RESPOSTA DO SR. OLIVEIRA LIMA
Senhor Dr. Artur Orlando,
Acedendo à vossa escolha e designando-me para responder, em nome dos nossos confrades, ao vosso discurso de recepção e desejar-vos as boas-vindas no nosso grêmio, a Academia Brasileira confiou-me, podeis estar certo, não só uma honrosa como uma gratíssima incumbência. As simpatias literárias não precisam, para vingar, de outro alimento além da emoção subjetiva, mas é evidente que só pode vigorá-las e contribuir para sua maior resistência o elemento objetivo representado pela amizade pessoal entre os que intelectualmente se estimam.
Recordastes com expressões afetuosas que as nossas relações datam de vinte anos – podíeis dizer dos 20 anos – e que da Europa eu vos dirigia então um público agradecimento pelo prazer que me proporcionara a leitura da vossa Filocrítica. Crítica amável, era a que fazíeis na idade em que se é tão facilmente agressivo, porque sentimos em nós ânimo para levar tudo de vencida, idéias e opiniões, crenças e tradições – empresa aliás de êxito seguro quando nada há que se nos não afigure cair de velhice ao lado da nossa mocidade triunfante. Crítica amável é a que ainda hoje habitual¬mente fazeis, jornalista e publicista de renome, no diário e no opúsculo, deixando de lado as personalidades que são as que provocam o debate odiento, para só examinar fatos e analisar princípios, cuja discussão pode ser viva, apaixonada mesmo, mas nunca é escandalosa nem soez.
Ainda me recordo, e bem, da impressão que me produziu vossa primeira obra, uma das primeiras sobre que escrevi. Trazia conchegados sob sua capa vermelha bafejos fragrantes da nossa terra comum, e pelas suas paginas cobertas de caracteres miúdos corria o sopro ardente da chamada Escola do Recife, dessa empresa de renovação mental do Brasil montada por Tobias Barreto e de que vos tornastes desde logo um dos agentes mais laboriosos e melhor reputados.
Nem a terra nem a escola me eram estranhas, se bem que respirasse sob outro céu e estudasse noutro meio, em que era a mesma a língua, mas as preocupações distintas. Meu círculo de família bem como meu círculo de amizades formavam pedaços transplantados desse Pernambuco que mais fascinador me aparecia ainda a distância, visto com as lentes da história e à luz das impressões dos viajantes, que todos lhe gabavam a amenidade do clima, a doçura da vida, os encantos da sociabilidade; que falavam dos seus patrícios, desde Duarte Coelho e Bernardo Vieira de Melo até Araújo Lima e Maciel Monteiro, como de homens de alma generosa, de elevação política e de maneiras fidalgas; que descreviam os zelos do poderio, os ciúmes de casta, os melindres de nacionalidade e os anelos de liberdade que levaram aquela gente a repelir corsários inimigos, expulsar ocupadores estrangeiros, embarcar capitães-generais, avassalar reinóis e, mau grado as deportações, as prisões, as forcas e os fuzilamentos, afirmar uma vez a autonomia política e outra vez estabelecer a República, antes que o Brasil proclamasse sua Independência.
Nesse Pernambuco, sempre pugnaz, como o enxergamos ao fazer a história retrospectiva, onde se mediram índios com portugueses, portugueses com franceses, ingleses e holandeses, nobres com mascates, nacionais com europeus, jacobinas com realistas, federalistas com unitários, democratas com cabanos, guabirus com praieiros, conservadores com reformistas, leões com cachorros, republicanos com monarquistas, cabia bem que o filósofo da Escada atroasse os ares com seu clarim vibrante. Depois de haver concitado os espíritos à defesa da fronteira do Sul e à desafronta do brio nacional, o instrumento de guerra, uma vez subjugado o destemido atacante estrangeiro, chamava os espíritos sôfregos de emancipação a destronarem velhas fórmulas para aclamar novos ideais repassados desse germanismo que também se purificara por um batismo de fogo, e ostentava os louros da vitória estrondosa alcançada sobre o romanismo exangue.
Sob a modelagem daquele grande espírito, para o qual não tinha a natureza direito de conservar mistérios e a cujo ouvido deviam as coisas murmurar todas o seu segredo, que ele se encarregaria de divulgar na forma que lhe era tão pessoal, num estilo que se diria temperado com o mel das nossas uruçus, pois que a ironia lhe ajuntava o mesmo travo emprestado ao néctar das flores pelo fabrico dessas abelhas selvagens, o vosso feitio tornou-se invariavelmente filosófico.
