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Discurso de recepção

Discurso de recepção por Mário de Alencar

RESPOSTA DO SR. MÁRIO DE ALENCAR

A Academia Brasileira tem o prazer em receber-vos, Sr. Antônio Austregésilo.

Não estranheis que nesta solenidade eu vos falte com o tratamento que é prerrogativa da vossa graduação; omitindo-o, agora, quis manifestar-vos logo a significação da vossa escolha e a qualidade do nosso instituto. Aqui neste recinto não conhecemos profissões, nem exercemos outro ofício senão o de compor a eurritmia do pensamento.

Não somos uma agremiação de sábios, nem temos sido, apesar do nosso título, nem podemos ser uma privativa companhia de puros homens de letras.

Os homens de letras em todos os tempos foram uma casta que se distingue pela suscetibilidade irritadiça. Genus irritabile chamou-lhe o primeiro classificador experimentado, e a essa caracterização incisiva nenhuma experiência nova achou que alterar. Perpetua-se a contradição fundamental dos espíritos criadores, que operando em idéia a síntese dos aspectos da vida e a harmonia das formas dispersas da beleza, são na realidade almas solitárias, incongruentes, insubmissas e dominadoras. Em cada escritor e de um modo geral em cada artista, pequeno ou grande, há sempre a subconsciência de absoluta soberania. Não nos enganam as suas atitudes modestas; são os meios blandiciosos de avassalação com que os tiranos exercem a força. O espírito criador é o mais despótico, o mais dogmático dos espíritos, e realiza o estado intelectual do androcentrismo.

O universo é uma irradiação da sua personalidade; ele é o Deus, satisfeito e sereno, se a ilusão lhe consente o domínio regalado da turba admirativa; inquieto e arremessador de raios, se a multidão lhe interrompe o gozo da divinização; pessimista e negativo, se o mundo parece ignorar a sua presença dominadora. Admite a concepção do Olimpo, em que ele seja o Zeus, senhor e pai dos deuses: e quando, por calculado consenso de muitos, congrega-se o Olimpo, cedo se reproduzem as conspirações e os destronamentos divinos; e a estabilidade da supremacia repousa na força e no ardil dos Titães. Ele é o sol, é o centro do sistema no qual traçou aos planetas as órbitas obedientes ao seu império; e não concebe que outros astros formem sistemas senão para a possibilidade de outros mundos, nem deixa que irradiem da própria luz senão longínquos e minúsculos, e nas horas em que ele, o sol grande, repousa do seu caminho de cintilação ofuscante.

Tal é o estado de subconsciência dos espíritos criadores. Como poderiam associar-se, e de que proveito seria a associação para cada um, ou para os que se beneficiam das suas criações?
A produção artística vale sobretudo como expressão de personalidade, e deve ser obra independente e individual. O esforço coletivo só é eficiente em trabalhos de outra natureza nos quais a colaboração é ato de abnegação silêncio e de paciência submissa, ou como na esfera política e econômica e no conjunto das atividades humanas, em que o resultado é sempre a diferença de forças antagônicas ou o total de forças desvairadas.

A associação estrita de puros homens de letras, quando se efetua, produz a constituição planetária das arcádias, só proveitosa ao renome efêmero dos submissos, mas nociva à glória do espírito criador que eles refletem, copiam e desvirtuam. É o caso das escolas artísticas. Se a associação se esquiva ao teor arcádico e adota fins de operosidade concreta, por exemplo o estudo das formas das línguas, ou não influi o trabalho coletivo, ou é perturbador por falta de unidade de pensamento, ou se esta se verifica, abaixa o espírito de criação ao mister de inquirição gramatical, que, salvo casos raros como o do nosso João Ribeiro, o admirável artista, tende a perverter e aniquilar o senso estético. Todos sabemos que o instinto belicoso da humanidade primitiva tem um os seus redutos na gramática. Grammatici certant era já na Antiguidade a voz de alarma para os espíritos pacíficos.

Há, porém, ainda uma nobre função da inteligência que só pode ser bem exercida coletivamente por espíritos de eleição capazes de abstrair, no convívio de algumas horas, a ambição da supremacia individual, os cuidados técnicos de gêneros e profissões, e as preferências sectárias. É a composição da eurritmia, em que todas as modalidades do pensamento, todas as aspirações do ideal se conjugam para o gozo desinteressado e tranqüilo. Chamo-lhe a função moral da inteligência, e imagino-a como a arte da orquestração espiritual em que todos os instrumentos sonoros, conservando a sua feição e a variedade dos sons, se combinam na plena harmonia que abafa e esconde, sem anula-las, as diferenças da gama humana.

