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Artigos

  • O velho lobo

    O Globo (São Paulo - SP) em, em 01/02/2004

    No momento em que remeto mais este despacho, diretamente da Denodada Vila de Itaparica, ainda nos encontramos sob o acabrunhante impacto do desempenho da chamada seleção pré-olímpica frente ao Paraguai. Nessas questões patrióticas, a ilha sempre foi muito rigorosa e vai ser difícil a gente esquecer a vergonheira. A opinião geral é de que nenhum time daqui, inclusive o glorioso Papo (Pernetas do Alto das Pombas, informo a quem não acompanha direito o panorama futebolístico brasileiro), teria desonrado a nação de maneira semelhante e que um bom regime soviético até podia mostrar alguma serventia nesse particular.

  • Velhinho em folha

    O Globo - (Rio de Janeiro - RJ) em, em 18/01/2004

    Vai ter reclamação. Sempre tem reclamação, quando me declaro velho. Vem de leitores com mais idade do que eu, que me consideram um infante mal saído dos cueiros e vêem no que digo a insinuação de que já estão mais ou menos com um pé na cova. Nunca pretendi fazer tal sugestão, mas compreendo que reajam dessa forma e até parei de me chamar de velho. Agora, contudo, é oficial, está na lei. Não a li, mas é do conhecimento público que quem tem mais de sessenta atualmente se enquadra na categoria de idoso, ou seja, velho mesmo. Isto quer dizer que sou idoso há três anos e, portanto, se não posso ter-me na conta de veterano, não há como classificar-me de calouro.

  • As famosas quem

    O Globo - (Rio de Janeiro - RJ) em, em 11/01/2004

    É domingo e, como em todos os domingos, deverei comparecer ao boteco, item indispensável em minha agenda cultural. Não, não é preciso me de-nunciar como uma ameaça aos bons costumes e à saúde dos que acham que meu exemplo é seguido pela juventude ou mesmo pelos coroas do meu tope. Não só não acredito que meu exemplo seja seguido por ninguém como não estou recomendando que se encha a cara todos os fins de semana, ainda por cima chamando isso de atividade cultural. Já há bastante tempo, para espanto geral (inclusive de um senhor desconhecido que, incrédulo, se dirigiu um dia desses à minha mesa e cheirou minha bebida, aproveitando para fazer uma lavagem nasal e me obrigando a trocar de copo, eis que, talvez preconceituosamente, não bebo lavagem nasal nem minha, quanto mais dos outros), venho tomando porres exclusivos de guaraná, no qual posso me considerar experto (esta palavra existe, escrita desta forma, e só a estou empregando para me exibir mesmo) e creio já reunir qualificações para assumir um emprego de degus-tador numa firma do ramo ou assinar uma coluna para apreciadores.

  • Alegria, alegria

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 14/12/2003

    Recebi reclamações sobre o domingo passado. Fui, principalmente, acusado de estar de mau humor. Vejo-me obrigado a concluir, como era costumeiro antigamente, que o freguês tem sempre razão. Que história é essa de fazer comentários desalentados sobre o mundo em que vivemos, quando basta mudar os filtros com que observamos a realidade? Grande verdade, que se incute em minha mente de maneira irrefutável, enquanto saio mais uma vez de uma sessão com um dos conceituados membros de minha malha médico-odontológica, onde apenas uma horinha de tortura me aguardava, como, aparentemente, me aguardarão muitas e muitas outras dessas ocasiões educativas, numa quadra da existência em que cada vez mais tempo é dedicado à manutenção. É, egoísta e autocentrado é o que sou. Fico chateado porque, seguindo a ordem natural das coisas, tudo em mim começa a despencar e, entre muitas outras medidas de contenção de encostas, atacam minha mandíbula com uma Black & Decker e aí desconto em cima dos leitores, que não têm nada a ver com isso.

  • A tecnologia facilita muito a vida

    O Globo (Rio de Janeiro -RJ) em, em 30/11/2003

    O astro-rei esparge seus raios dourados pela fímbria do horizonte e amanhece um novo e estimulante dia de trabalho. Diligentemente, o escritor se posta com orgulho diante de seu possante computador, dotado de moderníssimos recursos tecnológicos. Sim, o escritor usa a também moderníssima banda larga em sua máquina e, portanto, pode trabalhar conectado permanentemente à internet, o que lhe possibilita acesso quase instantâneo ao oceano de dados lá disponíveis para pronta consulta e garante que sua nobre missão não falhará, no momento em que necessitar fornecer alguma preciosa informação a um vasto público sequioso de conhecimento.

