O DIA NA PALAVRA
A Poesia Contemporânea ama o futuro. Porque é sua terra e verdadeira herança.
E a agudeza de consciência ou modernidade nos acena para o tempo presente, sem esquecer o tempo passado e projetando-se ao futuro. Que “a Poesia é a palavra no tempo”, assinala Antonio Machado. Mas a Poesia é também a palavra na eternidade e a eternidade brotando na metáfora.
Os dias humanos sabem de sua carga, e o coração do homem conhece as agruras da morte. Mas o espírito que marca a palavra, porque é fundador do universo, perscruta os mistérios de Deus e sabe que somos seres de história e permanência.
“No princípio era a palavra e esta pairava sobre as águas. E se movia sobre a face do abismo”.
Hoje se move na boca do futuro, como a esperança de que tudo pode ser dito e que a palavra pressente a ressurreição.
E me vejo adolescente, em Porto Alegre, diante dos livros inquisitivos na biblioteca múltipla, que meu pai ordenara, na Rua Corte Real de tantos ventos – conhecidos todos, andarilhos.
E os livros cresciam na casa amarela, de persianas verdes, que o remoinho dos anos demoliu, mas que os meus olhos guardam, porque a retina é a memória que acordou.
E as letras que se abriam em círculo e se fechavam, enigmáticas. As gravuras do Tesouro da Juventude, O Mundo Pitoresco, as de Gustave Doré nos poemas da Divina Comédia, os romances de Alencar, Machado de Assis, Júlio Verne e as poderosas imaginações de Alexandre Dumas, as outras, as verdadeiras, de Rimbaud (que, mais tarde, descobri e me descobriram), os dramas de Shakespeare, os poetas gregos, Virgílio (Eneias foi meu companheiro insone; amei Dido – um dia); vaguei nas viagens com Homero e assisti, embevecido e imberbe, ao Cavalo de Troia e os guerreiros no seu bojo, expectantes e ávidos. Era o tempo, Helena ou a Guerra de Troia?
A palavra avulta e cogita, cria e mata. Ajuda a viver, consola e admoesta. E registra as palpitações de um povo, exaltado ou submerso. É república, sonho geral, libertas quae sera tamen, liberdade do vento que sopra e não se prende; não se prende jamais o futuro, que a palavra desvenda. “O futuro está escrito no presente” – dizia Robert Desnos, poeta morto pela Gestapo em Terezin. “Basta ter alguma lucidez para compreender que estamos rodeados de sinais e advertências”.
E é toda a clarividência do coração do homem que a palavra esposa. E da terra que nos deu à luz. E do Deus vivo que nos acompanha, porque opera outro tempo. E será a Poesia a voz dos anjos. E o seu silêncio, quando veremos Deus.
Venho do pampa, o universo. Venho das nascentes do Rio Grande para a palavra. Venho de uma gente infatigável, com Jesualdo Monte, Miguel Pampa, Miguel Poente, Francisco Tesser – o vereador de pássaros, os viventes, os peões do campo e os viandantes das cidades, os anônimos de Árvore do Mundo e Somos Poucos, os executados e os libertos. Os que não podem e querem falar, os que falarão sempre na minha voz, os personae poemas, os coletivos entes.
Venho deles e com eles, não terminarei enquanto respirarem. Venho com os poetas mais velhos, novos, sem idade – da minha terra.
Porque a terra é indivisível na palavra e universal como as árvores ou o mar. Não nos calaremos.
Pertenço a uma circunstância de tempo e geração. Nelly Novaes Coelho, em magistral estudo, pioneiro, a denominou “Geração de 60”. E a ela pertence um crítico da estirpe de José Guilherme Merquior, com assento nesta Casa, ou poetas, cujos nomes o dia há de clarear. Buscam uma nova épica, a dos guerreiros anônimos do cotidiano, que são Ulisses, Heitor, Aquiles. E ao suportarem os cataclismos da fome, do medo, da opressão social e econômica, são sobreviventes de um mundo mecânico, apocalíptico. Vivem e viveram sem saber quem eram, entre perigos e fadigas. Há força imperiosa neles e as cidades se tecem nômades, de suas sombras.
