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Passeando pela memória - 1

 

Hoje, quando alguém me cumprimenta, acho estranho, de onde vem esse sujeito educado?

Quando chegamos à Rua João Moura, há 30 anos, respiramos e dissemos: é aqui. Lugar calmo, a passagem de quem vinha do lado de lá da Rebouças estava fechada, o trânsito era mínimo. Paisagem quase bucólica, ar de interior. Do lado esquerdo de quem vai em direção à Teodoro Sampaio, era um corredor de sobrados bucólicos e coloridos, quintais superarborizados, frutíferos. Havia duas vilazinhas. Uma delas, à nossa frente, exibia uma nascente. Do lado de cá, vizinho ao nosso prédio, que tem certa história, havia a chacrinha do “seu” Chico, homem que todos cumprimentava: bom dia, bom dia. Repetia para reforçar. Hoje, quando alguém me cumprimenta, acho estranho, de onde vem esse sujeito educado? As pessoas perderam o hábito do cumprimento, do por favor, do muito obrigado, e outras, do bem conviver. Dia desses, eu estava atrás de um jovem entrando ao banco, ele largou a porta na minha cara, agradeci com ironia. Ele: “Se queria entrar, por que não correu?”.

Entre as muitas árvores do pomar do seu Chico, havia imensa jabuticabeira-sabará. Era chegar a estação e ele percorria a vizinhança com baciadas daquele fruto negro, imenso, doce, cada vez mais raro. Nesta rua existia um sapateiro, o Pepe, que trocava solas, engraxava, estava aqui havia 30 anos. Tinha uma quadra de futebol society. Um dia a chinesa Claudia chegou, alugou um espaço e transformou em mercadinho. Ela não falava uma palavra em português, não sabia o que desejávamos, mandava que procurássemos e trouxéssemos para o caixa. Meses depois, adorada por todos, falava português, brigava com o marido em chinês e o negócio cresceu, cresceu. Ali, comprávamos com caderneta, coisa que não via desde minha infância. 

Havia na rua um açougue, uma adega, a Toque de Vinho, pioneira ao estabelecer hábito do vinho no bairro. Havia a churrascaria do Macedo, zagueiro do Corinthians, depois foi forró do Dominguinhos, doce figura a quem Debbie Osborn dedicou lindo documentário. Por aqui, havia músicos como os Tati, cineastas como o Jabor, celebridades jornalísticas como o Sardenberg, da Globo, catedráticos da USP como Jorge Schwarcz, especialista em Borges. Havia o Gênova, das melhores massas da cidade, o Arturito, da Carosella, o Vianna, bar francês aqui encravado, com uma espetacular Margarita. Sem esquecer o Finnegan’s, point dos joycianos, o do Ulysses, o livro mais famoso do mundo. Não, nunca li, mas tenho em duas traduções, me falta a última, do Galindo, mas o preço é salgado. Finalmente, há na ponta da esquina a CPL, uma instituição, sobre a qual fiz mais de dez divertidas crônicas. Aqui está o limite de Vila Madalena. (Continua)

Estadão Online, 06/03/2022