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Artigos

  • A malta que nos governa

    É claro que não tenho certeza, mas creio que a grande maioria dos brasileiros se sente enredada num clima de bandidagem, no qual avultam em maior destaque os políticos. Que se espere, talvez, de pessoas mais esclarecidas ou informadas, uma distinção entre os poucos bons e os muitos maus. Mas não se espere isso dos muitíssimos que nem dinheiro têm para comprar um jornal barato, ou nunca viram um jornal, ou não sabem ler, ou estão mais preocupados em conseguir um copo com água para beber, daquela que há séculos vem sido prometida a seus antepassados e sempre foi para os açudes dos coronéis ou para o saco sem fundo de administradores e empresas delinqüentes. Acredito que essa maioria de brasileiros não vê mais indivíduos entre os políticos. Vê uma massa amorfa, buliçosa e esquiva de ladrões, mentirosos, escroques, assassinos, vivaldinos - o que lá se pense de condição criminal ou moralmente execrável.

  • O golpe já começou (2)

    Quando escrevi, há dois domingos, uma coluna com este mesmo título, não imaginava que iria, pelo menos tão cedo, abordar o assunto novamente. Peço desculpas a quem não leu o primeiro ´capítulo´, pois é claro que não posso repeti-lo. Mas não tem importância, porque ele, em última análise, procurava apenas lembrar como o Senado e a Câmara de Deputados são hoje, de modo geral, malvistos ou mesmo abominados pela maior parte do povo, e uma das conseqüências é a extinção do primeiro já ser amplamente sugerida, o que abre um caminho talvez tortuoso, mas claro, para a extinção da segunda.

  • Confiteor

    Sou do tempo - ai de mim - em que a missa era em latim e nós, meninos, dizíamos ''''confiteor'''', antes de tremulamente confessarmos ao flamívomo (dicionário, dicionário; quem leu Euclides da Cunha deve saber) padre Brito, o qual nos lembrava sem cessar como eram espaçosas as portas do inferno e ardilosas as mil trapaças enredadas pelo Inimigo, que havíamos espiado a vizinha tomando banho. Então achei por bem confessar-lhes alguns pecados meus, involuntários embora, bem-intencionados certamente, mas isso - ai de mim outra vez, porque se esperam grandes lamentações da parte dos penitentes - não impede assistir razão ao bom São Bernardo, que, segundo me ensinaram, foi quem pela primeira vez observou que o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções.

  • Missão cultural em Berlim

    Não é que eu imagine que vocês estão tremendamente interessados, mas creio que devo explicar por que, de repente, vim parar em Berlim outra vez. Afinal, faço parte dos equipamentos urbanos do Leblon e tenho minhas obrigações de componente do mobiliário do famoso boteco Tio Sam todos os fins de semana. Ontem e hoje, por exemplo, imagino a perplexidade que tomou conta de todos os afetados pela minha ausência e, possivelmente, a revolta expressa por alguns, ao constatar que mais um irresponsável se junta ao vasto rol que já nos aflige imemorialmente.

  • O ano passa depressa

    Menino, a gente se distrai e, quando vê, já é dezembro, fim de ano. Cada ano - e eu sei que os mais velhos notam isso agudamente - passa mais depressa que o anterior, que por sua vez será mais acelerado e por aí nós vamos, uns menos aos trancos e barrancos do que outros, cada um sabendo onde lhe doem os calos e todos procurando em quem botar alguma culpa, como sempre comentou meu querido amigo finado Zé de Honorina. Ele nunca leu Freud, mas não precisava, sabia tudo de nascença.

  • Afinal, o buraco era mais embaixo

    Certas coisas são meio chatas de confessar, e eu não devia contar nada, mas o assunto não me sai da cabeça e, como sempre, se impõe despoticamente, o que significa que vou falar nele. E não posso mentir, não só porque mentir decerto está na moda, mas é feio, como porque, se mentisse, estaria escamoteando justamente o sentimento que agora me acompanha para todo lado. Fiz o possível para escrever sobre outras coisas, chega de reclamar do governo e dos governantes, é domingo, vamos mudar de assunto, vamos nos alienar um pouco, não é pecado tão grave assim. Eu não quero ser como o colega de serviço que chega para a rodada de cerveja da sexta à noite e a primeira coisa em que fala é na previsão de faturamento em dezembro.

  • O feriado de amanhã

    Já escrevi, aqui e em não sei mais lá em quantas publicações, a respeito do Sete de Janeiro, mas receio que bem poucos lembrem qualquer coisa da verdadeira data magna da independência brasileira. Meu avô, o coronel Ubaldo Osório, historiador, patriota e orador cívico, nunca se resignou com tal injustiça e quem o ouvia desdenhar do Sete de Setembro logo se contaminava com sua indignação. Amanhã, é claro, devia ser feriado nacional, pois é a data em que os itaparicanos expulsaram definitivamente o opressor lusitano e a ilha se tornou, no longínquo 1823, quiçá o primeiro solo realmente brasileiro. Bem sei que outras cidades, notadamente no recôncavo baiano, reivindicam a mesma glória, mas advirto aos que assim pensam, em qualquer parte do orbe terrestre, que o fantasma de meu avô, com o sobrolho cerrado e as bochechas panejando de cólera, virá assombrá-los, tão certo quanto o domingo vem depois do sábado.

