005

    O começo do segundo tempo de Lula torna bem clara a noção do caminho à frente e da importância de uma imantação das bases, para o ganho de um segundo mandato. E de, por aí mesmo, acreditar-se numa substantiva política de mudança. Não é outro o ferrete efetivo da esperança do Brasil do outro lado. Um propósito efetivo de transformação continua o impulso de chegada ao poder, nascido do mais fundo do inconsciente social dos destituídos, a explicar a sua inédita paciência com o deslanche de um governo como o atual.

  • Cultura petista e exclusão universitária

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 21/01/2005

    Fruímos hoje, em termos de governo democrático e de esquerda como o do Brasil, de condições únicas no lidar com as aspirações de mudança normalmente veiculadas pelas "ações afirmativas". Trata-se de saber se, diante desse clima limite de democracia, e de ampla entrosagem entre sindicatos e partidos, à primeira vista logrou-se nova e inédita transparência na acolhida das expectativas do país dos excluídos. É o que se poderia desenhar a partir do extremo da cultura assembleísta do PT, através da discussão infinita e das audiências públicas do Legislativo, a tornar talvez obsoleta a estratégia na pressão social, como sofrida dentro dos governos clássicos do status quo.

  • Ação afirmativa e democracia madura

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 14/01/2005

    O começo da diferença do presente governo põe em causa a oportunidade da discussão das ações afirmativas. Remetem a uma condição típica da contemporaneidade quando o peso dos aparelhos coletivos e seus controles via de regra coíbem a expansão de novos avanços sociais. À inércia do já conquistado opõe-se à consagração de exigências subseqüentes de um fruir coletivo a que responde, basicamente, a idéia da realização universal da democracia.O que estaria em causa pois é a crise da visão tradicional da representação, pela qual um imaginário coletivo suporia sempre a flexibilidade desse duto, ou a ajustagem inevitável à pulsão de novas demandas de mudança. Um sentimento de maior justiça se deslocaria do liminar da sociedade à superestrutura das suas organizações de poder e da moção da máquina pública. A dita ação afirmativa porta a cunha da ruptura, em que a pressão social desborda um statu quo de melhoria coletiva, definida sempre em melhor repartição dos direitos humanos, individuais ou sociais, e novo grau de realização concreta de um estado generalizado de bem-estar.

  • José Paulo, nesta epifania

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 12/01/2005

    A semana da epifania é a melhor moldura para a lembrança de José Paulo Moreira da Fonseca, falecido em começo de dezembro, deixando-nos a imagem plenária, na nossa geração, de uma vida do espírito chegada quase que à bem-aventurança. Não temos conjugação melhor do poeta e do pintor, numa incomparável conviviabilidade de perfil. Perpassa a obra, plástica e literária, o recado desta vigília de todos os amigos, reunidos na missa de 7º dia, no barroco de todos os mármores da Igreja de Santo Inácio. Vamos guardar esta presença leve, de scherzo, deste dom da comunicação, em que o reenvio entre o verso e a tela era a fórmula natural de um celebrar, da composição sempre luminosa de seu verso - traço, começado pela ''Elegia Diurna'' - ou das fachadas em que transformou em ícones o casario carioca.

  • Um panteão para o país de Lula

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 07/01/2005

    A área de comunicação do Planalto, a meio mandato, lança-se à tarefa de mobilização política visando a promoção da nossa auto-estima. Há que se perguntar, entretanto, se o enfoque da campanha vai ao fundo do sentimento do País dos excluídos que ganhou as eleições e se percebe em outra e emergente sintonia nacional. Existe, de fato, para esses setores uma baixa valorização do Pindorama? Ou se está apenas importando a perspectiva do Brasil de salão, gasto pelo eterno recomeço das mesmas promessas? Não há como transferir para o País transfigurado pelo sucesso eleitoral de 2002, esta visão tradicional, frente a uma tomada de consciência que começa com a organização do PT e que vai, degrau a degrau, nas sucessivas campanhas, forjando uma identidade fundadora. Foi a Palácio com Lula, e seu impacto continua ainda a exigir ampla análise.

