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Artigos

  • Isso não vai dar muito certo

    Os problemas brasileiros, como não podia deixar de ser, têm repercutido bastante em Itaparica. Bem verdade que nem sempre essa repercussão coincide com as vigentes em outras partes do País. Toninho Leso, por exemplo, ficou grandemente surpreendido, quando lhe informaram que chamar alguém de corrupto não é um elogio. Como, não é um elogio? Não se deve elogiar uma pessoa que nasceu pobre, teve pouco estudo e hoje é rica milionária, recebida em toda parte e chamada de doutora, ou senão Excelência? Quem não elogia é porque não chegou lá e tem inveja. Se o sujeito se elegeu é porque queria se fazer na vida, como todos os outros que também se elegeram. Agora que ele se fez, somente a inveja é que pode explicar essa raiva que têm deles.

  • Reclamações

    Acabo de passar os olhos nos jornais e, naturalmente, li muito sobre corrupção, mas bem menos que em dias anteriores. É natural, não só foi feita uma faxina, ainda que meio estranha, como, principalmente, o assunto começa a ficar velho. Da mesma forma que em relação a um produto qualquer, cansamos do velho e queremos novidades. O noticiarista tem de matar um leão por dia, se quiser continuar tendo leitores. E aí vem esse papo de corrupção, espocam notícias e fofocas irrequietas e todo mundo entra no bonde, mas não completa a viagem, que acaba ficando chata mesmo, de tão repetitiva.

  • Reforma na corrupção

    Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente. Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de Ali Babá.

  • Avionando

    Vou fazer umas viagens longas de avião e, como aparentemente em relação a tudo de uns tempos para cá, fico matutando em como estou velho. Por exemplo, tenho certeza de que somente os mais velhos (tudo bem, menos moços) terão visto ou ouvido o verbo “avionar”. Deixaram de tentar impingi-lo acho que quando eu era ainda adolescente. Escreviam artigos mostrando como os tempos hodiernos exigiam esse neologismo, sem o qual a comunicação contemporânea ficaria impossível em português, ou contaminada pelos então inaceitáveis estrangeirismos. Houve um certo esforço em implantá-lo, mas acho que todo mundo se sentia meio fresco, quando dizia “vou avionar ao Rio de Janeiro”.

  • Ainda avionando

    É claro que aquele papo da semana passada, sobre saudades dos tempos do bom e velho DC3, é meio fantasioso. Talvez para poder achar que a vida foi melhor do que efetivamente foi, a gente filtra as lembranças, amenizando as más e romantizando as boas. Mas a verdade é que não desperta muita saudade recordar o bom,  o velho DC3 baloiçando ao vento debaixo de chuva, com a senhora ao lado deitando os burros n'água não tão discretamente, a boca colada num saquinho de papel. E as viagens longas eram muito chatas, apesar do serviço de bordo extraordinariamente caprichado sob qualquer ponto de vista, muito especialmente os padrões de hoje. Faziam tudo para entreter os passageiros (cinema a bordo era quase ficção científica), até mesmo a festa da diplomação dos que estavam cruzando o equador pela primeira vez. Recebiam um diploma personalizado, assinado por Netuno, champanhe ilimitada de graça e bagulhinhos sortidos.

  • Lula der Grosse

    Estou em Berlim, chegado de Viena, onde passei cinco dias praticamente sem falar em política, porque o evento a que compareci foi o 9.º Congresso Alemão de Lusitanistas, realizado pelo Instituto de Filologia Românica da Universidade de Viena e pela Associação Alemã de Lusitanistas. Minha participação principal foi uma sessão em que fizemos leituras bilíngues de textos meus, seguidas por uma animada conversa com uma plateia muito simpática.

  • O totalitarismo científico

    “Totalitarismo”, que já teve sua grande voga, é uma palavra hoje pouco usada. Levado pela experiência, fico com receio de que o leitor mais jovem não saiba a que me estou referindo e então dou uma rápida explicação, só para o gasto. Há totalitarismo quando uma organização, geralmente um Estado (“Estado”, no caso, são todos os países politicamente organizados), mas pode ser qualquer outra, como um partido político, pretende assumir controle sobre toda a vida do cidadão, não somente quanto a ideias e sentimentos, mas quanto a comportamento e observação de valores. O totalitarismo já mostrou sua carantonha algumas vezes na História e talvez se tenha pensado que, com a derrocada do nazifascismo e das ditaduras socialistas, ele tenha ido embora.

  • Vida volátil

    Fico escrevendo aqui umas coisas meio paranoicas sobre a evolução tecnológica e aí concluo que me explico mal, porque tem gente que pensa que sou um tecnófobo reacionário, que gostaria de escrever com pena de ganso. Grave injustiça. Fui dos primeiros escritores brasileiros a usar computador para escrever, tripulando um clone nacional (e ordinário) de um Apple II, sem disco rígido e com 148 KB de memória, dos quais o editor de texto comia 120. Com sua tremenda impressora matricial, fazia sucesso e eu recebia visitas turísticas a meu escritório. Sempre gostei de novidades tecnológicas e claro que não sou, nem adianta ser, contra essas novidades.

