No vocabulário dos comunistas de antanho, após o insulto de chamar alguém de "policial", vinha um outro, quase equivalente em carga pejorativa: "agente provocador". Frequentemente eram a mesma pessoa, mas, enquanto o policial entregava companheiros na delegacia mais próxima, o agente provocador criava condições para isso. Dava no mesmo.
Marcos Vilaça, autor de um clássico de nossa literatura, "Coronel, Coronéis", tornou-se um agente provocador contumaz para os meus lados. Houve o caso do primeiro chapéu, em que o vi num avião para Marselha, na Copa do Mundo de 1998. Parecia um milionário, dono de poços de petróleo no Texas, de rebanhos vacuns na Argentina, de minas de cobre no Chile, de cafezais em São Paulo.
Tantas fiz, tantas indiretas lhe dei, que, para se ver livre, livrou-se do chapéu e mandou-o para mim. Hoje ocupa lugar de honra no meu escritório e, eventualmente, lugar mais modesto na minha cabeça.
Depois foram os lenços de seda finíssima, de grifes sofisticadas, que ele fazia questão, ao me abraçar, de esfregar na minha cobiça. Minha coleção aumentou com o tempo, já tenho quatro e aguardo outros.
Eis que, na semana passada, ele novamente deslumbrou-me penetrando na Academia com um chapéu novo, rigorosamente igual ao anterior. Com uma desvantagem: sem a pátina do tempo, é um chapéu zero quilômetro, não rodado nos muitos caminhos que ele percorre pelo mundo afora.
Apesar da evidente provocação, prometi que não me entusiasmaria pelo seu novo chapéu. Prefiro o antigo, que agora é meu, que com ele subiu nas pirâmides do Egito, penetrou respeitosamente no Taj Mahal, protegeu do sol rigoroso do Senegal a sua bela cabeça de filho de Nazaré da Mata, em Pernambuco.
Vilaça desmentiu, com séculos de atraso, aqueles sacerdotes do templo de Jerusalém que, quando souberam que Jesus era também de uma outra Nazaré, diziam que de lá não vinha nada que prestasse.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) 20/05/2004