Habitantes do pampa e destes Brasis, tão unidos e tão separados entre si, com tanta riqueza e obstinada miséria. E a confiança na linguagem – tradição e ruptura – de Ezra Pound a T.S. Eliot, de Camões ou Dante a Jorge de Lima, Cassiano Ricardo ou Drummond. Que o tempo no tempo se transforma.
E a consciência da palavra é ir mudando; o julgar é o mudar; ser é transpor.
Não aceitamos a mera contemplação. A mudança é a palavra. O ato de remover a pedra que Drummond, admiravelmente, visionou. E ver através dessa pedra levantada na luz da eternidade. Ver com ela e dentro de “um novo céu e uma nova terra, sem lembrança das coisas passadas”, como previu Isaías.
A palavra pode elevar-se na luz e demorar-se em fulgor incandescente. Enfrentar o destino e mudar a sorte ou as coisas. Creio, sim, creio nesse mistério.
E é a visão épica que caracteriza uma porção do Rio Grande, onde a planície se torna infinita e o gaúcho se habilita, de horizonte a horizonte, ao diálogo maduro e diuturno com a imensidão. E o latifúndio. Existem “os estratos humanos, diferentes e peculiarizados, dotados de matéria épica”, de que fala Alejo Carpentier, em A Literatura do Maravilhoso, que apresentam nuanças anímicas, psicológicas, de ação coletiva, distintas de outros blocos humanos, conterrâneos.
Vige “a ação grandiosa e pública”. Ali, “o épico terrível ou épico belíssimo é coisa cotidiana”.
Mas outro elemento se introduziu, pela distribuição injusta da riqueza, a pobreza gradativa e pungente, alargando a capacidade sofredora deste herói anônimo do tempo, o povo.
E épico é o fluxo da criação de Alcides Maya e a perspectiva histórica de Vianna Moog, acostumados, ambos, com o horizonte, personagem e acontecimento. Eis a empreitada, onde o cosmos se entreabre, como um favo, entre as galáxias e a vida dos homens. Mas o tempo se torna conquista da lembrança.
Alcides Maya afirma o mito do gaúcho, confluindo ao passado, numa ficção de cunho épico e legendário – mais ficcionista que ensaísta. E Vianna Moog, mais ensaísta que romancista, embora reunindo-os em si, coerentes, busca na história primordial deste País, com a amplitude do estadista, as origens e características do homo brasiliensis, em Bandeirantes e Pioneiros, que o põe, pela importância, ao lado de um Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, e de Os Sertões, de Euclides da Cunha.
E, aqui, nesta Casa, nos congregamos: eles, o patronímico Basílio da Gama, da Cadeira 4, que, com O Uraguai, nos meados do século XIII, demarca, epicamente, nossa emancipação literária, e Aluísio Azevedo.
E foi o próprio Alcides Maya que analisou a obra do criador de O Mulato e O Cortiço, no discurso de recepção na Academia, em 1926: “À sua afeição, um regionalista, apesar de desviado pelo Naturalismo do rumo que devera ter seguido. Processos de composição literária não mudam a alma de quem os emprega”, acentuou o ficcionista de Ruínas Vivas. “Aluísio Azevedo adotou um programa cujos artigos essenciais foram o exame instintivo dos caracteres e a verdade imediata e contemporânea dos meios”.
E foi um sismógrafo da sociedade no seu tempo – completamos. E, embora sob o modelo do naturalismo europeu, soube traçar o retrato do brasileiro classe pobre e média, as injustiças do regime da pequena burguesia e o poder da solidariedade humana. E mais soube ainda, num estilo fotográfico, captar a dor, a luta na existência suburbana dos cortiços.
Mas a exegese que Alcides Maya faz da obra de Aluísio Azevedo traça a sua própria perspectiva. Ao anotar que “Arte é realidade idealizada, não a cópia da realidade”, diz da tortura cuidosa da forma na sua ficção, o desequilíbrio entre o seu linguajar erudito, com maneirismos, arrevessos verbais e a realidade palpável, doída, do pampa, a criatura simples que tentava descrever.