Essa é a obra realizada pela Academia Francesa, admirável expressão do espírito flexível, sensitivo e urbano, que emudecido desde o seu berço, que foi a Atenas de outrora, ressurgiu em Paris pelo acaso da convergência de elementos ignorados inexplicáveis ao critério das raças, da sucessão dos fatos e das zonas geográficas. Haverá dados de observação humana que expliquem a predileção humana que expliquem a predileção dos deuses? As musas atiças, no seu regresso à terra de onde haviam fugido assustadas pela presença dos bárbaros, pousaram em Paris e ali moram contentes.

Advertistes já que em todo o mundo no espaço de três séculos só tem havido uma Academia de psique intelectual, a Academia Francesa, e há dezoito anos uma imitação dela, que é a nossa Academia?
Não é uma singularidade insignificante. O certo é que onde as houve, em países de cultura equivalente à francesa, frustraram-se as tentativas de academização. Não me refiro às agremiações cientificas de fim utilitário ou positivo: estas surgem por toda a parte.Mas para uma associação nos moldes da  Academia Francesa há em toda a parte condições negativas.

Na Inglaterra o individualismo não é somente um preceito de filosofia prática, nem uma feição de natureza política, é antes a necessidade do próprio espírito inglês. Naquele povo excelente, que realiza o perfeito equilíbrio da razão na sociedade humana, o espírito opera isolado e em silêncio; pede mais a companhia e o testemunho de Deus do que o estímulo dos homens. O inglês é naturalmente concentrado, conversa a sós, e ainda quando é folgazão e gentleman a sua polidez e o seu humor se comprazem de preferência no home.

O espírito alemão tipifica dois extremos: a liberdade mística, que é a atividade do pensamento solitário do filósofo e do artista, e o jugo disciplinar à especialização do saber. São as duas formas de refúgio da inteligência superior no vasto acampamento de manobras, em que se exercita a aspiração nacional de guerra. A convivência dos homens de ideal com o público, a reciprocidade de influxos, é ali, suponho eu, cada vez mais difícil. Naquela ressurreição medieval a comunicação dos espíritos só subsiste no sentimento calculado do pan-germanismo comercial e belicoso. O pensamento isola-se no ascetismo das pesquisas cientificas ou na liberação da música que não tem fronteiras impostas pela língua ou pelo interesse terreno. Entre esses dois pólos da humanidade germânica há a impenetrável couraça do industrialismo armeiro e as muralhas do quartel, que é toda a Alemanha. Nesse ambiente não medraria uma Academia Francesa.

Também não a consente a feição enfática do espírito italiano e do português, nem a farfalhante do espanhol. O italiano e o português são arrogantes na afirmativa, o espanhol é derramado e pomposo no conceito; cada um deles presume a sufuciência individual. Não há conversar demorado nem contente, nem desinteressado entre gente assim condicionada; falta-lhes o bom espírito.

Só em Paris, a terra adotiva do bom espírito, era possível a Academia Francesa, e somente o foi no Rio de Janeiro, miniatura intelectual de Paris, numa rara conjunção ditosa de alguns homens de letras de boa fé, iluminados pela presença e pela graça de Machado de Assis e de Joaquim Nabuco.
Sem propósito de particular imitação, foi semelhante o início das duas Academias. A francesa surgiu em 1629 do agrupamento de alguns camaradas, nove ao todo, homens letrados, escritores ou só estudiosos, os quais se reuniam uma vez por semana em casa de um deles para conversarem como em visita ordinária e familiarmente; e conversam acerca de tudo, negócios, fatos do dia, belas-letras. O que havia escrito trabalho, lia-o aos outros, ouvia-lhes o parecer desembaraçado; e em regra acabavam as palestras em passeio ou em refeição modesta.

Assim passaram alguns anos, até que o Cardeal Richelieu teve a previdente idéia de aproveitar essas palestras como o núcleo da instituição literária oficial que é hoje secular e já perpétua. As honras dispensadas e as vantagens econômicas e sociais desse engrandecimento, por muito que valiam, ainda não deixavam esquecer aos sobreviventes daqueles nove amigos os primeiros anos precursores da Academia. “Falavam desse tempo, escreveu Pelisson, o historiador da Academia, como de uma idade de ouro durante a qual, com plena inocência e liberdade dos primeiros séculos sem ruído e sem pompa e sem mais leis que as da amizade, gozavam juntos tudo que a sociedade do espírito e a vida da razão tem de maior doçura e maior encanto.”

Aí está o índice fisionômico da inteligência parisiense. O francês de Paris ou o que respirou o ar de Paris, como o morador de Atenas antiga, tem o espírito político, o que quer dizer o sentimento e a necessidade de associação, que se exprime no gosto e no dom de conversar. Não importa sobre quê. O essencial é que haja ocasião de conversar, não puramente de falar como discursador com a conclusão dos outros, mas de falar e ouvir pelo prazer de falar. Isso complica a condição de amenidade, graça, polidez, presteza, versatilidade do espírito. Foi esse prazer alado que engenhou a cultura dos atenienses, congregando-os ao ar livre, nos pórticos dos templos e nos ginásios, pelo interesse de dialogarem sobre Filosofia, de porfiarem nas justas poéticas, de tagarelarem sobre a vida.
Em Paris formou o salão, originou a Academia Francesa, e passado o Império com a sua corte, que foi a escola do salão parisiense, mantém numa milagrosa continuidade de séculos a comédia francesa, que é uma trama admirável de diálogos em cuja ilusão se satisfaz a curiosidade conversadora do francês que não acha interlocutor.