  • Bush bis, sem trégua

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 31/12/2004

    É difícil se encontrar passagem de ano onde os jogos de uma realpolitik fechem de maneira tão clara o futuro lá fora. A ida de Rumsfeld a Bagdá, o aperto de mão, duro, os mesmos semblantes baços, os mesmos ritos, marcam a percussão do mesmo, transposto já ao simulacro. Repete-se o rito pelo secretário da Defesa, após o presidente, o ano passado, como se se baixasse à instância das rotinas, sem ilusões de mudança. Nenhum afrouxamento do petrecho militar no Oriente Médio. Nem alteração do projeto da redemocratização com maiorias sintéticas, por mais que somem os atentados, e se amplie o pessimismo das Nações Unidas quanto à legalização formal do regime, como relevante para a paz efetiva no Iraque. Claro, aí está, quase como mecanismo automático, o do gesto de congraçamento após o 20 de janeiro, que levará Bush a Bruxelas, e às alvíssaras de conversa com a outra ponta do Primeiro Mundo. A queda pertinaz do dólar está muito longe de apresentar, ainda, qualquer risco estrutural da boa entente econômico-financeira dos dois lados do Atlântico.

  • Lula, meio tempo, lá fora

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 29/12/2004

    A instalação da Cadeira Celso Furtado em Paris, em cooperação entre o Fórum de Reitores do Rio de Janeiro e o Collège de France, permitiu um amplo debate sobre a presente visão no exterior do governo petista, em meio de mandato. Difícil perspectiva mais rica, do que a do cenário da Sorbonne, envolvendo esta massa de estudantes e pesquisadores de todo o mundo, debruçado sobre o que representa - nas antigas periferias - o crescimento do recado de Lula. Não se trata apenas do reconhecimento inédito deste governo que, entrando no seu segundo tempo, mantém essa popularidade inédita de 68% de apoio, e ainda em expansão. Nem da certeza real com que está plantado o chão de estabilidade, para que se adense a proposta, vencido o radicalismo utópico, tanto a alternativa ao mundo neoliberal envolve uma prática, de toda hora para que vingue, sem retórica, e a duras penas, uma esquerda em processo.

  • O testamento de Celso

    O Globo (Rio de Janeiro), em 27/12/2004

    Lula tocou para Celso Furtado horas antes da sua morte, explicando a demissão de Carlos Lessa, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O presidente assumia, por inteiro, o risco do lance, e queria tranqüilizar nosso economista maior quanto à perseverança de rumo.

  • Bush e a hegemonia compadecida

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 24/12/2004

    Essas vésperas do segundo tempo do Governo Bush abre todas as interrogações quanto ao reforço que os 59 milhões de votos deram ao homem da Casa Branca. O mandato pode ser claramente entendido como a consolidação da hegemonia americana, assumindo, por inteiro, a responsabilidade de criar-se uma "civilização do medo". Foi entre as ruínas fumegantes, ainda, da queda do World Trade Center que se desenhou o porte real e objetivo do gverno Bush até então errático, sem foco, no responder ao ideal histórico dos republicanos no Salão Oval.

  • Mario Soares de aquém-mar

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 17/12/2004

    Completa 80 anos, nesta semana, Mario Soares, fundador dos tempos de modernidade portuguesa. Da Revolução dos Cravos, à plenitude do mandato presidencial, sua reeleição e do assento definitivamente civil da República, para além das fardas da transição democrática. De Mario Soares, estadista, o reconciliador e o garante da mudança, plantada sem fissuras sobre o país das nostalgias possíveis nesta emancipação de dentro, do sentido verdadeiro da comunidade, sobre o além-mar, que tem, no cidadão-presidente Mario Soares, seu dom do colóquio, sua indignação, sua vigília pelos direitos humanos, a personalidade legitimamente internacional da nossa fala.

  • Oposição e clonagem política

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 15/12/2004

    No andar da carruagem, só se reforça pela crescente popularidade de Lula o horizonte de um segundo mandato. É diante dos tucanos também fortalecidos que deverá se dar o entrevero. Mas onde estão as barras da diferença para a disputa, se se alega que Lula não saiu do neoliberalismo de FH, e a plataforma a que possa almejar, arrancando dessas areias movediças, é a de realizar o programa social democrático, que ficou na gaveta do antecessor? Não é outra a constatação de Cristovam Buarque, após a conversa ampla e franca com o ex-Presidente, apontando para o mesmo refogado ideológico em que se cozinharão as duas legendas. FH olha para o futuro, como o encontro marcado com este programa, sufocado pelo imperativo de manter-se à tona, no seu mandato, uma viabilidade econômica, triturada pelo castigo da economia global. Neste quadro não há projeto, tudo é conjuntura, como salientou com toda sensibilidade o presidente sociólogo da ''Teoria da Dependência'', e da visão paciente pelos lucros e perdas históricas que permitam, a seu tempo, a um governo o saldo da mudança.