Havia a desproporção de realidades, mas nunca abandonou a experiência vital e a reflexão sociológica. Os comparsas, tropeiros, vendeiros, soldados, sem o preparo indispensável para a marcha e as metamorfoses da História, envolvem-se na violência, na paixão primitiva do ser com a natureza. E acabam por explodir impotentes, nulos, diante do avanço inabalável do progresso.
Essa transição se reflete em sua pena, com a melancolia da tapera, o sentimento das coisas que se perdem, as carreiras, os ranchos de estrada, a rudeza que a campanha entretece. E a onisciência, quase borgiana, de sua narrativa.
Jorge Luis Borges, o genial contista argentino, e Alcides Maya, tirante o exercício mágico e o amor aos labirintos do autor de Ficções, convergem seja no mundo dramático do gaúcho, seja na sua estilização, seja na atmosfera sombria de um regionalismo que se expande ao universal. E, mormente, na direção tão zelosa do criador aos seus personagens, que se distancia deles e é o senhor de sua paz e sua guerra.
Para Guilhermino César, em sua importante História da Literatura do Rio Grande do Sul, Alcides Maya provoca, com Simões Lopes Neto, “o surgimento de um novo ciclo de literatura regional”.
Reconhece-lhe Augusto Meyer, em Prosa dos Pagos, a riqueza de pormenores nas Ruínas Vivas, a força persuasiva em Jango Souza, Anilho, Bento, Cármen e Ritoca e memoráveis episódios: “O Delírio de Chico Santos”, “O Enterro”, “A Litania Funerária das Reses ou A Morte de Cármen”.
Ninguém como Alcides Maya soube evocar o coro das vozes incompreendidas, o pampa revolto contra a sina implacável. Os tipos da campanha em movimento, mudança e decadência.
Desde Tapera, Ruínas Vivas até Alma Bárbara, há uma vertigem do tempo. Alteia-se como figura nuclear das “Ruínas” – Miguelito – andarengo e rebelde. Ou Neco Alves, de Alma Bárbara, com suas conversas de galpão, um familiado de Romualdo com seus “causos”, em Simões Lopes Neto. O galpão é um universo onde, na palavra contada, tudo se delimita: proezas, invenções, amores, júbilos, peleias. E é quando a palavra, como o chimarrão, andeja. Ou senta, junto ao fogo, com o estancieiro, os peões e o tempo.
Alcides Maya – “o mais universal dos escritores rio-grandenses, inteligência cartesiana”, no parecer de Vianna Moog –, observou em carta de 31 de agosto de 1923, para Rubens de Barcellos (referência de Osório Figueiredo, em Alcides, o Clássico dos Pampas, p. 79): “O Rio Grande encerra tesouros de idealização em natureza, história, costumes e tipos.”
E, relatadas pelo inesquecível Manoelito de Ornellas, suas últimas palavras foram: “Eu, às vezes, sonho que estou madrugando sobre os campos. Vejo o rodeio. Mas o rodeio singular na minha visão. Não são reses que galopam para o alto paradeiro. São guerreiros que emergem das brumas, aqueles guerreiros que desenharam à lança os direitos do Brasil nas terras do Sul.”
Em Os Filhos do Barro, Octavio Paz, com sua autoridade intelectual, salienta:
A tradição moderna apaga as oposições entre o antigo e o contemporâneo e entre o distante e o próximo. O ácido que dissolve todas essas oposições é a Crítica. Só que a palavra crítica tem demasiadas ressonâncias intelectuais e daí preferir-se acoplá-la com outra palavra: paixão. A união entre a paixão e a Crítica ressalta o caráter paradoxal do moderno (p. 21).
E a paixão é o que caracteriza o ensaísta Clodomir Vianna Moog, a Crítica na paixão e a paixão na Crítica, que é, em verdade, “a janela do juízo”.
E, nesse desígnio, publicou, em 1934, Heróis da Decadência. Não se esteou apenas no humor, que Rebelais suscitava “ser próprio do homem”; demoliu rindo. Através da ironia, castigava os costumes. E, através da perplexidade, atingia o Ceticismo. Mas ao elucidar a causa da decadência das épocas, ao estudar Petrônio, Cervantes e Machado de Assis, visou o conhecimento do período em que vivemos.
E o escritor, quando moralista, mesmo no Ceticismo, ainda confia e espera. E ama nessa esperança.
