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Artigos

  • Dana e Eliza

    Colega de ofício, Leandro Mazzini sempre estranhou a insistência com que lembro os ossos de Dana de Teffé. Não tenho bordões, mas o Leandro tem razão. Sempre que posso e mesmo quando não posso, atribuo as mazelas do Brasil ao fato de Dana ter sumido ou sido assassinada, mas até hoje, ela própria e seus ossos não foram encontrados.

  • A grande era do cupim

    Pouco antes de morrer, Antonio Callado foi entrevistado pela Folha, da qual era um dos mais conceituados colunistas. Foram declarações amargas de um profissional respeitado pela sua trajetória na imprensa e na literatura. Ao fazer a análise do seu tempo, Callado disse que faltava à sociedade brasileira, incluindo todos os seus setores - política, economia, justiça, mídia etc., uma "âncora moral".

  • Justiça é feita

    À margem dos comentários e do impacto causados pelas transmissões do STF no julgamento do mensalão, surgiu uma pequena e ociosa questão: valeu a pena o espetáculo em si, os debates, uma ou outra discussão mais violenta a respeito da culpa ou da inocência dos réus?

  • Solução à vista

    Estamos numa boa em termos institucionais. Com a briga entre o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados, parece que, desta vez, vamos àquilo que antigamente diziam ser as "vias de fato".

  • O mundo não vai acabar

    Durante algum tempo, trabalhando na "Manchete", fazia previsões para o primeiro número de cada ano. Já tinham inventado um tal de Allan Richard Way, um indiano que morava em Londres numa casa em estilo Tudor. Acrescentei ao personagem um detalhe esclarecedor: era o único vidente cego da história humana.

  • Ainda não vimos nada

    O ano começa com enchentes e apagões. Li, não sei onde, que os temporais que caem sobre nós, fluminenses e cariocas, são produzidos no oceano Pacífico, cujas águas muito quentes formam as nuvens que desabam em Friburgo, Teresópolis e região serrana em geral. Logo, a culpa não é nossa, pertencemos ao tal país abençoado por Deus e bonito por natureza.

  • Prece para um ano novo

    Depois do bife com batatas fritas, das pernas da Claudia Raia e da introdução de "No Tabuleiro da Baiana", do Ary Barroso, a maior criação de Deus foi o Diabo, o próprio, também conhecido como Demônio ou Satanás. E, segundo Guimarães Rosa, o Arrenegado, o Cão, o Sujo, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Tisnado, o Coxo, o Coisa-Ruim, o Marrafo, o Não-Sei-Que-Diga, o Rapaz, o Sem-Gracejos (apud "Grande Sertão: Veredas").