É claro que em vós existia a propensão decidida para indagar das causas primeiras e das razões últimas ou vos teríeis contentado, como o poeta a quem sucedeis ou o outro poeta cujo nome marca a cadeira que vindes honrosamente ocupar, com dizer dos vossos arroubos e com cantar a paixão erótica ou a ternura discreta. Porque é curioso, e dir-se-ia um chasco do Deus que invocastes segundo Platão, que fostes assim chamado a exaltar dois líricos, quando vosso espírito é alheio à projeção restritamente poética da sensibilidade e vossa produção literária estranha às exuberâncias da versificação.
Não vos furtastes à tarefa, que se não era ingrata seria menos tentadora para vossa maneira, inclinada à meditação científica, e a Academia de agradecer-vos o sacrifício, se o foi, tão elegantemente consumado, porquanto ajudastes a reatar uma tradição, tanto mais preciosa quanto as Academias – a observação é antiga – vivem das formas; e aquela precisamente constitui a consolação póstuma da vossa vaidade individual.
Podiam faltar-nos saudades de companheiros e elogios fúnebres de jornais: os que sobrevivem ao seu tempo e desertaram a liça desaparecem ermos de amigos e falhos de popularidade.
A popularidade é ainda mais efêmera do que as amizades. A nossa imortalidade acadêmica, tão precária no geral, só possui a garantia do panegírico, embora crivado de epigramas e bordado de malícia, aqui pronunciado pelo que nos recolher a sucessão, leve ou pesada.
Bem fizestes, pois, Sr. Dr. Artur Orlando, em enaltecer Junqueira Freire e Franklin Dória, os amigos poetas. Eros há de pagar-vos o terdes anuído a encomiar dois dos seus melhores adoradores, transpondo a colunada do seu templo com a vossa oferenda de filósofo – uma grinalda tão louçã como a entrelaçada por qualquer namorado; tributo bem desinteressado visto que antevedes dissolvendo-se em éter sua estátua branca de mármore de Pentélico.
Pelo fervor com que celebrastes o amor, chego contudo a desconfiar que sois um poeta incubado, um lírico cedo desviado de sua trajetória natural pelas preocupações morais. Com efeito, vosso segundo livro de mocidade não foi feito de sonetos, sim de pensa¬mentos. Chamastes vosso Álbum essa série de páginas soltas em que o sociólogo prima mesmo o moralista, sem renegar, entretanto, a emoção, que é meio caminho andado para a poesia.
Tanto é que a conservastes na vossa carreira literária, que encontrastes hoje acentos justos e entusiásticos para descrever-nos as torturas do sentimento, as crises de concupiscência e os assaltos de dúvida do poeta-monge, bem como os quadros panteístas, os suaves enlevos e os castos êxtases do tradutor de Evangelina. Encontrastes mais do que isso, que em suma podia ser efeito de uma sugestão pessoal de piedade pelo bardo alucinado de paixão ou de simpatia pelo vate tão seguro da felicidade.
Ao segundo não admira que tão fundo lhe houvésseis pene¬trado na alma. Tendes com ele numerosos pontos de contacto na gravidade da vida, na dignidade de proceder, na variedade das matérias de aplicação mental, no que definistes por bravura moral, menos vulgar e mais difícil do que a física, porque a não estimula o aplauso, antes a arrefece o silêncio da própria simpatia. Como o Barão de Loreto, sois ditoso em possuir ao vosso lado a companheira dedicada, a mulher superior pela inteligência e pela fortaleza, pela bondade e pelo afeto, que compartilha os vossos triunfos e as vossas magoas, alimenta as vossas esperanças e abranda as vossas decepções.
Ao primeiro é entretanto certo que igualmente lhe surpreendestes todas as crispações da sensibilidade. Não fazeis versos, não juntais rimas, é verdade; mas não desabrocha porventura vosso lirismo sob a ação do monismo do universo, pela compreensão das conexões íntimas que enxergais, relacionando entre si as coisas cósmicas e as coisas sociais, as ciências exatas e as de previsão, a Biologia e a moral? Não acabastes de chamar poesia da ciência à Filosofia, num quadro complexo e todavia luminoso que seria de natureza a justificar a vangloriosa asserção de um eminente consócio nosso, de ser a capacidade sintética característica da raça latina?
