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Artigos

  • O culpado é ele mesmo

    Relutei em tocar nesse assunto, não só porque já se escreveu muito sobre ele, como porque, ao abordá-lo, passo a integrar a “glória” póstuma com que sempre contam criminosos como o autor da recente matança de escolares no Rio de Janeiro. Desprezados, ofendidos, marginalizados, humilhados, ignorados, esses assassinos sabem, porque se espelham em precedentes, que, depois de sua morte, serão finalmente vistos e comentados e sua foto será estampada por jornais, revistas e cadeias de televisão. Como vários deles, inclusive o do Rio, referem-se ou são ligados a alguma crença religiosa, é possível que acreditem na imortalidade da alma e tenham certeza de que, despidos do seu invólucro corporal, virão a assistir à sua transformação em celebridades.

  • Somos todos comida

    Depois da notícia de que, ao fim de prolongado debate jurídico, foi negado por um tribunal o habeas corpus impetrado em favor de um chimpanzé enjaulado em solidão no Zoológico de Niterói, vieram ao conhecimento público outras providências judiciais em nome de animais, pelo Brasil afora. Isso está ficando interessante. Antigamente, era fácil dizer que os animais não tinham direito nenhum, pois não são sujeitos de direito, não são pessoas, não podem acionar o poder judiciário, da mesma forma que não têm deveres, nem podem ser interpelados pela justiça. Direitos e deveres são província exclusiva do ser humano e, embora isso não soe bem, um cachorro, por exemplo, não tem o direito de não ser maltratado. O homem é que tem o direito de estabelecer em lei que maltratar um animal é criminoso e de protestar e intervir, quando a lei for descumprida.

  • O romancista e o restaurante

    Viajando, vou parar num restaurante sozinho, na hora do almoço. Preferia ter companhia, mas não quis incomodar os amigos, que precisariam sair de seus cuidados, se quisessem ver-me. Além disso, na minha profissão, há um aspecto positivo em almoçar sozinho. Não sei se com outros romancistas, ou ficcionistas em geral, acontece a mesma coisa, mas comigo é incoercível e tampouco sei se tenho esse hábito por ser romancista ou se sou romancista porque tenho esse hábito.

  • A era do bedelho universal

    Ou muito me equivoco, ou nunca passamos por um período tão rico em normas e prescrições quanto o presente. Acho que deveria até silenciar sobre o que, segundo li num jornal, vigora na Suécia, porque, para tudo quanto é novidade adotada na Suécia (menos a ausência de mordomias oficiais, pois quanto a isto preferimos nosso atraso mesmo), aparece logo um alegre querendo implantá-la aqui. Refiro-me ao fato de que lá, de acordo com o jornal, o homem que fizer sexo sem camisinha é considerado réu de estupro. Não lembro se isso ocorre mesmo quando a parceira concorda ou se os casados têm de obter um alvará especial, mas essa história de Suécia pega muito nos progressistas nacionais, de maneira que deve ser bom negócio começar a comprar ações de fabricantes de camisinhas.

  • Observações de um usuário

    A língua inglesa nunca teve academias para formular gramáticas oficiais e certamente seria afogado no Tâmisa ou no Hudson o primeiro que se atrevesse a tentar impor normas de linguagem estabelecidas pelo governo. Sua ortografia, que rejeita acentos e outros sinais diacríticos, é um caos tão medonho que Bernard Shaw deixou um legado para quem a simplificasse e lhe emprestasse alguma lógica apreensível racionalmente, legado esse que nunca foi reclamado por ninguém e certamente nunca será, apesar de algumas tentativas patéticas aqui e ali. Ingleses e americanos dispõem de excelentes manuais do uso da língua, baseados na escrita dos bons escritores e jornalistas – e, quando um americano quer esclarecer alguma dúvida gramatical ou de estilo, usa os manuais de redação de seus melhores jornais.

  • Creio que nem Antônio encara

    Estive pensando sobre o dia de hoje e a ingratidão humana me veio logo à mente. Com exceção de alguns poucos devotos e devotas (não estranhem que eu agora viva diferençando os gêneros, desta forma antes inusitada; é que também desejo, queridas leitoras e queridos leitores, ascender à norma culta de Brasília; e por isso mesmo também observo que, para se estar na boa prática do bem falar atual, hoje devia ser Dia dos Namorados e das Namoradas), ninguém lembra a grande figura por trás da instituição do Dia dos Namorados. Nós, brasileiros e brasileiras, somos muito ingratos.

  • Prossegue a reforma

    Procurando num calendário eletrônico este domingo, dia 19 de junho, me bati por engano com o 19 de julho e a informação de que é o Dia Nacional do Futebol, como se aqui os outros dias do ano também não fossem do futebol. O legislador que o instituiu devia estar pensando em criar um feriado ou, unindo a diversão aos negócios, obter verbas e cargos para uma Comissão dos Festejos do Dia Nacional do Futebol, participar com a família de viagens de trabalho à sede da Fifa na Europa, manter talvez algumas ONGs e diversas bocas-livres às custas do erário e, enfim, perseguir os objetivos com que se costuma legislar entre nós. A experiência induz a crer que alguém pegou, pega e pegará alguma grana com o Dia Nacional do Futebol, é isso mesmo, faz parte da nossa afamada realidade. Não é hoje, é daqui a um mês, mas não pude resistir ao comentário, que não vou poder fazer no dia exato.

