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Artigos

  • A natureza cuida?

    O Estado de S. Paulo, em 05/06/2022

    Aquele cachorro branco, mais do que isso, alvo como a neve, é lindo e doce, a não ser que o 'chamado da selva' se faça ouvir e ele se transforma. Eu tinha 18 anos quando me encantei com os livros de Jack London e com a biografia aventureira do autor. Um que li e reli foi O Chamado Selvagem, sobre um cachorro selvagem que é domesticado, mas a certa altura abandona a civilização e volta à sua origem, dominado pelo instinto, devolvido à sua ferocidade. Assim como certos políticos brasileiros voltam à selva.

  • Duas noites espantosas

    O Estado de S. Paulo, em 22/05/2022

    Não fosse a crônica de Sérgio Augusto, eu passaria batido por uma noite histórica. A da estreia em São Paulo de Deus e o Diabo na Terrado Sol, em 1964, antes do golpe. Foi no Cine Windsor, na esquina da Avenida Ipiranga com a Rua do Boticário. Na época, uma das salas de luxo do centro. Hoje, nem sei se aberto, depois de total decadência e muitos pornôs.

  • A morte o que é?

    O Estado de S. Paulo , em 01/05/2022

    Para quem prega programação para tudo, a vida desmente. Tudo determinado, muda-se em um instante. Um mês atrás tive um encontro com Marco, pri-mo-irmão, mais irmão que primo, ele parecia ter vencido um câncer. Ao sair, combinamos nos revermos logo. Dez dias atrás estávamos com tudo pronto para irmos a Minas, queríamos o silêncio e o verde. íamos descer para o carro, veio a notícia, Marco tinha morrido.

  • Os que estão indo

    O Estado de S. Paulo , em 17/04/2022

    Segmento de meu romance Deus, Diga Logo o Que Quer!, que segue na linha do filme de Tais Araújo e Lázaro Ramos e que acabei de entregar à editora: 'Venha Neluce, corra ou vai perder. Venha logo! Está acabando. Não disse, meu amor, eles se foram. Os últimos negros do país. Para onde estão indo? Lembra-se como o Desatinado (seu nome é impronun-ciável) reclamava? 'Não há como enterrar brancos, imaginem esses estranhos.' Ele quer uma nação de brancos, loiros e ruivos, de olhos azuis, saudáveis, bem armados. 'Como um miserável vai segurar o fuzil? O coice acaba com ele!', grita do seu cercadinho. Passaram por aqui aos milhares, não sei para onde vão. Gostam de dançar, beber cachaça, sambar. Trabalhar? Nada. Neluce. Você precisa sair desse quarto, meu amor. A vida acabou para você? Não tem interesse em nada? Onde está a minha Neluce?

  • Resistiremos, somos imortais

    O Estado de S. Paulo, em 03/04/2022

    Nesta vida já vi bastante. E nem queiram saber o quanto ouvi. Não tanto quanto gostaria de ouvir, ver  e viver, mas aí teria de ser alguém excepcional. Não sou. Mesmo assim vivi na semana passada, um momento de emoção. A posse de Fernanda Montenegro na Academia Brasileira de Letras. Resistência, simbolismo. Vi da primeira fila. Quando entrei descobri  que ao lado de Rosiska Darcy, havia um lugar vago, sentei-me e fiquei olhando direto para Fernanda,  majestosa. 

  • Não reclamo, entristeço - Parte 2

    Estadão Online, em 20/03/2022

    Nesta Rua João Moura havia um referencial, a Casa do Choro, famosa, lotada, grandes nomes da MPB passavam por ali. De repente, não existiu mais. Não tenho certeza se o lugar se transformou na agência dos Correios ou se o sucessor foi o Soweto, exclusivo dos negros, onde ia quem queria dançar e ouvir boa música. Fechou há muito, as fundações de um novo prédio brotam. Algumas lojinhas de antiguidades, muitas árvores, muitas frutas nos quintais dos sobradinhos. Em um deles, eu me encontrava com uma namorada, Lu Franco, redatora de publicidade que me deu o título - que Jabor adorava e invejava - do meu romance O Beijo Não Vem da Boca.

  • Passeando pela memória - 1

    Estadão Online, em 06/03/2022

    Quando chegamos à Rua João Moura, há 30 anos, respiramos e dissemos: é aqui. Lugar calmo, a passagem de quem vinha do lado de lá da Rebouças estava fechada, o trânsito era mínimo. Paisagem quase bucólica, ar de interior. Do lado esquerdo de quem vai em direção à Teodoro Sampaio, era um corredor de sobrados bucólicos e coloridos, quintais superarborizados, frutíferos. 

  • Ainda existe solidariedade

    O Estado de S. Paulo, em 20/02/2022

    Há duas semanas, minha mulher e uma amiga chegavam de carro em Cangalha, Minas Gerais, para passar uns dias em meio à natureza. Como as chuvas solapavam a estrada de terra que dá acesso à nossa casa, Marcia, na hora de enfrentar uma ladeira, onde todos atolam, o que viu?