Nós também, os brasileiros, gostamos de conversar, e é certo que com muita diversidade, em tamanho e variado território, somos um povo de faladores. E aqui na nossa Capital houve um momento que foi a conjunção ditosa a que me referi, em que o gosto de conversar não se contentava de simples maledicência costumeira ou de novidades partidárias, senão do prazer do comércio intelectual.

Foi assim que principiou a nossa Academia. Aos que lhe conheceram a infância, é justo que recordem como a sua idade de ouro os anos decorridos na pequenina sala da Revista Brasileira, à Travessa do Ouvidor, onde o nosso confrade Sr. José Veríssimo exercitava as energias juvenis do seu nobre espírito, renovando a tentativa tantas vezes falhada de uma revista literária do Brasil. Aos desalentados como aos inexperientes, ele sabia incutir ânimo e criar estímulos; e quantos lhe logravam na intimidade intelectual a palavra esperançosa e persuasiva, sentiam-se atraídos para ele pelo grande amor das letras, pelo engenho forte e culto, pela honestidade do pensamento que tanto dignificam esse nosso verdadeiramente ilustre escritor.

O tempo faz esquecer a obra silenciosa, embora ativa e eficaz. Hoje poucos saberão calcular o valor e a persistência do esforço inteligente e – aqui fica bem dizê-lo – patriótico, com que agiu então aquele nosso confrade. Preocupava-o o empenho de ver orientada a nossa literatura como expressão nacional pela observação direta das coisas brasileiras e a continuidade da tradição que, haurida na fonte popular e nas obras dos nossos maiores, formasse a alma brasileira. Ele mesmo dava-nos o exemplo nos seus livros, dava-nos aos que começávamos o conselho, e  promovera o meio de suprir o convívio intelectual dos brasileiros tão distanciados. A Revista Brasileira, mantida com sacrifício durante alguns anos, acabou por falta de ajuda de leitores e de colaboradores, mas criou as palestras da Travessa do Ouvidor e por elas a nossa Academia.

Ali, na pequenina sala, diariamente, entre 3 e 5 da tarde, reuniam-se cerca de 12 pessoas. Variavam os freqüentadores; mas eram habituados de todo o dia, além do hospitaleiro diretor da Revista, Machado de Assis, que ia repousar da tarefa burocrática, e Joaquim Nabuco e Taunay, aposentados e descrentes da política. Com os escritores consagrados apareciam os novos ainda não conhecidos, Graça Aranha, Sousa Bandeira, Calógeras; apareciam também outros, artistas de outras formas de arte, advogados, políticos, curiosos de letras. Conversava-se de tudo, sem programa, como num encontro casual. Havia chá e biscoitos, havia cordialidade, havia prazer sem constrangimento. Nenhuma formalidade de cerimonial, nenhum título de iniciação, nenhum limite de número; o que era imprescindível, mas não se anunciava, era a seleção moral, que se fazia por si mesma, na afinidade do gosto, no concurso espontâneo dos conversadores.

E ali, naquelas palestras, naquela Revista, apontou Cannã, afirmaram-se os Estudos e os Ensaios  de Sousa Bandeira, iniciou-se o grande livro de Nabuco sobre o pai e achou a ocasião de conceber-se e acabar-se muita produção que não surgiria talvez sem o toque da simpatia intelectual e o calor do estímulo que é a determinante aleatória de tantas obras. Mas já se pressentia a dispersão de amigos, pela ausência ou pelo cansaço da vida; ia desaparecer a Revista, cuja existência era precária, e houve então o pensamento de perpetuar aquelas palestras numa associação permanente, amparada pelo favor oficial. Por força da contradição humana coube essa iniciativa conservadora a um homem de temperamento acentuadamente revolucionário; o promotor da fundação da Academia foi Lúcio de Mendonça.

A idéia, pois que era de empreendimento novo, teve a aceitação geral; nem lhe faltou a complacência de Machado de Assis, a qual com o tempo se mudaria em zelo prestigioso. A Academia tinha um grande e único modelo, e Joaquim Nabuco incumbiu-se de justificar a imitação com a sua inteligência penetrante e sinuosa, que lhe inspirou então um dos seus mais formosos trabalhos. Machado de Assis esqueceu um momento o seu ceticismo essencial e anunciou num discurso sóbrio e convencido os fins dos Estatutos. A Academia tinha assim, como as obras projetadas por homens, a finalidade que o nosso espírito lógico atribui a todos os atos na natureza. O finalismo será porventura a derradeira das ilusões a abandonar-nos, porque embalde nos acena à visão essa divindade sem culto que é o Acaso, o semideus que atua nos intermúndios entre a terra e o céu infinito. Bem-aventurados os que não crêem na ação do acaso.

