Senhor Presidente da Academia Brasileira de Letras
Professor Arnaldo Niskier
Senhor Tarcísio Meirelles Padilha
Senhor Josué Montello
Senhor João de Scantimburgo
Senhor Representante do Ministro da Cultura
Senhores Acadêmicos
Minhas Senhoras
Meus Senhores
"Se algumas lições a vida me deu, uma é esta: em momentos assim, é mister ser breve." Tomo emprestado este trecho inicial do discurso de Antônio Houaiss ao ingressar nesta Academia, na tentativa de seguir o seu exemplo na virtude da brevidade. Mas é difícil ser breve, em momento tão honroso para nós. Escrevi estas linhas, ao lado de Laura, acossado pelo demônio da tentação de agradecer o prêmio Senador José Ermírio de Moraes com muitas palavras. Afinal, não é sempre que se tem oportunidade de falar desta tribuna, a mais alta das letras brasileiras.
Pois há muito que agradecer, sendo tão grande o prêmio para tão pequeno mérito. Mas antes peço licença para lamentar a recente perda de Herberto Sales, grande romancista e excepcional figura humana, de quem temos, Laura e eu, as melhores recordações. De Herberto e Juraci recebemos um presente inesquecível: três mudas de salgueiro, vindas de São Pedro d'Aldeia, para plantar na encosta nos fundos de nossa casa no Cosme Velho, "árvores boas para fixar o solo", esclareceu Herberto. As mudas cresceram e hoje, árvores altaneiras, suas raízes estão bem fincadas no solo e mais profundamente no terreno da nossa saudade. Esta lembrança do autor de Cascalho leva-me ao discurso com que Marques Rebelo o saudou nesta Casa. "O destino não é inconsequente, às vezes, senhor Herberto Sales." afirmou Rebelo, no fecho de sua oração.
Na história que originou este livro e este prêmio o destino não foi inconsequente. E valeu-se, para tecer a sua teia de encontros nas relações humanas, de uma série de coincidências. Nesta mesma casa, na posse de Guilherme de Almeida, em 1934, Jujuca finalmente cedeu ao assédio de Athayde e aceitou sua corte, começando toda a história que não acaba nunca, pois continua na descendência de ambos, história que procuramos resumir no livro hoje premiado.
E a história do livro também começou aqui, na noite da posse de Antônio Callado na cadeira número 8, na sucessão de Austregésilo de Athayde. No seu discurso, o autor de Quarup afirmou que "só uma futura biografia poderia traçar o perfil do seu antecessor, retratar-lhe a personalidade e daí partir para descrever a influência que ele teve no Brasil do seu tempo." Terminada a sessão, Laura e eu decidimos seguir o conselho do nosso querido amigo. E o livro, que inicialmente seria apenas uma coletânea dos artigos de Athayde de 1918 a 1993, ganhou outra dimensão e... volume. Transformou-se na biografia.
O acadêmico João de Scantimburgo, autor da magistral biografia do Senador José Ermírio de Moraes ressalta, na introdução, que "o gênero biográfico é complexo. Aventurar-se por ele chega a ser temerário." É mesmo. E torna-se mais temerário quando os autores estão próximos do biografado, conviveram intimamente com ele. No nosso caso, embora de convívio quase diário, especialmente depois da morte de Jujuca, ao escrever a trajetória de sua vida, surpreendemo-nos ao descobrir um Athayde - ou vários Athaydes - até então desconhecidos para nós, mas que os arquivos implacáveis de Jujuca guardavam zelosamente.
Todos esses Athaydes, quase 350, como no verso de Mario de Andrade, foram aparecendo aos poucos, diante dos nossos olhos espantados. O menino do interior do Ceará que tinha medo da Maria Saruê, o seminarista pobre, de batina surrada, que se considerou um pecador ao sonhar com a glória efêmera da Academia Brasileira de Letras, quando recebeu a notícia que seu tio Antônio se tornara imortal; o adolescente querendo que a razão iluminasse sua fé; o jornalista inquieto, companheiro de Lima Barreto, que aceitava sair com boêmios pela noite carioca, mas não fumava e só bebia leite; o "jaguar", na expressão de Gilberto Amado, que ao lado de Chateaubriand enfrentava o mar alto para nadar do Posto Seis até o Arpoador; o polemista dos primeiros tempos no Rio, que quase duela com o iconoclasta Antônio Torres; o brigador de rua, que troca murros com José Mariano, irmão de Olegário, e usou do soco inglês para derrubá-lo, indo os dois parar na delegacia de polícia.
Ou ainda o romancista de Quando as Hortênsias Florescem livro que não faria má figura entre as narrativas pré-modernistas do início dos anos vinte, mas que sua auto-crítica resolveu manter na gaveta. No entanto, que manancial de informações sobre a vida boêmia da época, sobre o próprio Athayde e seus contemporâneos! E mais: o namorador romântico que se achava parecido com Rodolfo Valentino, conquistador galante que sucumbiu diante da beleza de Jujuca, e só enterneceu seu coração a duras penas; e depois o noivo possessivo e o marido de quem ela se declarava "escrava abjeta" mas na verdade, segundo ele confessou depois, era quem guiava seus passos pela vida.
