Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Acadêmicos > Maurício de Medeiros > Maurício de Medeiros

Maurício de Medeiros

O CASO BRASILEIRO

Na sua imensa extensão territorial o Brasil constitui um dos casos mais interessantes sob o ponto de vista de sua formação nacional: - é a sua perfeita homogeneidade sociológica. Se a escravidão foi uma vergonha social e um grande embaraço ao seu desenvolvimento econômico, a demora que ela opôs à formação de correntes de imigração, deu tempo bastante a que se estabelecesse uma completa unidade nacional, antes da chegada dos núcleos imigratórios de elementos étnicos diversos, oriundos de velhas nações européias, diferenciadas entre si por fatores materiais e morais de toda espécie. Assim, quando estas correntes começaram a afluir ao Brasil, já encontraram formada uma verdadeira consciência nacional, que rapidamente as assimilaria. Em vez, pois, de suceder conosco o que se passou com outros países de imigração, onde a diversidade de raças, costumes, hábitos morais, religião tornaria difícil a homogeneidade nacional, aqui, o Brasil foi uma imensa retorta, onde os imigrantes rapidamente seriam fundidos num só grande povo dentro de uma estrutura social já esboçada pela tradição.

E aí está porque a História de nossa formação mostra a inutilidade de todas as tentativas de colonização por outros povos que não os primeiros colonizadores. E aí está porque, menos que Portugal, foi o próprio Brasil quem se defendeu contra essas invasões estranhas àquilo que já no Brasil-Colônia podia ser considerado o sentimento nacional brasileiro.

As pequenas distinções de talhe, de linguajar, de folclore, que os nossos etnólogos procuram encontrar, não têm na unidade brasileira, maior repercussão que as distinções susceptíveis de ser assinaladas na unidade de uma família pelo caráter individual de cada um de seus componentes.

Toda a História do Brasil é uma longa demonstração documentada de um sentimento nacional uníssono, de Norte a Sul do país, nas várias oportunidades em que, do Norte e do Sul, os brasileiros correram uns em socorro dos outros.

Quando, pois, se estuda qual a forma de governo sob a qual pode melhor viver esse grande povo, tem-se de considerar em primeiro lugar qual o sentimento dominante na sua psicologia coletiva.

Esse sentimento é o de um grande amor à Liberdade!

Se a formatação nacional brasileira tivesse resultado da ação predominante de um chefe, civil ou militar, um desses caudilhos, que andaram pela América do Sul a fundar nações - , o respeito a um chefe - guia e condutor teria gerado no povo a passividade às formas autoritárias de governo, tais como elas se constituíram nas nações sul-americanas.

O Brasil, porém, jamais teve um chefe. Formou-se por uma impulsão espontânea do próprio povo. Foi criando, na ausência de qualquer mando autoritário, a sua consciência nacional. Quando se constituiu em Nação independente, o regimen de opinião livre não precisou ser inscrito artificialmente em textos constitucionais: - já estava nos hábitos e nas tradições do Povo!

Foi, pois, uma aberração, contrária à nossa tradição e aos nossos hábitos, a instituição dos autoritarismo de regímen presidencial no Brasil!

*

Essa discordância entre a forma autoritária do governo, que é o presidencialismo, e o verdadeiro sentimento nacional, foi que gerou toda a intranqüilidade dos 40 anos de República, no Brasil. Percorra-se a lista cronológica dos Presidentes. Não há um que tenha podido governar sem apelo à medida vexatória e humilhante do estado de sítio. O único, que a evitou, para não prejudicar a obra financeira de revigoramento de nosso crédito no Exterior, foi Campos Salles. Mas este mesmo não escapou às tentativas revolucionárias consubstanciadas numa conspiração abortada!

Eu não sei nem compreendo como possa haver quem, refletindo seriamente sobre os fatos históricos, possa achar possível a volta ao regime presidencial, sem o risco de "OUTRAS REVOLUÇÕES" ...

Compreendo que os que tomaram conta da máquina presidencial achem o maquinismo perfeito e o queiram manter, para prolongar seu domínio pessoal.

Mas que eles não se iludam!