  • Chaplin e outros ensaios

    Quando se deseja uma leitura agradável, é sempre bom acompanhar o que escreve o ensaísta Carlos Heitor Cony, uma espécie de mago das letras, pois faz sucesso nos mais diversificados gêneros.  Para os apressados, bastaria acompanhar as suas crônicas na Folha de São Paulo, onde há muitos anos tem uma posição cativa.  Crítico irreverente, por vezes usa de um lirismo muito próprio, ao descrever por  exemplo  as belezas da  Lagoa Rodrigo de Freitas, bairro onde tem residência fixa.  Em segundo lugar, a Itália e seus mistérios, como as deliciosas histórias de Positano, cidade de que é frequentador assíduo.                                 Pois Cony não liga muito para a idade e continua a brindar o seu público com livros de primeiríssima qualidade.  É o que acaba de acontecer com o seu “Chaplin e outros ensaios”, da editora Topbooks.  Fez um traçado mais que perfeito do genial cineasta, desvendando intenções que passariam despercebidas aos menos atentos.  Com uma notável acuidade interpretativa, como assinala o acadêmico Antonio Carlos Secchin, Cony não se acanha de ficar à contracorrente do pensamento majoritário, ou seja, é um declarado cultor da independência.  Como Carlitos, entende que a estrada humana comporta muito pó, e quase nenhuma esperança.                                Em mais de 150 páginas do livro, mostra que Carlitos é a nossa luta.  Descobre, no exame  acurado da sua biografia, que Chaplin era meio-judeu, pois sua mãe Hannah provinha da coletividade israelita da Irlanda.  Aqui se estabelece uma discordância, pois filho de mãe judia é judeu ( e não meio).  Carlitos não é  comunista, mas um ser humano dotado de uma feroz individualidade.  Ao fazer “O grande ditador”, deixou clara a sua repulsa ao crescimento do nazismo.  Lutou com as armas de que dispunha.  Na hora da adversidade, sentiu-se judeu.                                 Para Carlitos, a recompensa se traduz sempre no pão e no amor.  Depois de brilhar em quase uma centena de filmes mudos, Chaplin saiu-se com esse pensamento: “O cinema é uma arte pictórica.  O som aniquila a grande beleza do silêncio.”  Era uma forte justificativa, mas que não perdurou.  Ele chegou a sonorizar alguns filmes, como “Tempos modernos” e “Luzes da cidade”, dois dos seus mais emocionantes clássicos, sempre deixando o vagabundo a um passo do ridículo e do sublime (como a sua paixão pela vendedora de flores que era cega).  Fez da mímica uma arte incomparável.                                  No citado livro de Cony, há outros ensaios também destacados.  Abordou o romance carioca, para se referir a Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida e Lima Barreto, nos quais se exprime a essência dos nascidos no Rio.  É claro que o maior destaque é para Machado, com o seu estilo em que não aparecem paisagens, cores, árvores ou mesmo o sol.  Ele compôs o mosaico do seu tempo, valorizando aspectos da psicologia dos seus personagens.  E assim se tornou também genial.                                   Pedindo “luz, mais luz”, Cony citou Goethe, como poderia ter falado no matemático escandinavo Abel, que morreu aos 26 anos de idade com o mesmo desejo.  Focalizou Guimarães Rosa (com o amor impossível por Diadorim), Teilhard de  Chardin, Victor Hugo, Mark Twain, Suetônio, Gorki... para  terminar em Nero, que morreu aos 31 anos de idade, depois de ser imperador de Roma por 14 anos.  A razão dessas escolhas é um segredo  muito bem guardado por Carlos Heitor Cony.

  • O pugilato de ideias

    O personagem mais simpático de Machado de Assis, na minha opinião, é Quincas Borba, não o homem, mas o cão que tem o mesmo nome do antigo dono. Justamente porque nada fala, mas pensa, e pensa muito. O espanhol que toma conta dele, quando está com raiva, chama-o de "perro del infierno", mas o cão nem dá bola para a ofensa. De tanto pensar sobre o mundo, Quincas Borba descobriu que a vida é "uma poeira de ideias".

  • O Supremo e o rapa

    A foto do Cachoeira numa praia da Bahia, ao lado da mulher de biquíni, irritou o país inteiro, que vem acompanhando os processos do mensalão e da Operação Monte Carlo. Muita gente chegou a acreditar que se abriu para o Brasil uma nova idade de ouro, à espera de um Ovídio que a cante com todo o esplendor. Apesar da eficiência e dignidade com que os dois escândalos foram julgados pelas autoridades comprometidas com o Estado de Direito, são remotas, para mim, a possibilidade do cumprimento das penas e multas. O próprio Joaquim Barbosa, elogiadíssimo por sua atuação no Supremo, não se sentiu obrigado a mandar prender um deles "até que todos os recursos e embargos sejam examinados". Daqui a um ano, não haverá um só dos condenados preso em regime fechado ou aberto. As multas pecuniárias estabelecidas esbarrarão na realidade patrimonial da maioria deles, um ou outro talvez pagará o que ficou devendo à Justiça pelo que consta, somente o Valério e o Cachoeira, podendo haver alguma surpresa a respeito dos demais. Em todo o caso, a cassação dos direitos políticos de todos, ou de quase todos, poderá representar um tipo de pena que pagariam pelos malfeitos contra a nação. E, no plano moral, mesmo sem apelar para a Lei da Ficha Limpa, a maioria dos condenados ficaria impedida de disputar cargos eletivos ou empregos públicos e teria dificuldade de se estabelecer em empresas privadas, sobrando apenas o mercado informal. No qual, aliás, teriam boa habilitação para trabalharem informalmente. Todos possuem excelente currículo e experiência no ramo. PS - Não estou sugerindo que venham acabar exercendo funções de camelô, quando teriam de enfrentar não mais o STF, mas o rapa da polícia.

  • Símbolos

    Para mim, o nome Lincoln designava um automóvel luxuoso, era o top da linha Ford, rivalizava com o Cadillac, da General Motors. Era também marca de cigarro, que durante anos fumei, cujo slogan era "De ponta a ponta o melhor". Nunca tive muita simpatia pelos grandes vultos da história, ao contrário de Shakespeare, que desprezava o homem comum, só se importando com personagens fora de série (no bem ou no mal). É justamente do homem comum que gosto e me divirto.

