Sou um insistente na esperança e não sou um subalimentado de sonhos. Apresento- me com esperança e sonhos. Retreinados os olhos para enxergar esta hora, vejo-a, confesso, feliz da vida.
Aqui chego para continuar sem os riscos do continuísmo, que isto é incompatível com a Casa. Vou tratar de prosseguir na obra dos meus antecessores. Estou comprometido em honrar a transitória ocupação da cadeira presidencial de Machado de Assis, inspirado na tradição e na modernidade.
Tenho o exemplo de Ivan Junqueira, que não poupou sacar da sua inteligência privilegiada idéia e energia para a gestão que nos deu. Ele tem de todos nós a mais categórica gratidão.
Não escondo que estarei a continuar os serviços dedicados de tantos outros presidentes. Digo logo, também de outros presidentes pernambucanos: Medeiros e Albuquerque, Antonio Austregésilo, Celso Vieira, Múcio Leão, Adelmar Tavares, Barbosa Lima Sobrinho. Menciono, em destaque, o conterrâneo Austregésilo de Athayde, sem necessidade de explicitar. Esses pernambucanos deram à Academia a prodigalidade daquilo de que somos feitos, o barro de Guararapes.
Eles todos colaboraram para que a Academia Brasileira não fosse um eco, nem os sócios, fantasmas em sua história.
A gente sabe que a nossa terra não é limite mas fonte de civismo. A gente sabe que Pernambuco é terra do sim/sim, não/não.
Machado de Assis ensinou no discurso da fundação que a Academia precisa da constância de todos, que a tradição é o nosso primeiro voto; que ele deve perdurar, e que o passemos aos sucessores como o pensamento e a vontade iniciais. Em carta a Nabuco, chegou a dizer que o passado é a melhor parte do presente.
Constância é continuar.
Por isso, o objetivo não apenas meu, mas de toda a Diretoria, não é impor idéias mas conduzir a vontade de todos, claro que sem perda de um só milímetro do espaço das competências.
Aqueles que me acompanham na Diretoria - todos exponenciais atores da vida cultural brasileira e sedutoras figuras humanas - compreendem que o exercício dessa liderança temporária impõe-nos conduzir até a transformação e não apenas a mudança, se o tempo assim nos impuser. O tempo e as intensidades.
Nosso confrade José Sarney costuma lembrar que cada ser humano é um testemunho do tempo. Testemunho participante das transformações que ocorrem durante a vida, que vão do corpo ao ritual da morte, passando pelo cotidiano dos costumes, hábitos, modos e sedução. E eu acrescento, do reforço à fidelidade como resistência à traição dos infames.
Aqui ninguém se torna membro da Diretoria para ser do contra. Somos escolhidos para ser a favor, pois somos produto de consenso.
Recebo uma casa em ordem e me comprometo a entregá-la do mesmo jeito. Zelarei pelas finanças, mas declaro que não serei um miserabilista a prejudicar os objetivos da instituição.
Estarei atento aos nossos cânones, na necessidade de memória e critério, mas isto não é aderir à mitologia saudosista, ficar patinando no que Saramago chama de “nada de nada, pela palavra nada”.
Estarei muito atento a tudo que nesta fala exponho, até por ter aprendido com Guimarães Rosa “que por um distraído, um dividido de minuto a gente perde o tino por dez anos”.
Confrades:
Excelências:
Senhoras e Senhores:
Há percepção sedimentada do que significa o conhecimento para o progresso da humanidade. O que ainda não se proclama com a freqüência devida é que a rapidez do avanço da ciência e da técnica determinou grande aceleração da história.
O Banco Mundial tem afirmado que os países e as pessoas pobres diferem dos ricos não apenas pelo fato de que têm menos capital, mas porque têm menos conhecimento.
O novo olhar sobre os problemas do desenvolvimento parte da perspectiva do conhecimento.
Sob o ponto de vista do crescimento econômico e do desenvolvimento social é crucial o domínio do conhecimento técnico e do conhecimento sobre os atributos.
A gestão do conhecimento produz a aceleração na geração de novos saberes e sua incorporação sob a forma de inovações, com o deslocamento da fronteira dos valores.
No caso da transmissão e disseminação de informações, a teleinformática atua de forma exponencial, a ponto de preocupar o efeito decorrente da chamada exclusão digital.