A Academia vive e continua a ter a sua finalidade, que é uma razão para ela viver. Faremos um dia o grande dicionário da língua, fixaremos a distinção crescente do falar português e brasileiro, daremos aos brasileiros desdenhados a autoridade oficial. São esses os nossos desejos ilimitados em intensidade. É tão bom afirmá-los e animá-los!

Mas o acaso, que talvez sorri dos nossos esforços, contenta-se em não nos deixar esquecer a inocência e a liberdade da nossa idade de ouro; e a Academia tem sido apenas uma reprodução mais espaçada daquelas boas palestras de uma revista. E para que mais? O nosso gozo, a nossa utilidade, a nossa razão de ser é o prazer espiritual desta convivência. Para que o nosso encanto seja completo convém eximirmo-nos de obrigações. O limite dos admitidos aguça a aspiração dos que não chegaram a tempo; a mesma previsão da morte de cada um de nós compensa-a o sorriso de esperança dos que se aproximam para substituir-nos; equilibramos a saudade dos que partem com a boa-vinda dos que chegam; conversamos sem acritude de coisas altas; e compomos pela consonância dos nossos espíritos a ilusão de uma glória perene.

Não cogitando em influir, influiremos talvez. A possibilidade da nossa eficiência coletiva depende menos da deliberação de orientarmos a obra literária do Brasil, do que da obra individual dos que forem sucessivamente compondo a Academia. E como no limiar desta Casa se desvanecem as linhas da nossa subdivisão política, podemos realizar, melhor do que todas as criações políticas, o conceito da nacionalidade brasileira; podemos ser um centro do sentimento e da inteligência do Brasil, aparelhado com a engenhosa mecânica do coração, que pulsa pelo sangue que dá e pelo sangue que recebe sem a consciência orgânica do seu trabalho, em que não há fixar o ponto de partida, nem a cada momento, a cota de contribuição, baseada na reciprocidade de dívida entre os grandes vasos centrais e as capilares periféricas. Sejamos como o coração, que não adverte o que vai operar e opera sempre. Basta que não nos faltem os bons espíritos, que nos venham trazer a renovação permanente, animados um por um do desejo de partilhar o nosso convívio.

Sois por isso bem-vindo, Sr. Antônio Austregésilo. Honra-nos a vossa companhia, honra-nos o intento, que, segundo agora manifestastes, vos induziu a pleitear uma das nossas cadeiras. Trazeis-nos, com uma cordialidade que nos lisonjeia, um alto entendimento do trabalho, a admiração da nossa obra realizada e o conselho avisado de novas iniciativas; trazei-nos ainda o vosso prestígio de homem de bem e o valor do vosso talento. Se, alcançando agora um antigo sonho, quisésseis repousar como um bem-aventurado, não fora inútil a vossa presença entre nós, porque nos comunicastes, neste momento, a sensibilidade de um destino social ativo, que é o de acordarmos nos brasileiros o amor brasileiro, a fé na nossa capacidade, e o respeito carinhoso das florias do Brasil.

Tendes razão em supor que nós não conhecemos mutuamente. Dividem-nos grandes distâncias no espaço e na curiosidade. Mas nos chega o tempo de lermos nós, os escritores, as obras uns dos outros. Orientar a nossa atenção desviada e fazer ressurgir o sentimento nacional literário, pode ser isso incumbência eficaz da Academia? Vós o afirmastes agora, e é já um tema que nos dais para as nossas palestras. Ao vosso entusiasmo de crente na ação coletiva, opõe-se a minha resignação de crente do acaso, mas fervor e ceticismo, sem concordarem, se harmonizarão aqui, graças à atmosfera musical desta casa, e eu verei contente a vossa atividade individual esforçada suprir o que não possais obter da nossa obra no sentido das vossas idéias.

Confiamos na vossa intenção de trabalho, e não ouvimos como vã palavra a declaração de que não vos moveu para nos o só capricho de uma vaidade. É certo que não precisáveis da Academia para a vossa fama. A Academia pode morrer e acabar na memória dos homens, mas o vosso nome não cessará de ser repetido, porque está conjugado à Medicina e a Medicina é eterna como a dor da natureza. Já no estrangeiro não é raro que bocas de sabedores, ao verificarem um diagnóstico difícil, profiram familiarmente o vosso nome, pesquisando o sinal de Austregésilo.