  • Desonestidade é cultura

    Sempre se tem cuidado com generalizações, para não atingir os que não se enquadram nelas. Às vezes o sujeito odeia indiscriminadamente toda uma categoria, mas, ao falar nela e, principalmente, ao escrever, abre lugar para as exceções, os “não-são-todos” e ressalvas hipócritas sortidas. Outros recorrem a gracinhas, como na frase do antigamente famoso escritor Pitigrilli, segundo a qual “as únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor”. No caso presente, decidi que as generalizações feitas hoje excluem todos os leitores, a não ser, evidentemente, os que desejem incluir-se – longe de mim contribuir para aumentar nossa tão falada legião de excluídos.

  • Vida de escritor

    Com mais de 50 anos de escrevinhação nas costas, descobri algumas ideias que muita gente faz da vida de um escritor. Por exemplo, tem quem ache que os escritores, notadamente entre eles mesmos, só falam difícil, uma proparoxítona para abrir, uma mesóclise para dar classe e um tetrassílabo para arrematar. "Em teu parecer, meu impertérrito amigo", perguntaria eu ao Rubem Fonseca, durante nosso almoço periódico, "abater-se-á hoje, sobre a nossa urbe, uma formidanda intempérie?" Ao que o Zé Rubem reagiria com uma anástrofe, um mais-que-perfeito fazendo às vezes do imperfeito do subjuntivo e uma aliteração final show de bola, coisa de craque mesmo. "Augure do tempo fora eu, pressagiá-lo-ia libentissimamente", responderia ele. "Todavia, de tal não me trato." E assim iríamos almoço afora, discutindo elevadíssimos assuntos, em linguagem só compreensível por indivíduos especiais.

  • Deve ser tudo para nosso bem

    As notícias voam por todos os lados e, como é natural, em torno delas adejam boatos, interpretações e ações, estas às vezes bastante inesperadas, ou pelo menos surpreendentes. Obtive entrevista exclusiva com Zecamunista, na qual surgiram diversas revelações que talvez não tenham chegado a vocês. Zeca só sai da ilha para suas turnês de alto carteado, mas é muito bem informado e tem acesso a fontes reservadíssimas. Achei-o no bar de Espanha, encerrando uma pequena alocução sobre o tema "vergonha na cara".

  • Estão querendo enganar quem?

    Li em algum jornal que a Fifa, essa organização da qual volta e meia se evola um odorzinho de mutreta, que lida com cachoeiras de dinheiro, cujas decisões são às vezes vistas como fruto de processos viciados e que, enfim, não é nenhuma casa pia, ameaçou fazer a Copa de 14 na Espanha, se as obras aqui não forem apressadas – ou até mesmo iniciadas, como dizem que é o caso de muitas. Por artes do caprichoso destino, isso pode interessar à Espanha, que tem estrutura e está pendurada. Pode interessar a toda a Europa, aliás, devido ao reflexo dos problemas espanhóis na economia do euro. E talvez o Brasil nem conseguisse ir aos jogos, porque os espanhóis poderiam aparelhar os aeroportos para otimizar sua já tradicional deportação de brasileiros.

  • A corrupção democrática

    Recém-chegado de uma turnê de carteado em que tomou o dinheiro todo de uns magnatas de Nazaré das Farinhas, Zecamunista não estava sendo esperado no bar de Espanha naquela hora. Mas, novamente consagrado pela glória do pano verde e de excelente humor, resolveu aparecer, para mandar baixar umas cervejas por sua conta e se inteirar das novidades. Qual era o tema em pauta?

  • Vida arriscada

    De vez em quando sai uma matéria mostrando como, entre as profissões mais perigosas, está a de jornalista. No meu caso, acho que apenas enfrentei uns periguetes de quinta categoria, que não dão para adornar nem uma notinha biográfica e fazem parte do ramerrão de qualquer um que haja trabalhado em redações antes do computador. (Outro dia, visitei uma redação toda eletrônica, quieta, silenciosa e álgida e senti bem na carne o que é viver duas eras distintas. Diante das velhas redações de máquinas mecânicas, fumaça e berreiro, as de hoje são CTI”s – e de fato essa que vi me lembrou a ambiência de um CTI. É a idade mesmo, mas tenho saudades de minhas velhas redações e o teclado de meu computador faz todos os barulhinhos das antigas máquinas mecânicas, me rejuvenesce.) De qualquer forma, no meu tempo de foca, o pessoal falava muito em jornalistas do interior que haviam sido obrigados a comer a página de seu jornal que continha uma opinião considerada descortês, pelo coronel da área. Na capital, a gente fazia cara séria, quando os colegas do interior vinham relatar seus dramas, dávamos abraços de solidariedade e denunciávamos o abuso.