  • Pequenas assombrações de verão

    No fim deste mês, como todo ano, deverei passar uns dias em Itaparica. A vida está parecendo cada vez mais que quer dar a apressadinha do fim, os amigos vão sumindo, dá saudades da infância, que os anos não trazem mais. No caso de Itaparica, não é impossível que a própria ilha suma, porque o nível do mar está subindo e todas as ilhas como ela desaparecerão. Num futuro bem remoto, quem sabe, talvez até questionem sobre se a ilha alguma vez existiu mesmo, como hoje fazemos com Atlântis. Entrarei na História, Deus permitindo, como um dos maiores mentirosos brasileiros de todos os tempos, inventor até de uma ilha e seus habitantes.

  • Só faltam uns retoques

    Na semana retrasada, já tive a oportunidade de observar penitentemente que vamos muito bem. Na semana passada, sedento de assuntos que servissem para um pau-mandado da conspiração da grande imprensa ou para um mercenário dos sórdidos interesses da Zelite ou qualquer dessas outras condições das quais de vez em quando me acusam, procurei avidamente de que falar mal e, suprema humilhação, não encontrei praticamente nada. Pelo contrário, a julgar pelas notícias que ouço e leio, pelos comerciais do governo e pelo que o presidente diz, acho que devo concluir que o famoso primeiro mundo está cada vez mais próximo e que, assim como quem não quer nada, praticamente chegamos lá e nem notamos.

  • Viroses da vida

    Há os maldosos que dizem que eu deveria sempre encerrar esta coluna com a frase 'desculpem qualquer coisa'. Assistir-lhes-á, talvez, razão, como essa mesóclise aí poderá corroborar. Mas começar com 'desculpem qualquer coisa' nunca me havia ocorrido até hoje, como está acontecendo agora. Bem verdade que posso gabar-me em mais uma vez ingressar na Galeria dos Heróis Desconhecidos do Jornalismo, informando que, no momento, me encontro acometido de crudelíssima virose e obrigado a violentar o corpo mole, a mente rateante e a vontade de cair na cama para não deixar de cumprir o dever profissional. Mas o leitor não tem nada com isso e, virose ou não virose, é seu direito encontrar no mesmo lugar a coluna que espera, nem que seja para amassá-la como todo domingo, ou novamente declarar no boteco que não vai perder tempo em ler porcaria. O dever do jornalista é multifacetado e até essas pequenas alegrias ele deve, quando pode, proporcionar sem ver a quem, em mundo tão eivado de tragédias e assombrações.

  • Alegrias da velhice

    Até ficar velho, operação antigamente simples e natural, resumível na venerável sentença “quem não morre fica velho”, está se tornando cada vez mais complicado, a ponto de, receio eu, causar algumas crises de identidade nesse cada vez mais vasto contingente da população. Acho que vou sugerir a criação, nas faculdades de Filosofia, de um curso de epistemologia da velhice, porque a confusão, pelo menos entre os menos ilustrados, como eu, aumenta a cada dia.

  • O mosquito é nosso

    Na semana passada, segundo queixas de alguns, escrevi com melancolia, ou mesmo amargor, sobre a velhice. Tudo pela busca do melhor para o freguês: fiz o sacrifício de reler o que escrevi, mas não achei nem melancolia nem amargor. Deve ser a idade. E, de qualquer forma, tenho visto manchetes animadoras, como esta que aqui repousa em minha mesa, embora já antiga para jornal. Informa, com letras às quais só faltam umas estrelinhas cintilantes para lhes realçar o brilho orgulhoso, que os governantes (espero estar usando um termo aceitável por eles; se não estiver, por favor mandem me dizer qual devo empregar, que mudo instantaneamente) do Complexo do Alemão, território carioca de jurisdição controvertida, permitiram a visita do governador Pezão e autorizaram a realização de obras públicas no local. Enquanto meus olhos certamente também brilhavam, li ainda que fizeram a gentileza de remover uma das barreiras destinadas a impedir o tráfego de veículos com cujos passageiros os ditos governantes mantenham divergências de natureza comercial.

  • As causas da dengue

    Aprendendo a viver mais perigosamente a cada dia, os residentes da cidade do Rio de Janeiro agora estudam com afinco táticas para evitar o contágio da dengue, não sem certa razão, porque o governo, o que lá seja isso aqui, por enquanto ainda não mostrou sua estonteante eficiência e ainda não promoveu uma reunião com os dirigentes do tráfico, cuja concordância, como se sabe, é necessária para tudo o que se faz na cidade. Na verdade, foi até comovente o ritmo impresso à criação de uma frente de emergência para o combate à doença. Criou-se a entidade numa semana e esperou-se o feriadão após a seguinte para estabelecê-la - emergência da braba mesmo. Vinte vezes a mortandade considerada inevitável pela Organização Mundial de Saúde, mas nós somos mesmo um país nascido para os recordes.

  • A guerra da dengue

    Com mais de mil notificações por dia, peço desculpas, mas a dengue continua a ser - e não só para quem mora no Rio - o assunto mais importante. É consternador ver nesta condição uma das maiores e mais belas cidades do mundo. Cada vez mais convivem nela, grotescamente, a era neolítica e a alta tecnologia, a civilização e a barbárie, a alegria e o medo, tudo com o denominador comum da mais completa insegurança e do quase completo desamparo. Dengue, uma doença considerada erradicada há décadas, marca eloqüente de degradação, descaso e atraso. Nada mais natural que os cariocas, assim como seus parentes que vivem em outras cidades, entrem em pânico gradualmente, vendo em si mesmos, seus vizinhos ou membros da família, que não se trata de onda da imprensa ou exploração política, mas da morte cujas formas mais agressivas atingem principalmente as crianças, transportada e entregue por um bichinho de asas que pode estar em qualquer parte. Morte mais de 20% acima do tolerado pela OMS.