Revistas e tratados médicos da Inglaterra, da França e da Alemanha imprimem-no com referência ou citação ou análise de vossos estudos, ou publicando integralmente os vossos trabalhos, confirmadas as vossas investigações e aplaudidas as vossas idéias por grandes mestres que nunca vos trataram pessoalmente. Onde quer que se depare um caso de uncinariose de bouba, de polinevrite escorbútica, quando se discuta sobre os sindromas poliglandulares endocrínicos, ou sobre as cápsulas supra-renais, estará presente a vossa lembrança, realçada pela palavra de mestres da Medicina, como Mense, Briançon, Roussel, Marchoux, Max Shubert. Não será isso a glória de um pesquisador da ciência? Mas não sois somente um professor notável; sois também um clinico afamado.

Não se circunscreve o vosso renome a um bairro da cidade senão a toda esta vasta cidade. Em 15 anos de trabalho alcançastes o que a maior parte dos vossos colegas não conseguem pelo esforço de toda uma vida. Os vossos colegas, ao termo das suas fadigas, convencem-se de que para vencer não basta só o esforço, e vos contestarão com o vosso próprio exemplo as palavras que proferistes num encerramento de curso aos vossos discípulos: “Não tenhais orgulho da vossa conquista profissional, disseste-lhes, porque a medicina é uma profissão de aura fácil.” É uma conclusão que contrariais com a vossa vida e outras palavras desse mesmo discurso:

“O médico precisa de um grande esforço para o êxito profissional... Não pode viver no torvelinho ridículo das ambições comuns, nem envolto no manto esburacado das vaidades. Quereis o vosso triunfo profissional? Fugi da inveja e das vaidades, cultivai os princípios da deontologia médica e o bem vos cairá nas mãos. Trabalhai, trabalhai, sempre sem pensar em um repouso próximo, em olhar para as glórias de outrem.”

Era o que tínheis feito, Sr. Antônio Austregésilo, e por isso vos foi fácil dar aos vossos discípulos esses conselhos judiciosos; mas esqueceu-vos, ou não vos convinha, acrescentar que tudo era inútil sem o vigor da inteligência, sem o talento que é a incógnita da vocação.
Ao vosso talento é que deveis o que sois; foi ele que preparou a série de circunstâncias e de condições cuja conexão favorável traduzis como efeito da vossa vontade; ele vos deu a cultura, fez a vossa coragem, fez o vosso triunfo.

Tínheis 17 anos quando sentistes os primeiros impulsos do ânimo despertado pela orfandade da afeição e dos conselhos paternos; faltara-vos o vosso melhor amigo e ficastes só lutando no Rio de Janeiro, acalentado pela lembrança do doce carinho de mãe, que vos mandava da província o seu triste sorriso de dobrada saudade. É uma das vossas boas páginas em que fixastes o caráter do vosso coração de filho. Era o mais firme degrau para a ascensão do homem futuro. Em alguns anos o estudante que fora hóspede do convento de Santo Antônio, sem outro apoio senão o seu próprio trabalho, era já o professor da Faculdade de Medicina, de cadeira que obteve por merecimento incontestável, depois e dois concursos em que partilhou a primazia com insignes competidores. Fostes mestre aos 33 anos e hoje, antes dos 40, sois um médico exímio.

Não precisáveis, pois, para a vossa fama da nossa Academia. Quisestes porém acompanhar-nos, e, com a vossa candidatura sinceramente empenhada, destes-nos a melhor prova de um apreço que nos desvanece. Não elegemos o médico, mas a vossa qualidade profissional não vos podia incompatibilizar conosco. Na Medicina temos espíritos irmãos além dos que nos pertencem; poderia citar-vos o nome de alguns para os quais a sorte há de vir abrindo a estrada desta Casa. Não calarei um, dentre eles, já nosso confrade virtual, grande na medicina de qualquer país e que modestamente anda escolhendo o seu talento de escritor. Já presumistes que me refiro a Miguel Couto, a quem devo a rara sensação de algumas páginas perfeitas.

O que elegemos em vós foi o vosso bom espírito, o espírito que eu procurei definir como dotado da capacidade de ressonância, sem a qual não faríamos a união harmoniosa, a eurritmia da nossa inteligência. A vossa atividade de escritor literário, segundo nos confessais, cedeu à urgência dos trabalhos da profissão, e não se exerceu efetivamente depois dos primeiros ensaios dos anos acadêmicos. Compusestes nesse tempo versos, contos, uma novela, e iniciastes um romance. Foi a vossa literatura fácil, de cérebro novo, afeiçoado às influências do momento. Era a fase das letras maiúsculas, dos símbolos a granel e das ficções enigmáticas. Hoje, que já vos é possível voltar ao repouso da literatura, se não desdenhais aqueles ensaios, não quereis firmar neles a vossa reputação. Ampliastes a cultura, o vosso gosto está modificado, e suponho que não vos resta mais o desejo de cultivar nenhum daqueles gêneros literários. Preferis agora, e preferis bem, essa outra forma que se pode chamar ocasional, porque é a ocasião que a determina, sem dependência de classificação e obediente apenas ao assunto que a inspira.

