Eu sou leal
O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, em 18/04/2004
Estava demorando um pouco, mas acabou aparecendo neste governo também. Como se sabe, a imprensa é culpada de tudo o que acontece de ruim. Tem sempre sido assim e não vai mudar. Volta e meia alguém se lembra de que o jornalismo é uma profissão perigosa, mas pouca gente de fato se preocupa com isso, até porque o perigo só é visível para a maioria quando os jornalistas estão cumprindo missões como a cobertura de guerras. Mas o perigo é bem mais amplo e, nesta minha já não tão curta vida, tenho sabido de jornalistas assassinados, agredidos, presos e até obrigados a um tipo de gastronomia peculiar à øprofissão: comer o jornal em que se escreveu alguma coisa que causou o problema denunciado. Comer jornais pode até não ser tão usual hoje em dia, a não ser que o Fome Zero tenha feito mais progressos do que os divulgados, mas, quando comecei a carreira, na Bahia, era corriqueiro, principalmente no interior. Acredito que, com a crescente desvalorização da vida, esse costume vem sendo substituído pelo assassinato mesmo. Sai mais prático e sem tantos problemas, eis que matar ou mandar matar alguém está muito fácil hoje em dia e, segundo me contam, a concorrência é tal que o serviço pode sair por algumas poucas centenas de reais, talvez pagos com cheques pré-datados ou vales-transporte.