  • Com Vera Fischer e Grace Jones

    O Estado de S. Paulo, em 06/02/2022

    No final do espetáculo São Paulo, no Teatro Unimed (não percam), Regina Braga dá um grito: Eu sou São Paulo. Parte da plateia fez eco: Eu sou São Paulo. Vivi 21 anos em Araraquara e 64 em São Paulo. Sou paulistano, ainda que seja araraquarense. Digo mais, há uma terceira cidade à qual pertenço, Berlim. A gente pertence aos lugares onde é ou foi feliz.

  • O javaporco

    O Estado de S. Paulo, em 23/01/2022

    Semana passada, em um país da América Latina, fi-quei impressionado com o javaporco, nas conversas com um amigo. Ele é plantador de oliveiras, milho, mandioca, abacates, cerejas, verduras, frutas, tudo com paixão. No entanto, mostrava-se intranquilo com pesada ameaça que vem crescendo e preocupa agricultores, a disseminação dos javapor-cos. 

  • Meu blazer e um tal Boric

    O Estado de S. Paulo, em 09/01/2022

    Não sei quantos perderam casacos, blazers, paletós ao longo da vida. Quanto a mim, devo ser recordista em perdê-los. Não sei se tem significado. Esquecimento, distração, fagulhas de que a nossa mente se desmorona? Há quem interprete tudo, gestos, palavras. Aos oito anos, um parente me deu uma capa de chuva marrom, de segunda mão. Fiquei fissurado. Tia Maria, costureira, transformou-a em um mantô. Meu bem mais precioso. Certa noite, fomos à quermesse da igreja de Santa Cruz, minha mãe era cozinheira em uma das barracas, que tinha frangos, quitutes, quentão... Dez da noite, meu avô Vital foi nos buscar, mamãe nos preparou dois cachorros-quentes e Luiz, meu irmão, e eu voltamos para casa a pé. Cheguei em casa, dei conta, com tristeza, que tinha esquecido meu mantô na barraca. Voltar? Vovô, já velho, disse não, que eu aprendesse a zelar pelas minhas coisas. Rezei esperando que minha mãe percebesse. Não percebeu.

  • Feliz final dos tempos

    O Estado de S. Paulo , em 26/12/2021

    Todos escrevem textos para levantar o astral no fim de ano. Tentei, travei. Chavões, clichês, um Natal cheio de alegrias, amor, solidariedade, mundo novo, nova vida, tempo de esperança? Qual é? Com o que está aí? E com ELE lá! Escrevia, deletava tudo soava falso. Como provocar alento?

  • Mila, sei, fiquei devendo

    O Estado de S. Paulo, em 12/12/2021

    Noite de março de 2010. Na posse de Maria Adelaide Amaral na Academia Paulista de Letras, vi aquela mulher deslumbrante em pé, lá atrás. Corri e abracei Mila Moreira, que me cobrou: 'Quando vai escrever minha história, me conhece tanto. Quantas vezes falamos sobre isso?'. Foi a última vez que nos vimos. Continuava a mesma mulher magra, alta, bonita, sensual: 'Acho que tenho bastante coisa do mundo da moda e da televisão. Ainda me lembro quando à tarde eu ia ao jornal, você estava escrevendo, eu ficava olhando, perguntando, achava incrível ser jornalista. Eu te dizia: ainda vou ser muita coisa. Veja só, eu tinha 15 anos'. Lembrei, anos 1960, ela era pura malícia, riso.

     

  • A descoberta do caju

    Folha de S. Paulo, em 28/11/2021

    Quando cheguei ao Santo Orégano, na Praia do Riacho Doce, em Maceió, vi que o “velho” Prata, como seu filho Antonio o designa, apesar de ele ter dez anos menos do que eu, veio com um sorriso e uma fruta na mão. Prata ou Pratinha, fizemos carreiras paralelas, invejei quando ele se tornou telenovelista. Cronistas somos. Em um momento namoramos a mesma mulher. Coisas passadas.

  • Partir é nosso destino

    Folha de S. Paulo, em 14/11/2021

    Em março de 1982, desci em Berlim para um dos períodos mais estimulantes e felizes de minha vida. Fui convidado pelo Daad, Serviço Alemão de Intercâmbio Cultural, era um dia escuro, o inverno terminava. “Estou aqui sozinho, nada sei deste lugar, tenho de aprender tudo. É como renascer.” 

    Estava com 46 anos, tinha deixado uma ex-mulher e dois filhos para trás, Daniel e André. O funcionário do Daad levou-me a um apartamento que um físico alugara à instituição, enquanto trabalhava na Suíça. Fiquei horas, meio catatônico, lendo lombadas de livros de física e matemática em alemão, até que a campainha soou, entrou Victor Klagsbrunn, economista brasileiro, exilado, que me pôs no carro e me levou à casa dele.