O sacrifício feito pela Nação, nestes longos meses de desordem revolucionária, não será em beneficio de classes, de grupos ou de mandões novos. OUTRAS REVOLUÇÕES VIRÃO, se se tentar restabelecer, pura e simplesmente, o mesmo regímen de autoritarismo presidencial, com a troca de pessoas!

Não é uma ameaça, o que esta minha afirmativa encerra. Nem um escritor tem em mãos força que lhe permita ameaçar. É uma dedução fria, serena, imparcial, tirada na calma do gabinete de trabalho, após o exame meticuloso do que a História da nossa formação nos dá a apreciar.

Não é uma ameaça: é um prognóstico!

*

Joaquim Nabuco, estudando os acontecimentos do 7de abril, com a sua enorme penetração, sociológica: "Sem as vanguardas não se fazem revoluções. Com elas não se pode governar! ..."

Dominique, diz no mesmo sentido: "Numa revolução, o difícil não é conquistar a vitória: - é saber organizá-la ..."

Porque as vanguardas, no ímpeto de vitória, querem manter, na tentativa de construção posterior, o mesmo elã de desordem que as levou a derrubar o adversário.

Neste momento, entretanto, o que cumpre é o exame das causas primeiras, as que originaram no seio do Povo o ambiente de revolução.

Iludem-se os revolucionários, quando pensam que foram eles sozinhos, tocados por um ímpeto de ação, que geraram a sua vitória.

Nos acontecimentos sociais, uma Revolução é desses, em que múltiplas são as circunstâncias que a favorecem ou impedem. O próprio adversário, nos seus erros, é um dos mais eficientes colaboradores ...

Colha um botânico uma semente selecionada de determinada planta e a entregue à ação germinativa do solo. Regue-a com todo o cuidado. Trate-a com o maior de seus carinhos. Se o solo não oferecer as condições propícias à germinação, pode ser ótima a semente. Solo, temperatura e umidade do ar, ambiente, em suma, - eis as condições indispensáveis à germinação

Para que uma Revolução vença, é indispensável que o meio em que a sua semente seja lançada, contenha todas as condições necessárias à germinação.

Se a Revolução de outubro venceu - e isso o deixamos demonstrado nas páginas anteriores - foi porque o ambiente brasileiro lhe foi propício. Por que? Porque, cansado do regimen despótico que é o presidencialismo.

Mantenha-se, na ação reconstrutora, essa mesma ânsia de libertação: respeitando as aspirações tradicionais do Brasil e o seu visceral amor à Liberdade.

Os jovens revolucionários, que tomaram a vanguarda da vitória, embora nem todos tenham tido a mesma posição vanguardeira durante a longa luta contra o autoritarismo, mostram-se deslumbrados com fórmulas novas, cuja experiência vai sendo funesta, onde tem sido tentada. Outros, esquecidos de que a força motora, que os impulsionou para a vitória, foi o ideal de Liberdade, comprazem-se no sonho de uma dilatada ditadura!

Creio na sinceridade de todos eles, no seu desejo de buscar a perfeição para o progresso do país.

Seria, entretanto, necessário que todos meditassem sobre a exata significação das cousas e não se deixassem embalar pelos vocábulos sonoros e ocos, nem pelas inovações reacionárias, com que, no fundo, as classes sociais dominantes procuram combater o surto triunfante da democracia.

O mundo civilizado não comporta mais formas de governo, que cultivem a Autoridade restrita de uma classe, de um Partido ou de um indivíduo.

As nações se governam pelo jogo de todas as opiniões. O Brasil foi um país feliz na sua política interna e caminhava seguramente para um grande desenvolvimento econômico, quando a "deformação republicana", na esplêndida expressão de José Maria dos Santos, lançou a perturbação na vida nacional, sob a forma de um regimen de autoritarismo.

É no exame dessas condições do Passado, que temos de buscar as lições para o Presente.

O governo representativo de forma parlamentar foi o adotado por todas as Nações que tiveram de se organizar no ambiente social moderno. Enquanto dele gozamos, tivemos paz e tranqüilidade. Estas desapareceram logo que dele nos privamos. A lição é clara, simples, intuitiva, Só a ignorância ou a má fé podem desprezá-la.

(Outras revoluções virão, 1932)