Este será o século do conhecimento, seja como técnica, seja como informação. E o que dizer do conhecimento especulativo, da tête bien faite em lugar da tête bien pleine de que falou Montaigne? O que dizer da sabedoria?
Reflitamos com T. S. Eliot, na excepcional tradução de Ivan Junqueira:
O infinito ciclo da idéia e da ação,
Infinita invenção, experiência infinita,
Traz o conhecimento do vôo, mas não o do repouso;
O conhecimento da fala, mas não o do silêncio;
O conhecimento das palavras e a ignorância do Verbo.
Todo o nosso conhecimento nos aproxima da ignorância,
Toda a nossa ignorância nos avizinha da morte,
Mas a iminência da morte não nos acerca de DEUS.
Onde a vida que perdemos quando vivos?
Onde a sabedoria que perdemos no saber?
Onde o conhecimento que perdemos na informação?
Os ciclos do Céu em vinte séculos
Afastaram-nos de DEUS e do Pó nos acercaram.
Há uma partição do conhecimento com o fosso a separar ciências e humanidades. Há uma cesura que a evolução do saber vem agravando, pelas crescentes incompreensões, resultando no risco de que se sabe mais e mais sobre menos e menos, quase tudo sobre quase nada.
A esse propósito o recentíssimo livro da professora madrilenha, Maria José Dulce - Mercado sin ciudadanía - adverte para uma das assimetrias da globalização, a da informação que desemboca em privatização do conhecimento.
Quem sabe não chegou a hora de uma nova ciência do homem, de que falou Edgar Morin? Ciência a contestar saberes segmentados, rompedora de fronteiras cristalizadas. Ciência que capte o homem nos seus viveres, interações, complementaridades, encontros e conflitos como registra Roberto Cavalcanti de Albuquerque, provocando explicações em seu admirável ensaio sobre Gilberto Freyre e a invenção do Brasil.
A idéia de civilização refere-se aos valores reconhecidos, estendidos por toda a humanidade. Implica e contém a idéia de progresso. O homem civilizado opõe-se ao homem primitivo. Já a idéia de cultura revive no presente o “passado eterno”. Se a civilização tende a apagar diferenças pela pasteurização, a noção de cultura sublinha as diferenças para bem refletir a consciência de nação, de pátria como um pertence.
Essa antítese talvez corresponda à oposição entre as filosofias da vida e as filosofias do espírito.
A globalização, há quem o diga, pode fazer desaparecer a alma de uma cultura, pela massificação geradora de impotência e alienação, como se a sociedade existisse e não vivesse.
À Academia de Letras compete participar do humanismo compatível com esse século do conhecimento, apta a interagir com uma ciência do homem que seja compreensiva e definidora de sínteses.
Seu papel será preservar e valorizar a memória nacional: a língua como instrumento do conhecimento e da convivência; as letras como reveladoras/formadoras da identidade nacional; a cultura preservada e habilmente inserida em processo civilizatório que seja também caracteristicamente brasileiro. Sem deixar de fora nada do que é humano: a ciência, que reside no espírito, que observa e explica; e a poesia, que habita a alma, que sente e compreende.
Para tanto, creio, a Academia deve propor e liderar um sistema básico de referência para a compreensão e valorização da cultura brasileira. Fazê-lo não a partir de uma concepção restritiva de cultura, mas de um conceito dela amplamente antropológico: abarcando todo o pensar, o agir, o fazer humano, quando motivados por valores. E valores não apenas estéticos ou históricos; também os geradores das muitas habilidades, inclusive técnicas utilitárias, populares. Fazê-lo não a partir de uma visão da cultura como coisa “morta”, escrava ou apenas testemunha do passado, mas a partir de uma visão dinâmica da cultura, de uma cultura “viva”, libertadora, integrativa. Inserida em projeto nacional que se inspire em um novo e transformador humanismo.
Nesse contexto, o desenvolvimento deve ser visto como um processo dialético global, econômico-social, político-institucional, que resulta da própria evolução da cultura/civilização. Deve, sim, nutrir-se do passado, porém avançar criativamente para um novo futuro, fortalecendo a identidade nacional. Por meio dele pode produzir-se uma síntese harmoniosa de nossa diversidade - de nossos contextos culturais específicos, até mesmo dos paradoxos de nossa cultura. Síntese da marca brasileira.