Há tanta maneira de ser escritor fora dos gêneros clássicos! A submissão aos gêneros, ao contrário, tem transviado e mangrado muito talento. Quanto romance há por aí sem romance, e poesia sem poesia e drama sem drama! Os gêneros literários foram uma formação; e, como a flora de certos climas, não deve ser fácil transplantá-los, pois a sua aclimação proveitosa pede condições, que raramente se verificam, de temperatura e de húmus. A paciente adaptação de estufa é um esforço de artifício que não supre a força natural. É o que quase todos deixamos de ponderar e por isso tanto pervertemos a nossa produção, escravizando as idéias aos moldes seculares.

Consultando a própria disposição moral, não errará o escritor na escolha da espécie literária adequada ao seu espírito. A vossa disposição moral é a de um otimista. “A felicidade, dissestes num dos vossos discursos, é fruto que com pouco trabalho e habilidade se pode colher da própria árvore”, e acrescentastes: “é feliz quem quer, afirmo-vos.”

Como todas as concepções humanas, essa, que é o núcleo da vossa filosofia, reflete a experiência pessoal. É que vós mesmos julgastes haver colhido a felicidade e a trazíeis já em vosso espírito. Sois um homem invejável; mas a bem-aventurança restringe a vossa capacidade de poesia e de ficção. Falta-vos a dor essencial, a ferida de raiz, que dá a visibilidade penetrante dos segredos subterrâneos da vida. É aí nessas camadas profundas que se gera a seiva para a floração da arte; cores e perfumes se preparam por uma química misteriosa dos venenos hauridos e acumulados na raiz vulnerada. O otimismo é o estado da alma sonolenta e satisfeita que se julga a salvo das vicissitudes da existência; e ainda quando em espíritos fortes consente a simpatia da dor, só lhes transmite a idéia abstrata dela, sem a vibração íntima que forma o sentido do sofrimento universal.

Fareis bem limitando a ação do vosso espírito aos trabalhos de caráter puramente intelectual. Não escasseiam os assuntos, que dêem ao vosso talento o ensejo de revelar-se em todo o seu poder. Não careceis de imaginação; os vossos escritos estão cheios dela, e às vezes num excesso que a vossa progressiva cultura vai coibindo. Os que pretenderam diminuir-vos particularizando algumas das vossas metáforas ousadas, não se lembraram de que elas equivalem pelo arrojo a inúmeras outras que eles próprios e várias gerações de leitores repetem extasiados de admiração. Não vos amofineis por essa crítica acintosa. É tão falível a crítica! Lestes sem duvida no Jardim de Epícuro a página em que Anatole France recorda a instabilidade e inanidade do julgamento literário.

Um trecho ditado num exame de admissão no Exército fora comunicado aos jornais, e os jornalistas e os críticos acharam-lhe o estilo estúrdio, merecedor de um comentário zombeteiro. Os mais autorizados na estética e retórica atribuíram-no ao mau gosto de algum capitão avelhantado. E quem mais ria do trecho era um zeloso admirador de Michelet. Pois o trecho verdadeiramente admirável, verdadeiramente admirável, era nada menos que um trecho de Michelet, escolhido num dos seus melhores livros; imediatamente todos reconheceram o estilo perfeito do grande escritor. E Anatole France conclui: “Quando os homens que consentem numa mesma admiração fundamentam-lhe os motivos, transforma-se logo a sua concordância em discórdia... Não há em matéria de literatura nenhuma opinião que não se conteste facilmente com a opinião contrária.”

Contra os que condenaram alguns dos vossos escritos, haverá os que os admirem, talvez em maior número. Haverá também os que julguem com isenção e discriminem as vossas qualidades, que não são poucas, dos vossos defeitos, que não são muitos. Os vossos defeitos provêm ainda da influência dos escritores em que vos educastes, ou do vosso próprio temperamento de brasileiro. Os primeiros podeis emendá-los; os do vosso temperamento, se são realmente defeitos ou excessos, não os corrigireis sem falseardes a vossa própria natureza moral.

Não obstante o sentido pejorativo com que nesta guerra universal se germanizou o apelido de bárbaro, força é usá-lo como a clássica expressão distintiva do estilo. Digo, sem pretender apoucar-vos, que sois um bárbaro; não é mal, e tendes companheiros numerosos. Felizes os raros espíritos que, depois de tantos séculos e a tão alongada distância, podem, alheios à força do ambiente, imitar a limpidez e o equilíbrio do estilo grego. Felizes igualmente os que, sentindo-se bárbaros por terem nascido em terra nova, onde a natureza é desmedida e impetuosa na selvageria do seu vigor, têm a franqueza de ser o que não podiam deixar de ser, expressão natural do seu meio, da sua gente e do seu momento na vida. Alguns desses, de certo modo, são também gregos, se os qualificarmos pela feição mais eminente da arte helênica, a harmonia sincera da idéia e da forma. Foram proporcionados, simples, límpidos, os gregos, porque a sua terra lhes dava o módulo do pensamento. Tinham templos abertos em peristilos, porque o ar circunstante era o de um céu leve, puro e azul. O Olimpo, morada dos deuses, era visível e acessível, e por isso os gregos conversavam com os deuses.