Não serei eu, portanto, quem vos despoje do epíteto, que de preferência vos cabe de filósofo. Serdes filósofo é no nosso país uma distinção e no nosso grêmio quase uma singularidade. Somos pouquíssimos os dessa espécie, muitos aqueles para quem são terras pouco exploradas as elevadas regiões do pensamento, para as quais nos arrastastes há pouco cortando um mundo de átomos, moléculas, células, organismos, cerebrações, forças psíquicas, onde respiram um ar rarefeito as inteligências podadas pela especialização, cultivadas em limitadas altitudes.
Conheceis que sentido pejorativo andava, talvez ande ainda, associado ao epíteto de filósofo. À simples menção do termo acode a muitos a idéia de um Diógenes, mal vestido em vez de despido, desde que a moral pública só na arte consente a nudez, provocando os rigores da higiene com a sua falta de asseio corporal, excêntrico nos hábitos e misantropo nas concepções. Velásquez deixou-nos a imorredoura representação artística desses farroupilhas cínicos e sarcásticos.
A hora da reabilitação já soou, porém, para o filósofo, como para o cômico. O geral da gente já se não apavora quer de um, quer de outro. A Filologia ganhou mais uma batalha; venceu o seu princípio etimológico. Vós sois um exemplo de que se pode ser filósofo e ao mesmo tempo sociável, tratável, homem de família, coração meigo, excelente camarada, jornalista bem educado, até deputado.
Um filósofo deputado! Como se não espantariam do espetáculo os da Constituinte de 1823, que da Filosofia só tratavam de extrair-lhe o suco com que, ervando-as, tornavam terríveis as suas setas oratórias, envenenavam suas declamações liberais? Que animal raro não seria um filósofo de profissão entre aqueles padres republicanos, aqueles capitães-mores enfatuados, aqueles desembargadores saturados de pandectas! Da filosofia da Revolução essa gente tinha digerido a polpa sentimental sem morder a semente metafísica: o Contrato Social lhe fora repasto substancial sem que libasse o licor capitoso do racionalismo. Políticos até à medula, de uma feitura que aos poucos foi degenerando para maior parte na politicagem, na compreensão estreita dos interesses partidários, mesmo porque os partidos constituíam agrupamentos disciplinados de opiniões e ambições, os antigos, como freqüentemente sucede aos modernos, não separavam os princípios das pessoas, as fórmulas daqueles que os encarnavam no grande tablado nacional ou nos pequenos palcos provincianos. Neles era, porém, mais natural o sestro. Tachariam de impossível discutir idéias sem envolver indivíduos, como vós hoje sistematicamente fazeis, subindo até às alturas no espaço donde se domina a paisagem sem se distinguir mais do que as suas grandes linhas, perdendo a visão do detalhe.
Fazeis isto sempre que vos é possível, porque de quando em vez é mister descer até os caracteres para mostrar que se não perdeu o contacto com a realidade, que não se deixou escapar a noção do caráter da política ambiente.
Neste sentido sois quiçá um original, mesmo com o progresso do tempo. Outrora existiu e floresceu o jornalista doutrinário, da doutrina, bem entendido, dos que presidiam aos destinos da agremiação. Vós sois o jornalista sociólogo, de uma sociologia menos pessoal e mais genérica. O doutrinário pretendia convencer os outros da excelência das suas teses: o sociólogo é menos direto, pois que apenas tira deduções dos fatos e tenta transformar em leis as suas generalizações.
A diferença é considerável no processo, se bem que como resultado varie pouco, já que a persuasão tem de ser o fito comum a ambos. O jornalista que não visasse convencer, é porque só alvejaria destruir, entrando no próprio vitupério o anseio do proselitismo. Não pode, convém observar, haver aí a menor alusão à vossa já longa atividade jornalística. Desdenhais, é sabido, as armas traiçoeiras e cobardes: atacais com vigor e defendeis-vos com energia, mas vossas armas são mais corretas e leais. Nos duelos constantes da imprensa, a adaga não brilha em uma das vossas mãos, como nas dos espadachins do século XVII. Contentais-vos com o florete, o clássico florete que fere e mata com nobreza.
