Somente a saudade
Tive o privilégio de ler a versão semifinal de Somente a verdade. O livro é primoroso. Foi só melhorando, a cada revisão do seu autor.
Tive o privilégio de ler a versão semifinal de Somente a verdade. O livro é primoroso. Foi só melhorando, a cada revisão do seu autor.
O governante deve estar atento à necessidade de evitar ceder a certo tipo de burocracia que, em vez de criar, promover, fazer, preocupa-se apenas em tricotagem ao mexer no que está quieto, como gostava de dizer minha avó materna, que viveu protegida pelo terço, vela e oratório. Estar quieto não significa estar imobilizado. Quieto é estar tranquilo com o que faz ou com o que sente.
Se isso é o que nos oferece o presente e se é inútil tentar reviver o passado, o jeito é fugir pra frente, nem que seja sob a forma dos meus dois netinhos, Alice e Eric
A cena humana se empobrece com a perda de Maria do Carmo Vilaça. Confesso minha profunda tristeza por não poder contar mais com sua generosidade, seu encanto, a elegância que nos ofertava nos gestos mais simples.
Foi uma sessão extremamente alegre e caracterizada pela fala predominante sobre a vida desportiva de alguns imortais. O Acadêmico Marcos Vilaça teve a delicadeza de se referir ao passado de atleta do seu confrade Arnaldo Niskier. Citou suas 56 medalhas, conquistadas como nadador e jogador de basquetebol e futebol, defendendo as cores do América e do Clube Municipal. Por este chegou ao título carioca de basquetebol da Segunda Divisão, no ano de 1957.
Carlos Drummond de Andrade ensinou que:
“Qualquer tempo é tempo
A hora mesmo da morte
É hora de nascer"
País foi sacudido nos dias recentes pelo noticiário ao redor do ENEM. Pena que, ao lado disso, não viessem mais ainda, a discussão, a avaliação, o reforço ao ensino médio, que é, perdoe-se o mau uso de um quase trocadilho, fundamental para a educação dos brasileiros. O ensino médio é por destino capacitador. Ilona Becskeházy observa que estamos a carecer de uma cultura de rigor escolar, onde se aceite como natural que o alunado saia de uma certa forma do conforto e se sinta desafiado para a valorização do processo educacional em si. Tem razão a renomada consultora em gestão educacional.
Vilaça levou anos a se deliciar em narrar casos ligados à sua vida religiosa. Recriminou as hipocrisias e as regras preconceituosas do Seminário ao tempo em que igualmente reconhecia as emblemáticas boas lições recebidas. Se houvesse a classificação, diria dele ter sido um “católico amador”. Era católico ao seu modo. Com a velhice tornou-se menos efetivo, deixou as missas dominicais mas o fervor mariano não se esgarçou. Onde trabalhasse, morasse, na carteira de anotação, no carro, sempre protegido pela estampa de N. S. do Perpétuo Socorro, invocação que lhe passara a mãe Cecília, essa sim, uma fiel 100%. Meu pai também confiava em favores de dom Expedito Lopes, bispo de Garanhuns, assassinado por antigo colega, de quem meu pai testemunhara atos poucos ortodoxos ao tempo deles seminaristas.
O velho Vilaça ensinou a muitas gerações no Ginásio de Limoeiro, de que foi fundador, junto ao Padre Nicolau Pimentel, seu amigo. Naquela casa onde me alfabetizei e fiz os cursos chamados à época de primário e ginasial, ensinou-me português, história do Brasil e latim. Se não me preparou inteiramente para o vestibular de direito, ajudou-me em muito com o latim, fundamental no exame. Dois dos seus colegas foram meus examinadores, os mestres José Lourenço de Lima e José Brasileiro Vilanova.
Neste 2014 o velho Vilaça completaria cem anos. Para mim, seu filho único, é a ativação de uma lembrança eternamente orgulhosa. Estou sem ele. Foi o melhor pai do mundo. É claro, Vilaça era o meu pai. Mas não é tão simplória esta admiração. Debaixo do mesmo teto vi o bom marido e gozei do pai generoso. Fora das nossas quatro paredes, o velho, o meu querido velho, da canção de Alternar Dutra, chegou a ser muita coisa no universo que escolheu, o agreste de Pernambuco.
Conta-se que, numa grande mesa em restaurante de um dos principais hotéis de Moscou, à qual se sentavam singulares personalidades da inteligência brasileira e russa, suas cabeceiras estavam ocupadas pelo romancista Ilya Ehrenburg e pela pintora Djanira. Ehrenburg, famoso em todo o mundo por sua notável obra literária, mas também famoso entre seus amigos pela extraordinária capacidade de consumir vodka, aproveitava a ocasião para brindes sucessivos.
Cada virada de ano é a mesma coisa. Vontade de revê-lo, uma certa inconformidade, reler Sto. Agostinho (“a sede da alma está na memória”) desfazer os cachos de pranto, tentar ir à frente, enfim, saudades do filho Marcantonio. É incontrolável a vontade de dividir com mais gente a ideia de que êle se foi e a tentativa de conviver com os desígnios de Deus, nas elipses de felicidade.
O período que vai do final do ano ao início do outro acende nos pais de Marcantonio a chama mais viva, a saudade se faz maior, o orgulho dele se excita. Afinal de contas, a razão está com Adélia Prado ao dizer "o que a memória amou ficou eterno".
Ao encerrar meu quarto mandato de Presidente da ABL assim me despedi: Sempre estou a lembrar o que escreveu, em St. Gallen, na Suíça, nas lonjuras do século IX, um velho monge irlandês: "busco alcançar mais verdade, trocando a obscuridade pela clara luz".
O ensaio é um gênero literário desde Montaigne. No Brasil o ensaísmo literário une-se ao filosófico em Tobias Barreto, patrono de uma das Cadeiras da Academia Brasileira de Letras, e ao sociológico em Silvio Romero, um dos seus fundadores. Vamireh Chacon, mesmo com formação universitária de doutoramento no Brasil e na Alemanha e pós-doutoramento nos Estados Unidos, permaneceu fiel às origens ibéricas, em meio às influências germânicas da Escola do Recife na Faculdade de Direito de Pernambuco, e norte-americanas de Gilberto Freyre em Apipucos. Foi Ortega y Gasset quem começou a revelar o pensamento hispânico e o alemão à geração de Eduardo Portella, Nelson Saldanha e Vamireh Chacon, e para a anterior, a de Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes, no Nordeste e outras partes do Brasil.