Em Novas Cartas Persas (1937), escritas à Montesquieu, busca apreender a História, sua exegese, de maneira picaresca e deliciosa. Maneja, lúcido, o seu inconformismo, existencialmente arraigado.
Eça de Queirós e Século XIX (1939) nasceu clássico, painel de uma época, mural biográfico-histórico. Porque Vianna Moog não trabalhava pequenos quadros. Com maestria, desenhava as raízes lusitanas e os seus mais destacados vultos, em torno do autor de A Cidade e as Serras. E a exclamação de Eça parece saída dele, Moog: “O meu mal é a perfeição.”
E, assim, escreveu o seu texto mais permanente, Bandeirantes e Pioneiros. Fixa o desbravador do litoral brasileiro, o mestiço e o pioneiro americano. Tem a garra, o estilo dútil, fluente e a visão apaixonada do crítico de Cultura. Compara, abrange caracteres e costumes. Nada se lhe escapa. É ensaísta, cronista, historiador, ficcionista, político – todos os seus talentos se reúnem numa escrita rutilante, de elegância e beleza, imagens que se iluminam, seres que se incorporam à História. E a inteligência de superior qualidade revestia as camadas de sua criação febril, com a consciência operosa da nacionalidade. Que o Brasil estava nele – genesíaco, primevo. E a História é plantada na respiração da linguagem, com as narinas do passado intemporal, o seu ritmo. E Vianna Moog foi moderno na medida em que cindiu o tempo e aprofundou as mudanças. Para alcançar a duração na palavra.
Se a Poesia é a ebulição das analogias e metáforas, a História é a ebulição das contradições. Não há matéria mais informe do que o sonho na Poesia e não há sonho mais dimensionado que a vida de um povo. E a síntese de seu grande livro é por ele próprio configurada em entrevista: “O bandeirante é predatório, o pioneiro é orgânico, leva a civilização com ele.” Examina a ideia de superioridade racial, como explicação para a prosperidade dos Estados Unidos, em todos os setores da atividade humana, incomparavelmente mais do que o Brasil. E comprova não ser racial tal superioridade, mas vinculada a outros fatores, entre os quais a conduta do bandeirante, que só procurava a riqueza, não se fixava, nem vingava; e a do pioneiro, contrária, pois, onde se dirigia, estabelecia raízes.
Mas a vida também era a matéria de seus romances. Um Rio Imita o Reno (1939) trata do problema da civilização estrangeira no País e a obsessão da pureza da raça. Centraliza a imigração germânica numa cidadezinha do interior e a integração das culturas contrastantes.
Uma Jangada para Ulisses (1959) gira em torno de José Marcos de Andrade Ripol, diplomata, herói inquieto, ressaltando o cenário do Rio Grande antes da Revolução de 1930 e as transformações sociais daí provindas.
Por fim, Toia (1962), com o pano de fundo no México e sua sociedade, noticia o amor de um diplomata brasileiro por uma bela mestiça.
Vianna Moog, ficcionista, está a serviço do ensaísta e, este, sob a tutela radiosa da verdade.
“A verdade do sol, a verdade das estrelas, não necessita de documentos, e assim também as grandes verdades da História. As verdades da História, a gente as sente com as entranhas” – exclamou certo personagem de um dos seus romances.
E explica a visceralidade com que Moog sentiu a História, orientou seu instinto. A paixão com que a imaginação lhe propiciou espaço. E, julgando, se antecedeu ao tempo, vendo. “A janela do juízo”.
Era bonachão, forte, de gesto amplo, o rosto firmado, soberanamente, no tronco. Tinha o riso largo, esvoaçando. E o jeito menineiro, travesso, quase. Sim, conheci, pessoalmente, Vianna Moog. O editor Otávio Bertaso nos apresentou, no restaurante Capri, em São Leopoldo. Gustativo, em mesa perto, apreciava sapiente massa bolonhesa. Falou-me de Ordenações, e era 1971. Ficamos amigos. Várias vezes, a vida nos juntou nos encontros de escritores em Brasília. A derradeira vez em que conversamos foi na homenagem a Gilberto Freyre, no Rio. E, agora, a vida nos aproxima de novo. Também o pampa, a saudade.