Costumais aguçá-lo no dorso dos inúmeros volumes com que satisfazeis, sem jamais a saciardes, vossa intensa curiosidade de saber. Sois um leitor onívoro: daí a abundância talvez excessiva das vossas citações. Viveis sempre cercado de uma multidão desses bons companheiros que são os livros. Tenho-vos conhecido em uma porção de residências transitórias na vossa carreira de periodista e de parlamentar. Em nenhuma ainda vos conheci que não estivesse abarrotada de volumes. A maior dificuldade que tenho experimentado em algumas, é de encontrar onde sentar-me sem faltar ao respeito aos moralistas russos, aos psicólogos escandinavos, aos ensaístas ingleses ou tratadistas alemães.
A erudição literária assim absorvente incorre no risco de divorciar-nos das trivialidades que constituem a grossa trama da existência humana e de impossibilitar para observador das realidades imediatas o crítico das determinantes afastadas. Livrou-vos desse perigo – que num certo sentido o é – a natureza das funções públicas que, como qualquer outro, tivestes de exercer. Superintendestes a instrução primária e secundária no vosso Estado e pertenceis há longos anos a uma das Casas do Congresso Federal.
O Brasil não esta ainda fertilizado bastante para do seu solo brotar e medrar, como fruto opimo da cultura, uma classe de estudiosos isolados da vida agitada dos seus contemporâneos, libertos das instantes preocupações materiais, cuja pressão os distrai dos puros labores da ciência. Os homens de letras, como os sábios, têm forçosamente de ser empregados de secretarias, advogados no foro, agentes de companhias industriais e corretores internacionais.
Vós sois dos mais afortunados, porque na política armastes a tenda de onde saís para as algaras céleres e ruidosas da imprensa. Como um mouro que fosse arrancado aos seus campos tostados do sol, onde crescem a custo como anões disformes os cactos espinhosos e cujo horizonte se perde ao longe, confundindo-se à claridade ofuscante do dia na mesma névoa pardacenta o azul-ferrete do céu e o amarelado da terra, para de noite tudo se envolver na mesma vesti¬menta mágica de estrelas cintilantes, vós sentis, porém, nesse outro meio uma grande nostalgia – a nostalgia da atmosfera moral em que vos desenvolvestes, dos estudos favoritos em que vos iniciou o mestre por quem éreis considerado o discípulo dileto.
Vossos artigos partidários não têm a repercussão dos vossos ensaios de crítica filosófica porque não são feitos pelo mesmo gosto e a mesma devoção, e aos vossos discursos políticos sobrelevam vossas páginas de Direito Penal e vossos fragmentos de propedêutica Jurídica, porque por esses professais uma ternura que não sentis pelos assuntos comezinhos, sob o mesmo aspecto que a outros interessa, pela mesma face em que sobre eles incide a ação do legislador.
A tendência tem as suas vantagens e suas desvantagens. Os astros contemplam-se do alto dos terraços dos observatórios, mas o formigueiro humano melhor se surpreende misturando-nos com ele, entrando na fileira, acotovelando nossos semelhantes. Vistos dos cumes da Filosofia ou dentre as nuvens da fantasia, os maiores de nós parecerão insetos; admirados muito de baixo, as asas abertas da águia assumem na imaginação proporções colossais. Foi deste modo, erguendo-vos até os ideais e distanciando-vos dos personagens, que acalentastes, vós também, a ilusão do pan-americanismo no seu avatar neomonroísta.
E o mais recente dos vossos trabalhos data de dois anos quando muito, mas tão depressa correm os sucessos e se transformam as sociedades hoje em dia, que a concepção ali idealizada já tem que ser alterada pelo efeito das circunstâncias positivas. Querendo fazer uma obra de filosofia social e de jurisprudência americana, não contastes assaz com a relatividade política e daí o livro elaborado, que traduz, como todos os seus predecessores, a superioridade da vossa visão e reflete o altruísmo dos vossos pensamentos, mas não registra suficientemente a influência das correntes dominantes do egoísmo, patente nas nações como entre os indivíduos, mais feroz até naquelas porque dispõe de meios mais abundantes e mais eficazes de se manifestar.
Não pretendo absolutamente amesquinhar a atividade política. Vós próprio dais testemunho, no terreno doméstico, de que ela pode ser exercida com distinção, e vosso antecessor na cadeira que tão dignamente vindes ocupar, o Conselheiro Barão de Loreto, foi, conforme assinalastes com sinceridade e com eloqüência no elogio que acabamos de ouvir com simpatia calorosa pela memória dele e pela vossa pessoa, um belo exemplo de integridade pública e de lealdade política.
