Não sei quantos perderam casacos, blazers, paletós ao longo da vida. Quanto a mim, devo ser recordista em perdê-los. Não sei se tem significado. Esquecimento, distração, fagulhas de que a nossa mente se desmorona? Há quem interprete tudo, gestos, palavras. Aos oito anos, um parente me deu uma capa de chuva marrom, de segunda mão. Fiquei fissurado. Tia Maria, costureira, transformou-a em um mantô. Meu bem mais precioso. Certa noite, fomos à quermesse da igreja de Santa Cruz, minha mãe era cozinheira em uma das barracas, que tinha frangos, quitutes, quentão... Dez da noite, meu avô Vital foi nos buscar, mamãe nos preparou dois cachorros-quentes e Luiz, meu irmão, e eu voltamos para casa a pé. Cheguei em casa, dei conta, com tristeza, que tinha esquecido meu mantô na barraca. Voltar? Vovô, já velho, disse não, que eu aprendesse a zelar pelas minhas coisas. Rezei esperando que minha mãe percebesse. Não percebeu.