  • Democracias modernas ou ditaduras mesmo?

    O Globo (Rio de Janeiro -RJ) em, em 23/11/2003

    Sim, não vivemos numa ditadura. Por exemplo, hoje, havendo amanhecido com a certeza de ter motivos para falar mal do governo, posso fazê-lo livremente. Mas liberdade de expressão, ao contrário do que muitas vezes parecem querer que acreditemos, não é um presente do Estado, é um direito básico. Esse direito é (para usar o demonstrativo da preferência do presidente Lula, em lugar de “este”, como em “esse país”, expressão há muito tempo empregada por ele ao falar no Brasil e que soa sempre como proferida por alguém que observa a gente de uma perspectiva distante), como não podia deixar de ser, reconhecido por este jornal (esse também, seguramente, embora só esteja me referindo a este) e amparado na configuração jurídica do regime, também como não podia deixar de ser.

  • Em perigos e guerras esforçado

    O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em, em 12/10/2003

    Algo me diz que já escrevi um ou mais textos com o título acima, talvez publicados aqui mesmo. Sabemos que Algo mente muito, mas é também freqüente que lhe assista razão, como suspeito ocorrer no presente caso. Disponho da desculpa meio esfarrapada de que são palavras de Camões e, portanto, sujeitas a freqüentes repetições, mas estaria mentindo se a usasse, porque o fato é que não me lembro e, assim, devo desculpas ao leitorado, que pelo menos tem o direito de não se defrontar, volta e meia, com a mesma coisa. Mas creio que a repetição se limita ao título. Bem verdade que, como vou fazer em seguida, falarei de novo na malha médica que me sitia. Mas é que tenho novidades. Não é que, inopinadamente, a dita malha médica acaba de aumentar? É o que estou lhes dizendo; sei que parece impossível, mas é a pura realidade. Estou agora de fisiatra e fisioterapeuta. Meu joelho esquerdo pifou e o direito parece disposto a seguir-lhe o exemplo. Ainda consigo andar, mas com a elegância de um pato caquético e sob a ameaça, em minha cabeça sempre delirante, de que ambos despenquem enquanto eu atravesso uma rua aqui perto de casa chamada pelos mais íntimos de Roleta Russa, dado o empenho com que os motoristas dos carros que nela entram procuram atropelar os passantes.

  • Cada vez mais protegidos

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 28/09/2003

    Já foi moda chamar o Brasil de "país dos bacharéis". Mas as novas gerações, aparentemente, ficaram com os economistas, porque essa profissão, outrora pouco prestigiada, virou a nossa mentora mais visível. Temos sofrido, nas últimas décadas, todos os tipos de astros da ciência econômica.

  • Nada como um dia depois do outro

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 14/09/2003

    Acho que, por certas coisas, a gente paga a vida toda. O pugilo de bravos que lê esta coluna há algum tempo deve lembrar que já mencionei aqui o fato de que, durante uma fase mais ou menos breve de minha juventude, fiz grande força para ser comunista. Incluo-me até mesmo entre os raríssimos heróis que já encararam O Capital e tentaram lê-lo até o fim. Achei, em emocionante caça clandestina, um exemplar em espanhol que até hoje está comigo, em algum lugar do pandemônio de livros do meu gabinete e fingi não haver sido intimidado por suas mais de 1.600 páginas. Não cheguei ao fim, confesso. Mas fui mais longe do que a maioria dos que tentaram a temerária empreitada, embora, verdade seja dita, não me recorde de nada, ou quase nada.

  • A pátria amada

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 07/09/2003

    Hoje, por ser domingo e não se trabalhar de qualquer jeito, creio que pouca gente vai lembrar que é o 7 de Setembro, antigamente muito chamado, mas hoje pouco, de Dia da Pátria. Recebo cartas e sugestões de amigos e leitores, parecem que esperam de mim uma crônica ou artigo de grande impacto e veemência, em nome do aniversário, ainda que contestado por alguns, do nosso país, ou "deste país", como gosta ou gostava de dizer o presidente Lula. Há até quem espere que eu exponha dados, que por sinal não tenho, sobre a sugestão de que há e sempre houve sabotagem de fora no programa espacial brasileiro e aclare tudo de forma definitiva, como prova de que precisamos cada vez mais de união, porque o Brasil tem inimigos por toda parte. Há mesmo quem ache, que, neste espaço, eu posso resumir análise e opinião abrangentes sobre nossos problemas e nosso futuro.