  • Rumo à eternidade

    A presença de Lêdo Ivo entre nós sempre foi alvoroçada. Quando chegava invariavelmente às sessões, não precisava ser anunciado. Sua voz tonitroava desde os elevadores.  Ativo e bem  disposto, até os 88  anos de idade, não parou de produzir um  só instante.  Para Carlos Heitor Cony, foi o melhor dos nossos sonetistas.                                             Ultimamente, fazia  viagens sucessivas. Eram preciosos contatos internacionais, de que muito se valeu a Academia Brasileira de Letras.  Como buscava a luz do alto da colina, como afirmou num dos seus textos, não foi surpresa achar suas obras em diversas e importantes bibliotecas do mundo, como pessoalmente encontramos o clássico “Ninho de cobras” na conceituada Academia Sueca.                                              Desde a infância, nas Alagoas, desejou ser poeta e escritor.  Acrescentou já no Rio a condição de combativo jornalista da “Tribuna da Imprensa” e da “Manchete”, onde vivemos muitos anos de proveitoso convívio.  Uma particularidade:  tinha especial vocação para dar títulos inteligentes e originais às matérias que lhes caíam nas mãos.  Sempre  foi muito  requisitado.                                            Orgulhava-se de ter nascido em Maceió: “Diante de mim estava sempre o mar, com as suas vagas sucessivas, os navios que convidavam à partida e à evasão... Desde cedo aprendi que a única verdade do homem é a verdade da sua imaginação, esteja ela guiando a mão de um escritor ou a ambição de um menino.”                                            Foi na capital alagoana que vibrou ao  sentar num bar ao lado de Rachel de Queiroz, com outros escritores clássicos, como José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge de Lima, este último o príncipe local dos poetas parnasianos, graças ao famoso soneto “O acendedor de lampiões” – para depois se render ao Modernismo e escrever o inolvidável “Essa nega fulô.”                                          Depois Lêdo estudou no Recife, onde encantou-se  com o Romantismo.  Chegou a Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, Verlaine, seguidos por Rilke e T.S.Eliot.  Foi a origem do seu interesse pela famosa geração de 45, que surgiu contrapondo-se ao Modernismo então vigente e que se caracterizava pelo seu formalismo e cerebralismo.  Assim se fortaleceu o escritor e poeta, dando vazão ao seu “tesouro pessoal”.  Não se tornou um poeta derramado, pois para ele escrever não é cortar palavras, é acreditar.                                          Pode-se afirmar que Lêdo Ivo foi um poeta para o qual  a criação não era um suplício, mas um prazer e uma felicidade.  Sua voz, empenhada na celebração do mundo e na reflexão sobre a condição humana, era primeiro ouvida em casa, na companhia da sua adorável Maria Lêda, minha colega de magistério na Cândido Mendes, e seus filhos não menos queridos.                                         Realizou uma ininterrupta viagem em torno de si mesmo e converteu a sua noite num amanhecer.  Foi assim que chegou a Sevilha, na Espanha, longe de imaginar que ali, em companhia da família, daria o seu adeus silencioso, rumo  à eternidade.

  • Um doze avos

    Em números redondos, já atravessamos um doze avos do ano que será o laboratório para a próxima sucessão presidencial. A classe política, com seus anexos na economia e nas instituições que dependem do poder, já está mergulhada na composição de um quadro do qual emergirão os candidatos que potencialmente disputarão o topo da pirâmide nacional.

  • Joel Silveira

    Emocionante o documentário de Geneton Moraes Neto exibido pelo canal Globo News no último sábado, sobre Joel Silveira, apresentado como o "maior repórter brasileiro". Pessoalmente, duvido sempre de expressões como "o maior" isso ou aquilo. O próprio Joel considerava João do Rio como o maior repórter, e eu sempre discordei dessa escolha. Conheço uns cinco que foram melhores do que ele, o Joel inclusive.

  • 'Vamos brincar separados'

    "Este ano, tá combinado, nós vamos brincar separados." A marchinha parece coisa do Zé Kéti, não tenho certeza, fez sucesso num ano qualquer dos Carnavais do passado. Prevendo um acidente de percurso, há uma advertência: "Se acaso o meu bloco encontrar o seu, não tem problema, ninguém morreu".