Tem alguma idade a eternidade?
Senhoras acadêmicas, senhores acadêmicos,
minha palavra se vincula ao Rio Grande, aos seus rios e planuras. Nas comarcas, como integrante do brioso Ministério Público, conheci a justiça, os seus arcanos, a coragem na peleja do direito, a defesa das vítimas, menores, órfãos e incapazes, a coletividade do silêncio.
Aprendi nesse mister de cavaleiro andante, solidão e solidariedade a arte guerreira da palavra.
Privei com a Magistratura gaúcha, altiva e nobre.
Reconheci os meus viventes (que me reconheceram). E descobri que a Poesia funda os aparentemente contrários, porque os contrários são iguais do insondável universo. Na Poesia, a água é o fogo que transborda. Transbordaram com as vozes, que eu evoco, os rostos. Pois aqueles que amamos integram-se ao tempo, fonte selada, onde a memória jorra. E, aqui, exsurgem: o avô Antonio Miguel, mascate sírio, comerciante na Rua Nova e da infância. Georgina, avó, filha de libaneses, solfejando o teclado de um piano primordial, organizando a calma, a cozinha, a vontade inabalável, a asma e uma bondade cheia de cuidados. A mãe Mafalda, que não pude ver na morte. Mas “um dia seremos acordados”, diz o Apóstolo dos Gentios.
E, ora, presente, o pai Sady, que me ensinou a prezar a vida, mesmo no infortúnio. E a lutar, palmo a palmo, por ela.
Vislumbro, vislumbro as universidades: o vento, a terra que nos olham. E é como prefiro. Escrever com a terra e o vento.
Fui a Vitória, Espírito Santo e muitas vitórias firmei.
A primeira, a de estar, hoje, nesta Casa do Gênio de Cosme Velho, em que o sortilégio do convívio se alia ao amor pelas Letras, a Cultura se irradia, a orla misteriosa dos seres e das coisas encontra polidez, altitude, harmonia, amizade. E o que um vive e cria em todos repercute. Embora diversos, somos um em todos.
Outra dádiva é a da hospitalidade da Ilha, que já entrou na minha poesia, com seu mar sábio e ameno, sua gente ditosa, parte do Brasil sonhado. Porque não sou dos que julgam esta Nação apenas estilhaço de culturas, sem uma face visível. É uma face em muitas. Nação jovem, civilização moça, intenta abarcar ainda o seu território.E há de ocupar o merecido lugar no Concerto dos Povos.
Resgatar e fixar, cabe ao poeta, a identidade deste País, o coração. Que o pampa é ciência do universo.
E, junto à maré montante da Ilha, tive a graça, a maior delas, a de haver encontrado Elza “Mansidão”. Sua alegria e claridade. Contemplo a paz alta e sossegada, o amor de madureza:
Amor é estarmos indo.
Não é fugaz o sonho,
se ele nos deixa livres.
Não morremos? voamos.
E volto-me aos meus filhos, todos. Carla, a primogênita, aqui, os representa. Heranças de uma alma que não se rende, a não ser na pedra do absoluto. E eu os nomeio, um a um, no velame do coração.
Saúdo à mãe Laurita, aos familiares, irmãos, cunhados, amigos, companheiros.
Sou provinciano? O mar é provinciano, o céu também. E não se pode ser outra coisa, a Leste, Oeste da luz, no sítio provinciano das estações.
Tudo é plenitude, quando o misterio arde. Queima a ânsia do homem diante da eternidade da palavra. E nos foi insuflada um dia, e florescemos. Sim, ninguém nos poderá mais impedir de florescer. Porque o amor foi sussurrado, e já estamos no futuro.
Acontecimentos se acercam, e é preciso estar atento e de olhos completamente acesos. E escrevo minha gratidão pela vossa acolhida a esta Casa. “Aberta aos assombros”, onde “os dias, os anos / são palmos de nada” (Assentada). Nômade é a linguagem. A Poesia é o instante nômade da eternidade. E chegamos. (Quando verdadeiramente chegaremos?)
“Acabamos de chegar” – registrou Goethe, no Segundo Fausto. “E não sabemos como foi”. [...] “Basta-vos saber que aqui estamos”.
9/5/2012