Sob esse critério de sinceridade da representação é helênica toda a arte espontânea e característica dos povos do norte da Europa; ao contrário, é bárbara toda a simulação disparatada do sentimento. E, assim, ao passo que julgo helênicas as velhas cidades da Baviera, tão expressivas da feição do seu povo, tenho como a mais bárbara das cidades da Alemanha, a geométrica e espaventosa Berlim, com os seus palácios colossais, simulacro arquitetônico da Grécia, mas de cujos pórticos marmóreos a ironia do destino fez ruir agora, ante o mundo atônito, a inconsciência dos antropitecos ruivos em sanha contra os museus, as bibliotecas, as catedrais, e todos os sonhos plasmados pela humanidade sofredora e serena.

Os grandes engenhos gregos, se tivessem nascido no Brasil, fariam a epopéia emaranhada e abundante como a nossa selva selvagem; afinariam seus hinos pelas vozes estridentes dos nossos pássaros agrestes, comporiam a sua arquitetura com a desmedida grandeza das nossas árvores, e os seus sentimentos teriam o ímpeto sonoro dos nossos rios fartos e encachoeirados; e eles em tudo seriam brasileiros.

Nós devemos ser o que somos, embora bárbaros. Bárbaros pela essência ou pelo transvio da concepção, ou por enfáticos ou por artificiosos, quase todos o temos sido no Brasil. E aqui mesmo na Academia poucos não o serão. Pardal Mallet, patrono da vossa cadeira, foi um bárbaro forte que se gabava de o ser; e tinha talento para afrontar os descontentes. Pedro Rabelo, que primeiro a ocupou, também foi bárbaro, mas por fraqueza; desperdiçou o talento, despersonalizando-se em estilo para que não tinha compleição. O vosso antecessor foi um bárbaro, porque fechou os olhos à contemplação da beleza.

Lembrastes-nos agora, numa apreciação comovida e justa, o valor moral de Heráclito Graça, a honestidade da sua inteligência, a profundeza dos seus estudos lingüísticos e a espantosa paciência dos seus trabalhos lexicográficos. Dissestes-nos também o que ignorávamos, que ele na mocidade foi ou quis ser um poeta. Sobre o poeta, o jornalista, o político, o jurista, prevaleceu o operário silencioso dos textos da nossa língua, aplicado em labor assíduo, por muitos anos consecutivos de obscuridade, que só se interrompeu acidentalmente, como nos contastes, pelo convite de colaboração no Correio da Manhã.
O mesmo teor do seu trabalho, as anotações, acréscimos, glosas, escritos profusamente em letra minúscula, sobre o texto de livros, revelam a ausência da idéia utilitária; o nosso confrade cogitava menos em alcançar renome, ou lucro mercantil com o seu esforço, que em obedecer a uma necessidade de espírito, procurando instintivamente o seu máximo prazer. Creio que ele foi essencialmente um gramático, não um filólogo, mas um logófilo, segundo a distinção que fazia o grego Zenon. É verdade que, ao contrário da regra geral dos gramáticos, escrevia bem, não era intratável, nem rabugento, e tinha o ânimo disposto ao riso e a amabilidade. Era, sim, intransigente como todo o espírito de credulidade ingênua que firma o seu culto em religião revelada. Para Heráclito Graça, a nossa língua se tornara uma religião; os autores primitivos eram os seus livros sagrados, de onde ele recolhera uma longa série de dogmas intangíveis. O espírito religioso não admite progresso, nem a evolução: as primeiras criações são as perfeitas; só o pecado pode mudá-las e o pecado é maldito, porque traz a degenerescência.

O nosso confrade teve assim as virtudes, os excessos e as falhas de sectário; ninguém, talvez, soube mais a língua portuguesa; mas ele teimosamente evitava convencer-se das conclusões da ciência lingüística. Por isso, em parte foi um homem representativo do nosso meio. O Brasil não é somente o país dos políticos, é também a terra dos gramáticos, quero dizer, dos que têm a obsessão dos vocábulos e das regras de sintaxe. Depois de decorridos quatro séculos, e com a interposição do Atlântico, teimamos, contra todas as leis da vida, em conservar intacto o vocabulário português do século XVI e com o vocabulário a prosódia e a sintaxe dos portugueses daquele tempo.

Anatole France afirmou a inutilidade dos dicionários para o escritor que tem alguma coisa a comunicar aos contemporâneos. Basta a língua viva que ele mama e respira. Há exagero na afirmação, mas há também verdade. Os dicionários incutem o amor do vocábulo raro, o vício da preciosidade, com que se fala mais à vista que ao entendimento. O mesmo escritor desdenha com razão a gramática investida de infalibilidade humana, que é o papado, já não se exime de sofrer as mutações da vida, cuja condição é o movimento, é a renovação, é o resultado da morte, continuada e silenciosa.

