Gulliver no Brasil
Precisamos vencer o déficit de diálogo
Vivemos um tempo de refluxo, um deserto de utopias, cenário em que perdemos a capacidade de sonhar ou de propor uma forte revisão da Agenda Brasil, resultado de amplas zonas de consenso.
Precisamos vencer o déficit de diálogo
Vivemos um tempo de refluxo, um deserto de utopias, cenário em que perdemos a capacidade de sonhar ou de propor uma forte revisão da Agenda Brasil, resultado de amplas zonas de consenso.
Erram os que definem o Estado Islâmico (EI) como se fosse um movimento de pura barbárie e violência, força retrógrada, sem inteligência e apenas autodestrutiva. Não deixa de ser um pouco disso tudo, é bem verdade, embora seja algo mais denso, articulado e perigoso.
Em nome de um país, que deveria ser mãe e não madrasta de seus próprios filhos, em nome de uma república moderna, que não rouba o futuro de meninos e meninas, sem escola e sem família, em nome dos avanços do estatuto da criança e do adolescente, não podemos incorrer no erro de aprovar a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, de acordo com a fatídica PEC 171/93.
Há quase setenta anos terminava o flagelo da Segunda Guerra, com um número impensável de crimes contra a humanidade. Basta recorrer aos livros de Primo Levi ou de Imre Kertész para alcançar o horror dos campos de extermínio.
São Sebastião do Rio de Janeiro é uma das cidades mais inquietas e inabordáveis do mundo.
Por que tanta demora no debate sobre a democracia digital? Precisamos avançar com o Marco Civil da Internet, aprofundá-lo num quadro mais preciso, completando certas lacunas e dispositivos. A democracia digital (e-democracy) não se resume a mero instrumento ou linha auxiliar do processo político. Trata-se de uma compreensão abrangente da democracia, um redesenho vital, com partidos qualificados, ao mesmo tempo em que promove coletivos formados por minorias ativas, que se fazem ouvir dentro de uma (antes impensável) vasta capilaridade.
A queima de fogos deu ao Rio de Janeiro uma espécie de passaporte global para integrar o prestigioso número das grandes capitais da Terra por onde ingressa o Novo Ano, acompanhado pela escolta das grandes multidões, a fanfarra em altos decibéis e a sempre mais complexa, quase barroca, e cada vez mais longa pirotecnia.
Com o fim da Era dos Extremos e das Torres Gêmeas, postas de pé, eis-nos diante de um novo pluralismo. O mapa-múndi das religiões assiste a uma espécie de mutação transgênica. Los Angeles é a maior cidade budista do mundo. O catolicismo cresce de modo vertiginoso na Ásia. A Inglaterra deve igualar em breve o número de muçulmanos e anglicanos, ao passo que o hinduísmo e o judaísmo realizam um conjunto de aproximação e trocas simbólicas.
Com o fim das eleições, a presidente Dilma acena para a esfera da união e do diálogo, disposta a ouvir a sociedade civil e a superar o déficit do primeiro mandato, de uma presidente técnica, quase sem tempo para ouvir as partes contrárias e negociar. É um grande sinal da presidente, que tira importantes lições das urnas. Espera-se da oposição a mesma atitude, equilibrada, sem vitimização, livre da má leitura de que a vitória de Dilma na verdade é uma derrota sem precedentes, ao passo que a derrota de Aécio é, na verdade, uma vitória estrondosa.
A democracia de nosso tempo se debate com as velhas formas, de baixa intensidade, como se estivesse presa num labirinto que não para de crescer, voltada para si mesma, como realidade única. Trata-se de um monstro voraz, tentacular, labirinto sem fio de Ariadne, que impede a irrupção do novo, porque não admite saídas de emergência. Nutre-se de uma herança de resíduos, obstinados, quase moribundos, como a ideia de território, que já não conhece limites, a de soberania, cujo prazo de validade parece ter expirado, assim como a ideia de povo, cada vez mais incerta e estilhaçada.
Diante das discussões gerais sobre a ortografia, que se repetem, com o mesmo e monótono estribilho, nos últimos cem anos, decidi endereçar ao mestre e amigo Evanildo Bechara uma carta, assimilando uma proposta mais adiantada. Selvagem. Sem hífen ou acento. Um duelo com a escrita. A próxima tentativa? O português na ortografia dos ideogramas.
Ariano Suassuna foi um dos últimos grandes intérpretes do país. Sua obra não só compreendeu o Brasil, como foi, por sua vez, compreendida pelas diversas partes de que o Brasil se constitui. Fato raro entre nós, Suassuna foi amado e admirado com a mesma intensidade.
Numa chuvosa manhã de agosto, visitei a escola estadual Agenor de Oliveira Cartola. Situada no presídio Esmeraldino Bandeira, pode-se dizer que foi erguida pelas mãos de seus alunos, como num motivo libertário, a partir do tijolo ecológico fabricado na prisão. Quase um destino! Vejo os professores Ralf e Evaldo, o primeiro há poucos meses na escola, e o segundo, com mais de vinte anos. Tomamos café na sala dos professores. E logo me dou conta de que ambos não perderam a esperança.
Raros escritores souberam traduzir a fundo a condição polifônica da cultura brasileira como João Ubaldo. Não à margem de uma ideia, mas no corpo sinuoso da palavra, em sua ferida, aroma e textura, ao mesmo tempo física e erudita.
Meu caro Paolo dall’Oglio, escrevo-lhe esta carta aberta porque não sei de seu destino, após um ano de sequestro nas mãos do Estado Islâmico da Síria e do Levante, que hoje se proclama como um califado de sangue e horror.