  • Tentemos o hipnotismo

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 24/08/2003

    Ai, Deus meu, estive na Bahia, minha terra, para participar da Bienal do Livro de Salvador e fiquei sem ler jornal nenhum, nem os de fora nem os locais, durante dois dias. Várias vezes, correndo o risco de ser acusado de cuspir no prato e torcer pela extinção de meu próprio ganha-pão, comuniquei aos pacientes fregueses desta coluna que ficava tão nervoso e angustiado, ao ler jornais, que abandonaria a prática na semana seguinte e aconselhava o mesmo a todos os que quisessem preservar o que ainda lhes restava de sanidade mental e emocional. Mas, claro, não posso deixar de ler jornais, não só por vício como por necessidade, assim como não pode a maioria dos outros leitores.

  • Até isso eles vão tomar

    O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em, em 17/08/2003

    Ninguém está satisfeito com o que tem. Acho que faz parte da natureza humana, daí a sabedoria popular concluir que a galinha mais gorda é a do vizinho ou, entre os povos de língua inglesa, que a grama sempre cresce mais verde do outro lado da cerca. Todo ano nos acostumamos a ver compatriotas sulistas, no dia em que neva um tiquinho numa montanha de Santa Catarina, pular naquelas pedras embranquecidas, fazendo tudo o que já viram no cinema ou mesmo nas histórias em quadrinhos. Tem gente que até larga o trabalho em outras regiões e tira uns diazinhos de férias só para ver a neve lá do Sul. E, suspeito eu, temos uma espécie de inveja coletiva dos climas onde borrascas de neve soterram carros e lagos congelam para se patinar alegremente.

  • Sob o império da lei

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 03/08/2003

    Ainda meio inseguro quanto à compreensão do que pretendo escrever abaixo, taquei o título aí em cima e continuo inseguro, embora um pouco menos. O título parece com os dos filmes de caubói de antigamente, quando cidades do tempo do bangue-bangue nos Estados Unidos viviam entregues a bandidos que usavam tiros até para matar baratas (Glenn Ford uma vez matou uma, enquanto relaxava numa banheira, com o inseparável Colt 45 ao lado; assisti pessoalmente, embora não lembre o título do filme) e temo que o que vou dizer seja tido como uma exortação à transformação dos nossos grandes centros urbanos em cidades do faroeste.Mas claro que não farei uma exortação desse tipo e a razão é bastante simples. Em primeiro lugar, o que parece não ter importância alguma, sou contra a violência. Em segundo lugar, menos um pouco desimportante, estamos há muito tempo em falta de mocinhos, em todos os níveis de Governo. E, agora sim, importante, já vivemos nessa situação há muito tempo. Somos cidades de faroeste, diferençadas apenas por detalhes, como carros e motocicletas, em vez de cavalos, e a ausência de coldres recheados à mostra. De resto, basta pensar e ver que, em cidades onde morre mais gente baleada do que em países em guerra, só podemos ser uma espécie de faroeste.

  • Pais e filhas num boteco do Leblon

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 27/07/2003

    - E o Messias, que tem quatro? Tu manja o Messias, um que só vem aqui de vez em quando, mas é freguês antigo. Um magrelo, de bigodinho igual àqueles bigodinhos de antigamente, um que usa camisa do América.

  • Cadê o futebol?

    O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em, em 20/07/2003

    Todo santo dia, os meios de comunicação publicam matérias sobre a decadência do nosso futebol. O futebol carioca, então, nem se fala, porque os grandes times do Rio estão em situação ainda pior do que a de outros Estados. E, de fato, mesmo os maníacos, que têm tevê a cabo, pay per view e parabólica e não perdem um jogo, ou os mais fanáticos, que ainda enfrentam os perigos que ameaçam os grandes estádios em dias de jogo, não podem negar que, atualmente, assistir a um jogo de futebol não é mais a mesma coisa e às vezes fica mais chato do que a exibição das fitas de vídeo que um casal de amigos fez de sua excursão pela Europa, onde os narradores são ela e ele discutindo e falando ao mesmo tempo e ele confundindo Bruxelas com Barcelona - "não sei por quê, deve ser por causa dos nomes, Barcelona, Bruxelas, para mim o som é parecido, só pode ser isso".