  • À casa torno

    Estou de volta a solo pátrio. Novamente pela TAP, que desta vez, apesar de a reserva da volta ter sido feita antes da viagem de ida, me botou em standby na troca de avião em Lisboa e tive problemas não só para embarcar como, depois disso, para conseguir sentar junto a minha mulher. Talvez alguém na companhia haja com isso se vingado do que contei aqui na semana passada, sobre a comida que acabou, no voo de ida. Que é que vou fazer, não é calúnia, é a pura verdade. Havia três opções no menu: lasanha, filé de badejo e cassoulet de carne mas, mas as nossas poltronas eram as últimas e, quando chegou a nossa vez, tanto a lasanha quanto o badejo tinham acabado. Imagino que, se isso acontece com frequência, o diálogo entre a comissária de bordo e o passageiro ameaçado de jejum, deve ser assim:

  • Intervalo

    O ano, para surpresa ou susto de muitos, acabou. Claro, ainda virão a comemoração do Natal e as festas de ano-novo (antigamente se dizia também “ano bom”; porque será que isto caiu em desuso?), mas a árvore da Lagoa já cintila e já há um cheiro de fim de ano no ar. O sorriso e o calor no peito trazidos pelo 13.º se irradiam entre as multidões que vão e vêm diante das vitrines, os táxis ficam um pouco mais difíceis, o gerente da padaria entrega sorridente seu calendário para os fregueses fiéis, com um Cristo louro, de olhos azuis revirados, ilustrando máximas judiciosas e conselhos pios.

  • Feliz ano-novo

    Este ano tanto o Natal quanto o ano-novo caíram num domingo (desculpem, não sei dizer se eles sempre caem no mesmo dia da semana e, portanto, não estou lembrando novidade nenhuma; tentei fazer as contas, mas não acertei, o finado Cuiuba tinha razão, sou meio fraco da ideia), ou seja, dia em que estas linhas modestas são publicadas. No domingo passado, minha intenção era escrever outra vez sobre o Natal e desejar a vocês boas festas, mas devo ter sido novamente acometido por um dos meus ridículos arroubos cívicos e trocado de assunto sem querer. Volta e meia, escrever é assim. Quando se vê, a desgraça já está feita.

  • Saindo de férias

    Este ano, como sempre, vou viajar nas férias. Mas desta vez acho que lamentarei um pouco o afastamento daqui do terraço. Há muito tempo não lhes conto os acontecimentos no terraço, há novidades. Herculano, o gavião que volta e meia fazia ponto na esquina do alambrado, sumiu de vez. Em compensação, estabeleceu-se nas redondezas o casal de sabiás Wanderley e Ademilde, que deve ter ninho aqui perto e apresenta alguns duetos admiráveis, de manhã cedo e ao entardecer. Instalou-se também um clã de bem-te-vis, chefiado por Arnaldão, bem-te-vizão parrudíssimo, maior que certos pombos, e por Hildete, sua esposa, igualmente fortezinha e disposta.

  • Muitas novidades – 1

    Eis-me de volta e parece que foi ontem que saí de férias, sensação agravada pela circunstância de que não cheguei a descansar. Por mais que eu tente, o repórter que nunca consegui ser, mas sempre invejei, insiste em pedir outra chance e, mesmo sabendo que mais uma vez não vai dar certo, acabo cedendo. Não parei de cobrir os acontecimentos locais e de me inteirar das novidades para passá-las aos leitores, sempre ávidos por saber como estão as coisas lá na ilha. É muito material e não sei se o espaço será suficiente, mas claro que não perderei a oportunidade de demonstrar um tremendo esforço de reportagem, o que sempre foi meu ideal jornalístico.

  • Muitas novidades 2

    A história do pai desnaturado que anunciei no domingo passado me foi contada como verídica. Em Itaparica, ninguém mente, de maneira que com certeza é mesmo. Trata-se do pungente drama vivido por uma família cujo sobrenome, muito importante para o desenrolar dos acontecimentos, aqui será mudado, para não causar problemas. Deu-se que, em certa época, em certa localidade da ilha, um jovem pobre, mas muito trabalhador e esforçado, subiu na vida e criou coragem para pedir em casamento a filha mais nova dos Pimentéis, orgulhosa família descendente de barões do tempo das baleias e de nariz franzido tão empinado que o povo chamava a matriarca de "Quem Bufou?". A família fez tudo para que o noivado não se concretizasse, mas a moça também estava apaixonada pelo rapaz e não houve jeito. Acabou, para se livrar de mais chateação, cedendo a uma exigência do velho "Foi Você" (apelido natural para ele: a velha fazia cara de "Quem Bufou?" e depois o velho vinha atrás, olhando para todo mundo com cara de "Foi Você"). Tudo bem, haveria o casamento, mas nenhum dos filhos do casal levaria o humilde "dos Santos", sobrenome do rapaz. Portariam o orgulhoso Pimentel, mas nada de Santos.