Quanto ao seu aspecto internacional, seria mal cabido o momento de pô-lo em suspeição, quando acabamos de presenciar o formoso espetáculo de todas as nações cultas do globo congregando-se no intuito de promoverem a conservação entre si da paz e, na pior hipótese, de reduzirem ao mínimo os males da guerra. Se todos os derradeiros propósitos dessa reunião se tivessem cumprido, é que a humanidade estaria inteiramente mudada e que o reinado da perfeita eqüidade e bondade haveria substituído o da parcial iniqüidade e malignidade.
Fez-se, entretanto, bastante para evidenciar a boa-vontade geral e deixou-se de fazer o que implicaria o prolongamento da desigualdade moral, consagrando a desigualdade política. A diplomacia contou, pois, desta vez uma vitória certa, não um simulacro de vitória como os que por vezes apregoa como frutos reais da sua diligência.
Não vos é desconhecida, sei mesmo que partilhais minha carência de preconceitos com relação à diplomacia. Se é irreverência não a julgar uma ciência esotérica, fechada aos profanos, de demorada e penosa iniciação, somos nós os culpados desse pecado. As frivolidades mais fúteis podem, de resto, requerer um longo aprendizado, exigir uma educação especial.
No Japão a arte de dispor as flores em vasos segundo preceitos tradicionais, em correspondência com intricados simbolismos, leva para adquirir-se sete anos, tantos quantos trabalhou Jacó para alcançar Raquel, e ainda foi logrado, como algumas vezes o são também os países na pessoa dos diplomatas. As geishas consomem nos estudos das mesuras, das danças compassadas, dos cantares monótonos, dos gestos lentos e solenes do cha-no-yu tantos anos de adolescência quantos de juventude gastam os secretários de legação em aprender os primores de elegância indispensáveis para borboletear nos salões e suspirar nas alcovas.
Não é esse, porém, o gênero de diplomacia que, mais altaneira, ganha as batalhas da civilização e, mais modesta, faz conquistas econômicas. Esta outra diplomacia, que não será a da acepção vulgar, mas é decerto a da acepção superior, está ao alcance de toda a gente que somente tiver inteligência, critério e boa educação. Ainda esta em alguns casos pode ser dispensada, mas dos dois outros predicados é que não se pode dar a omissão.
Diplomacia, e por vezes da mais consumada, não temos nós todos de empregar cada dia nas relações de sociedade, no conflito de interesses que de todos os tempos foi a vida? A aplicação nos assuntos cotidianos dessa forma particular da atividade humana – não se chama por acaso diplomacia ao jeito de compor as circunstâncias adversas? – pode variar de grau, de intensidade, de indivíduo para indivíduo: na essência é uma só, idêntica a sua aplicação aos problemas transcendentes da política.
Também na essência é idêntica a vibração que se propaga das estrofes candentes de sensualismo de Junqueira Freire, das décimas impregnadas de revolto humanitarismo ou das oitavas túmidas de afetos íntimos de Franklin Dória e dos vossos excelentes ensaios sobre a morte e sobre a vida, sobre as questões insolúveis do universo e sobre os anseios do espírito, tema eterno da Filosofia.
Vós mesmo recordastes que se história e política, como acontecia na Hélade primitiva, já se não fazem em verso, o que é pena se todos os poetas modernos valessem os rapsodos gregos, a poesia houve que se infiltrar na prosa para dotá-la do ritmo, fornecê-la de imagens, provê-la de colorido. À Filosofia legou ela o resíduo imaginativo que lhe não contrariou, antes favoreceu a evolução, começando por lhe não alterar a natureza.
Que seria da ciência sem a imaginação, a imaginação que lhe descerra os horizontes, que lhe acena com a realidade quando apenas se enxerga a possibilidade, que a consola e sustenta nas horas de desalento, que lhe promete e assegura um progredir incessante? A imaginação é um traço comum na humanidade. Imaginativos foram os dois poetas de inspiração e de gosto que estudastes com rara consciência e celebrastes com um carinho que a todos nos comoveu, como imaginativo sois vós, que nos dados positivos da ciência buscais a substância de elucubrações que não podem deixar de ser chamadas metafísicas, pois que vão além da realidade imanente do mundo tangível.
Ora, a Metafísica é a imaginação posta ao serviço da especulação filosófica, e esta especulação o maior titulo de glória do espírito humano.