O leão e o porco
Um sujeito desinformado perguntou-me o que eu achava pior: inflação alta ou juros altos? Ia responder que os dois são péssimos, ou tiraria "cara ou coroa" na hora, escolhendo a inflação ou os juros aleatoriamente.
Um sujeito desinformado perguntou-me o que eu achava pior: inflação alta ou juros altos? Ia responder que os dois são péssimos, ou tiraria "cara ou coroa" na hora, escolhendo a inflação ou os juros aleatoriamente.
Era brinquedo de pobre, mas todos, até mesmo os meninos ricos, tinham o seu pião. Parece que não existem mais, mas, na minha rua, o guri que não tinha o seu pião e não era mestre no ofício de rodá-lo no chão ou na palma da mão tornava-se qualquer coisa de abominável, um ser hediondo execrado pelos outros garotos.
Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, sabia-se que Hitler não se entregaria vivo aos aliados. A Albert Speer, que foi fiel ao ditador até o fim, ele confessara sua vontade de se suicidar, dizendo que não seria preso para ser exibido, mundo afora, numa jaula, como um animal derrotado.
Ao fazer a revisão para um de seus livros a ser reeditado, Otto Lara Resende deixou uma observação à margem do texto: "Só uma besta se mete a escrever livro!". Meticuloso, amante da forma exata e do pensamento original, Otto sofria o diabo na hora de transmitir aquela prosa que tanto admiramos, mas que, para ele, estava sempre incompleta, insatisfatória, banal.
Há dois tipos de intelectual: o engajado, que, segundo Joãosinho Trinta, gosta do povo, mas por motivos táticos; e o alienado, que chuta para córner as conveniências ideológicas e, como a Chiquita Bacana da marchinha cantada por Emilinha Borba, "só faz o que manda o seu coração". Eventualmente, a sua razão.
Não costumo - nem gosto - de escrever sobre livros neste canto de página. Mas não posso deixar sem registro dois dos mais recentes trabalhos de Alberto da Costa e Silva. Durante anos, em que ele como diplomata de carreira morava fora do Brasil, só o conhecia pela sua poesia, sendo ele filho de outro poeta.
Colar o rótulo de bom ou mau, no fundo, é o ofício humano mais freqüente, aberto diante de cada um de nós diariamente, ou melhor, a cada minuto de nosso cotidiano. Se usamos aquela camisa, se vamos ou não vamos a algum lugar, se falamos ou se calamos, se comemos bife com fritas ou sem elas, nos departamentos mais nobres e nos mais prosaicos, não fazemos outra coisa a não ser navegar entre aquilo que nos parece o bem ou o mal, o necessário ou o supérfluo, o devo ou o não devo.
Quando Vargas criou o salário mínimo, sabia que estava criando um caso, mas comprou a briga. Anos depois, quando aumentou o mínimo em 100%, encarou uma briga com os coronéis que deitaram manifesto, hoje considerado o começo do fim de seu segundo mandato e de sua vida.
No vocabulário dos comunistas de antanho, após o insulto de chamar alguém de "policial", vinha um outro, quase equivalente em carga pejorativa: "agente provocador". Frequentemente eram a mesma pessoa, mas, enquanto o policial entregava companheiros na delegacia mais próxima, o agente provocador criava condições para isso. Dava no mesmo.
Desconfio que já contei esta historinha meio sem graça, das muitas atribuídas ao poeta Bocage - depois de Camões, o maior sonetista da língua portuguesa. São casos geralmente obscenos, ou sujos na maioria das vezes, mas pelo menos um deles tem espantosa coincidência com o assunto mais importante da semana que passou.
Pensamento único é uma droga, mas pior mesmo é o assunto único. Contudo é impossível escapar dele. Não se trata de um sentimento corporativo da classe jornalística, muito menos de pinimba especifica contra um governo que, depois de se mostrar desorientado, começa a se mostrar desastrado.
Um dos raros consensos de nosso tempo é o da ausência de heróis, de gigantes na paisagem humana e intelectual deste início de século. Tirante um desportista excepcional, como Ayrton Senna, um mito como Guevara, um personagem polêmico, mas denso, como João Paulo 2º, o cenário em que vivemos é marcado pela mediocridade de atores, de figurinos e de enredos.
Política é letal como a câmara de gás, a cadeira elétrica, a forca e a empada que matou o guarda. Gosto de reler Lima Barreto e, outro dia, reparei a distinção que ele faz entre a cultura, a economia e a política. Seu melhor personagem, Policarpo Quaresma, paga tributo às três principais expressões da atividade humana.
Quando não tenho nada o que fazer, o que é mais ou menos freqüente para os meus lados, gosto de mexer em guardados, não mais por curiosidade, que não a tenho, mas por necessidade de compreender o processo que me transformou naquilo que sou, contra a minha vontade e, muitas vezes, contra o meu próprio interesse.
Não dá para entender. Poucas vezes na história universal, um homem realmente do povo chega ao poder de forma limpa, insofismável, com o apoio explícito da maioria dos cidadãos e com o respeito obsequioso dos que não votaram nele.