Nos países como o Brasil, esses paradigmas peculiares, embora frágeis, continuam resistindo, memória ainda viva, à globalização. Eles persistem como autênticas vertentes de autenticidade, constituindo patrimônio cultural identitário. E representam a possibilidade de afirmação brasileira, mas sem o risco de descambar para o particularismo que despreze a cultura alheia pelo mau costume de apenas estimular rivalidades.
Uma nova política cultural para o País, nela inserida uma política de valorização e uso da memória, deve contrapor-se à pressão homogeneizadora da globalização, mas sem os cacoetes do oposto tribalista. A globalização pode ameaçar a identidade nacional sempre em formação. Ameaçar a própria língua, veículo por excelência da construção social de uma realidade autenticamente brasileira e merecedora de uma eficiente cultura da língua. Mas, insisto, sem integrismos, com percepção de que há uma vida a cultivar e não uma morte iminente a prantear.
Alceu Amoroso Lima disse ao tomar posse, em 1935, que são complementares e de duas ordens as funções literárias da Academia: de tradição e de manutenção do que ficou de bom; de criação e de renovação da cultura nacional. É lição permanente e atual.
Se o futuro é um chamamento, estamos prontos para ele. Se o futuro é um sonho, é boa a sua fisionomia. Drummond já nos passou a lição: “Ó vida futura / nós te criaremos”.
Vamos acudir ao chamado da população de brasileiros internautas, a décima maior do mundo. Deram-nos ciência das propostas de portais que disponibilizarão dezoito mil títulos que caíram no domínio público. Sabemos de como convivem consagrados e estreantes, sem patamares hierárquicos na publicação on-line. Dou este exemplo, que estimo seja emblemático, para situar de como esta é a Academia do tempo tríbio. A tradição é intocável para nós como razão de hoje construirmos o futuro.
Excelências, Confrades, Amigos:
“Meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam outra coisa
presença
olhar
lembrançacalor
meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão”
Digo esses versos de Paulo Leminski para me curvar em agradecimentos. Gratidão aos confrades que me puseram nesta Presidência, gratidão a tantos que vieram aqui para o expressivo testemunho de prontidão no estímulo.
O que lhes peço é que não soltem as minhas mãos.
E o que lhes posso oferecer do eu profundo? Ofereço-lhes o que tenho de melhor: o amor que a minha família tem por mim. A mulher, Maria do Carmo, amor sem comparação, mistura de energia e de luar, baronesa de Limoeiro como dela disse Odylo Costa, filho; ela com toda a sua serenidade suporta as impaciências do marido e é minha Nossa Senhora da Paciência. Os filhos, todos dois, um alongamento superior ao alongado, ele e ela, Rodrigo Otaviano e Taciana Cecília, por sua vez espichados em Mendonça e Larissa. Dos netos, um avô precisa falar? Eu não preciso falar de José, Ilana, Vinícius, Otaviano, Enrico, da saudosa e linda Vytória.
Dessa gente e de mais gente, como da nonagenária e lúcida Evalda e da memória de Vilaça, o bom, recebo aconchego, carinho, todinho pra mim.
Nesta tarde, falta alguém que estava conosco a 2 de julho de 1985, quando vim suceder ao meu padrinho de casamento, meu compadre Mauro Mota. Está provado o que fala Flávio Tavares: “A morte com o seu rito consegue ter mais vida que a vida”. Saudade de Marcantonio. Muita saudade do filho.
Confrades, Senhoras e Senhores:
Cheguei a uma idade em que não convém claudicar perante as emoções, nem subtrair esforços para manter em forma a plenitude dos desejos.
Sei que é difícil, muito difícil, a missão presidencial, ademais para quem não acredita na união hipostática na figura do Presidente. Sei da singularidade deste grupamento a que pertenço. Sei de tudo isto.
Em recente CD da Maria Rita canta-se que a alegria quem dá é Deus e que a tristeza é a gente quem faz. Deus deu-me a alegria desta hora, evitarei a outra parte, pois quero ter, nesta Presidência, sempre presente a lição de dom Helder Câmara:
“É graça divina começar bem. Graça maior, persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca”.