Nós, os brasileiros, insistimos em conservar parada a mesma língua que no seu berço prossegue o curso natural de ser vivo. Em Portugal surgem de quando em quando os solecismos, que são a contribuição providencial e vital do povo e, como é forçoso, entram no corpo da linguagem dos escritores.

Nós, os brasileiros, não queremos admitir ao nosso povo o mesmo direito de colaboração idiomática, e desprezamos as suas inovações como brasileirismos de ignorantes. À árvore replantada no solo americano e fecundo pretendemos impedir que a seiva lhe rompa a cortiça em brotos e reverdeça a folhagem e dê às flores a cor nova do novo céu e aos galhos a flexibilidade do exercício dos ventos da terra grande. No meio das nossas florestas queremos que esta única árvore tenha em plena vida o aspecto decrépito de folhas poeirentas e galhos ressequidos.

Mas como é inevitável a ação influente mas insensível da vida, o nosso pertinaz apego a todas as formas clássicas dá-nos ao estilo lingüístico aquela mescla de arcaico e de novo, de raro e de quotidiano, que na arquitetura se chama o estilo rococó. Escrevemos uma terceira língua que não é a dos modelos que imitamos, nem a do tempo em que vivemos. É o idioma da seita gramatical.

O nosso saudoso confrade não pôde coibir o excesso de sua minuciosa erudição. A sua virtude foi o nobre amor que votava aos clássicos da língua, e com o qual edificou esse monumento de saber intenso e útil, que a nossa Academia, satisfazendo o vosso primeiro voto, deve deligenciar em obter e publicar por zelo de si mesma e da memória do seu notável consócio. O que lamento por ele é que o seu culto do antigo tivesse degenerado em fanatismo, obscurecendo-lhe os olhos para a visão da beleza. A linguagem não lhe dava mais a sensação de um organismo vivo: porque ele já tinha anatomizado, dissecado, classificado e escaninhado como num museu de história Natural.

Certo, ele poderia responder-me que para os seus olhos fora aquela a expressão da beleza, e que nesse trabalho achara, o que mais importa na vida, a razão de esquecer a vida. E eu não teria que replicar-lhe, pois esse é o critério absoluto da felicidade. E foi assim que ele, entre tantas adversidades que sofreu, pôde ser feliz com o seu amor religioso da língua velha, na companhia dos seus velhos livros sagrados.

Uma das lembranças mais vivazes que conservo dele está ligada à de Euclides da Cunha, num encontro nessa outra sala há cerca de cinco anos. Visitava-nos pela segunda vez, em despedida, Anatole France. Em torno do grande escritor francês agrupavam-se alguns acadêmicos viajados e desembaraçados: José Veríssimo, Rodrigo Octavio, Sousa Bandeira, Filinto de Almeida, Medeiros e Albuquerque. Três ficamos arredios: eu que simulava um trabalho urgente com que justificar o meu afastamento, e Euclides da Cunha e Heráclito Graça, que passeavam num dos extremos da sala, falando alto, rindo alto, como se estivessem sós ou alheios a tudo em roda. Eu olhava-os surpreso, e ao sair em companhia de Euclides, disse-lhe o meu vexame e o receio da opinião que levaria Anatole France de nós três, os bisonhos arredios. Euclides, também ele um grande bárbaro nosso, tímido como um tabaréu e orgulhoso como um herói espanhol, respondeu-me que ao contrário do meu receio Anatole France levaria dele e de Heráclito Graça uma ótima idéia. Não reparara eu naquelas passadas pelo chão, naquele conversar em tom de escada, naqueles risos sonoros? Tudo fora de propósito: era uma atitude de indiferença, e Anatole France com certeza teria sentido que eles eram dois homens superiores.

Sorri da ingenuidade do bom Euclides; era a arrogância tardia do seu acanhamento despeitado; mas ponderei que ele porventura acertara. O escritor francês, inquiridor de todos os aspectos da civilização, ironista contumaz de todos os fatos humanos, teria sentido surpresa ante aqueles dois homens indiferentes à sua presença, dois bárbaros intelectuais; e é possível que pela primeira vez o espírito zombeteiro se velasse de admiração e de respeito... ante o desconhecido.

Tudo é ocasião de imagens, e assim se combinavam as do bárbaro e as do cético; para Euclides as imagens foram pretexto de formosas e alargadas frases; para Anatole France foram, e talvez já não sejam, as formas da sua negação sistemática.

A nossa Academia também é um templo e refúgio das imagens da vida: longe das dissensões e dos distúrbios, sobre o efêmero curso das nossas existências precárias, nós, tranqüilamente, ingenuamente, tecemos a imagem da nossa perpetuidade.

Ficai e ajudai-nos, Sr. Antônio Austregésilo.