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Ainda não vimos nada

 

O ano começa com enchentes e apagões. Li, não sei onde, que os temporais que caem sobre nós, fluminenses e cariocas, são produzidos no oceano Pacífico, cujas águas muito quentes formam as nuvens que desabam em Friburgo, Teresópolis e região serrana em geral. Logo, a culpa não é nossa, pertencemos ao tal país abençoado por Deus e bonito por natureza.

Por falar em Deus, quando criou o mundo, Ele chamou os anjos para mostrar sua obra. Houve protestos: a corte celestial estranhou a preferência divina pelo Brasil, verdes matas, cascatas mil, praias paradisíacas, chão atapetado de ouro e diamantes. O Senhor se desculpou: "Esperem, esperem, vocês vão ver os homens que vou botar aqui!".

Há também, no mesmo sentido, a história daquele tenor que foi cantar uma ópera no Municipal. Apesar de famoso, consagrado no Scala, de Milão, no Metropolitan, de Nova York, no Covent Garden, de Londres, quando abriu as goelas e enfrentou o "Nessun Dorma", do "Turandot", obra-prima de Puccini que levanta plateias em todo o mundo, recebeu uma vaia que mereceu dos críticos o adjetivo "estrepitosa".

Apesar da vaia estrepitosa e de algumas dúzias de ovos e tomates que recebeu do público (que estava mal informado), o tenor aproveitou uma pausa na melodia, justo quando ia proclamar três vezes que venceria o desafio da princesa. Parou de repente, encarou a plateia e avisou: "Esperem! Esperem! Vocês ainda não viram nada. Esperem pelo barítono!".

É por aí mesmo. Estamos no início do início do ano, ainda não vimos nada. Não nos precipitemos. Deus cumpriu a promessa que fez aos anjos e aqui botou os homens que conhecemos. Quanto ao barítono que vai suceder ao tenor, ficou fanho, ainda está no camarim fazendo gargarejos com sal e água morna.

Folha de S. Paulo (RJ), 6/1/2013