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A descoberta do caju

 

Não via plateia há ano e meio. Agora, terceira vacina tomada, estou pronto para tirar o atraso

Para Edna e Tom Torres, 

irmãos e anfitriões

 

Quando cheguei ao Santo Orégano, na Praia do Riacho Doce, em Maceió, vi que o “velho” Prata, como seu filho Antonio o designa, apesar de ele ter dez anos menos do que eu, veio com um sorriso e uma fruta na mão. Prata ou Pratinha, fizemos carreiras paralelas, invejei quando ele se tornou telenovelista. Cronistas somos. Em um momento namoramos a mesma mulher. Coisas passadas. 

– Veja só, maravilha. Um caju. Conhece?

– Pratinha, quem não conhece um caju? Ainda mais você sendo de Lins e eu de Araraquara. Tinha cajueiro no meu quintal.

– Os de Araraquara são assim, lá tem tudo. Caju como este? Perfumado, sensual? 

– Pratinha, cajus são vendidos nos cruzamentos em São Paulo. 

Então percebi que meu amigo de 50 anos estava extasiado. Por que destruir aquele deslumbramento? Há coisas que descobrimos tardiamente. Pior seria não descobri-las. Vi o mar aos 23 anos, em Santos. Meu tio José tinha 50 ao ver a praia, ficou tão feliz que entrou no mar de sapatos e terno, cheio de júbilo. Naquele bar alagoano, naquela noite, o cajueiro estendia seus galhos sobre nossa mesa, ali tínhamos sido levados pelos professores Tázio (como em Morte em Veneza) e Susana, a mulher dele, professora que fez correta mediação na minha conversa presencial no Teatro Deodoro. Como é bom ver de novo as pessoas à nossa frente, perguntando, rindo, murmurando.

Fazia ano e meio que eu não enfrentava público. Levado pelos Diálogos Contemporâneos, realizados pela Associação e Secretaria de Cultura e Economia Criativa de Brasília junto aos Amigos do Cinema e da Cultura – há quem resiste –, passei por Brasília, Goiânia, Curitiba (ciceroneado por Aurea, filha de Leminski, poesia e privilégio) e enfim Porto Alegre, onde revi Luis Fernando Verissimo, em plena recuperação. Até riu. Não via plateia há ano e meio. Agora, terceira vacina tomada, estou pronto para tirar o atraso. Pedi camarão refogado com cebola, hortelã e Cointreau, arroz branco e legumes salteados e a conversa rolou. Alunos tinham nos acompanhado. Foi um gostoso encerramento para o ciclo. Mais tarde, já na Pousada Flor de Lis, Prata e eu comentamos: aqueles alunos devem ter se decepcionado, ao nos ouvir. Esperavam que falássemos de processo de criação, indicássemos livros, contássemos os próximos romances. Mal sabem que coisa que nos dá sono é um colega contar o que está escrevendo, dando detalhes e esperando que a gente diga: genial. Quanto ao caju, a última vez que vi estava na mão do Prata entrando no quarto. 

Folha de S. Paulo, 28/11/2021