Essa publicação faz parte da coleção Revista Brasileira
Editorial
Rosiska Darcy de Oliveira
Ocupante da Cadeira 10 na Academia Brasileira de Letras.
De onde vem o erro? Quem pergunta é Edgar Morin, que aprendeu com mais de um século de vida a nunca ter certezas inabaláveis. Imbuído do mais fino espírito científico, sabe que a ciência é uma acidentada aventura de ensaios, erros e retificações. Nada mais sábio em tempos sombrios, de certezas pétreas, polarizações e cancelamentos, de sim ou não, tempos alheios ao desassossego da dúvida.
É um privilégio e uma honra tê-lo conosco, iluminando esse número da Revista Brasileira em que se impõe a realidade da vida virtual, para a qual deslizamos dia a dia, que hoje compete com a vida real e vai se tornando a vida real de um século que mal começa. Ora, os algoritmos não convivem com incertezas, querem escolhas precisas, impondo sua episteme binária à inquietação do pensamento, onde, férteis, trabalham as interrogações.
Da arte e da vida de Vik Muniz emergem também os mistérios da ilusão, a mágica das transformações, os muitos possíveis da percepção quando a escolha do artista é a liberdade e o encontro marcado com o olhar do outro, em algum lugar imprevisível, que será sempre o da experiência de cada um. Tão múltiplo quanto ele mesmo é o olhar de Vik, o paulistano, o baiano, o carnavalesco carioca, Vik o veneziano que expõe à beleza do Grand Canale a tragédia dos náufragos das costas de Lampedusa. Em suas mãos, um prato de espaguete se transmuta na Medusa de Caravaggio.
A história tem sido o registro de muitos enganos. Alberto da Costa e Silva, que há pouco nos deixou, diplomata em posto na África, logo percebeu que os escravizados que aqui chegaram não nasceram nos porões dos navios. Corrigiu a história oficial que fazia economia do passado dessas populações e foi buscar na África de que pouco se sabia, um entendimento do Brasil, cego a seus ancestrais. Desvendou um Brasil africano, herança de um continente desconhecido. Talvez só um poeta pudesse ter ousado essa história. Era como poeta que se via. E poeta foi. Poeta maior. O esboço para um retrato de Alberto é nossa homenagem ao Acadêmico Costa e Silva.
Trazer ao presente os que não devem ser esquecidos é regra de ouro. Aqui ressurge o grande Mário Pedrosa, a quem a arte brasileira deve o entendimento de si mesma. E o país, a consciência de que a arte tem um papel estruturante na mudança das mentalidades. O que lhe foi reconhecido por Picasso, Miró e Henry Moore, entre outros grandes artistas e amigos que o defenderam contra as acusações e ameaças da Ditadura Militar.
A literatura vertebra a Revista Brasileira no reencontro com os esquecidos, João do Rio e Lucio Cardoso, e no encontro com os que estão escrevendo o melhor da literatura contemporânea. Na arte da tradução ou nas surpresas dos achados literários. Também na saudade de García Márquez, em seu livro derradeiro, Em agosto nos vemos. Ou quando a ABL, portas abertas, traz às nossas páginas Literatura e Música, Manuel Bandeira, Villa-Lobos e tantos outros protagonistas dessa história comum.
A Ciência guarda seu lugar cativo na Revista, dessa vez nos ensinando como aproveitar o terceiro ato de nossas vidas e o que nos faz humanos.
Na alegria festejamos o centenário de nossa casa, o Petit Trianon e sua teia de significados.
Edgar Morin, hoje com 102 anos, não nos adverte apenas contra o erro. Aconselha a viver poeticamente, correndo os riscos da arte e do imprevisível. A esse sábio, sócio correspondente da ABL, agradecemos a sabedoria de seus bons conselhos.