Os Athaydes do memorial da primeira vida surgiam dos arquivos de Jujuca em linhas tão vivas e fortes que em certo momento pensamos em dividir o livro em dois volumes, o primeiro só para contar sua infância e juventude. Razões de ordem econômica e editorial obrigaram-nos a cortar grande parte do material que Laura encontrou nas suas pesquisas. Mas hoje, um ano depois do livro lançado, faço uma confissão - e que os acadêmicos não me ouçam: para mim, a narrativa dos primeiros anos constitui a parte mais interessante do livro.
Pois o Athayde jornalista consagrado, o redator da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o acadêmico e o presidente da Academia Brasileira de Letras, o presidente do Jornal do Commercio, todos nós já conhecíamos muito bem. Candido Mendes o definiu: "Potentado e cérbero de suas conquistas, quem esqueceu a faixa escarlate de Athayde, apertada sobre o fardão, como os panos justos do toureiro: o garbo todo, as condecorações farfalhantes, o empeno e a voz?"
Este o ícone reconhecido pela opinião pública, descrito na página de evocação do Candido. E no entanto, aquele cacique de bronze na expressão de Darci Ribeiro, ou o pajé, conforme o chamava Lira Tavares ou o morubixaba que permaneceu 35 anos à frente dos destinos da Academia, escondia no fundo da alma a nostalgia dos tempos em que Edite Fortuna o embalava nos braços e ele, o pequeno Manoca, olhando as nuvens brancas sobre a terra, sonhava com outras paragens, e se perguntava sobre o andarilho russo, pensava em ser Papa, ou via-se como general impetuoso, comandando seus soldados numa batalha.
Publicado o livro, Laura e eu nos surpreendemos com a informação do presidente Arnaldo Niskier da extrema generosidade da Academia, concedendo-nos o prêmio Senador José Ermírio de Moraes. No último terço de sua vida Athayde ligou-se à Academia Brasileira de Letras, trabalhando sem descanso para o seu engrandecimento. Sua memória, sempre cultuada nesta casa, ganha agora maior relevo, associada ao prêmio Senador José Ermírio de Moraes.
Ao ler o livro que João de Scantimburgo escreveu sobre este pernambucano nascido a 21 de janeiro de 1900 em Nazaré da Mata, anotei algumas coincidências: José Ermírio de Moraes veio ao mundo exatamente três anos depois do decano desta casa, Barbosa Lima Sobrinho, nascido no Recife em 1897; e dois anos depois de Belarmino nascido em Caruaru en 1898. Estamos, portanto, a cinco meses de seu centenário. Entre seus antepassados, encontrei Manuel Pereira de Moraes, que participou da Revolução Praieira, tendo sido, portanto, correligionário de Antônio Vicente do Nascimento Feitosa, o jornalista liberal, líder praieiro, conhecido como Língua de Prata, bisavô de Austregésilo de Athayde.
Depois de estudar nos Estados Unidos na Colorado School of Mines, José Ermírio foi trabalhar em Minas Gerais, como engenheiro do Estado, nos levantamentos geológicos, numa Minas que no início do século desenvolvia sua vocação siderúrgica. Nesta mesma Minas do chão de ferro de Pedro Nava, destacava-se o alto forno da Usina Esperança, de um empresário pioneiro, José Joaquim de Queiroz Júnior, mais tarde denominado o Bandeirante do Ferro, pai de Ana Amélia, naquela época já poeta consagrada, de Laura Margarida, também poeta, e de Maria José, a Jujuca, a caçula, que se casaria em 1933 com Austregésilo de Athayde.
O destino às vezes não é inconsequente. Em 1932 José Ermírio participa da Revolução Constitucionalista de São Paulo. Não há registro de um encontro entre o jovem engenheiro José Ermírio e o jovem jornalista Athayde, mas eu me pergunto, senhor João de Scantimburgo, se os dois por acaso não se encontraram, no fragor da luta revolucionária. Pois aprendi no vosso livro esta lição exemplar: "As biografias se entretecem das histórias do tempo em que transcorrem. Só é biografado quem viveu o seu tempo, quem o compreendeu, quem com ele se afirmou."
E José Ermírio foi um homem do seu tempo, que, segundo Dario de Almeida Magalhães, "se integrou como figura exponencial, no dinamismo criador e renovador que o nosso país conheceu, nos anos que se seguiram a Primeira Guerra Mundial, e principalmente a partir da década de 30, quando, por efeito da profunda crise mundial, uma nova mentalidade e uma nova compreensão, mais aberta e audaciosa, passaram a impulsionar os nossos empresários, exigindo espírito criador e maior arrojo e confiança nos empreendimentos, para dar uma nova estrutura à economia, apoiada até então, limitada e debilmente, na lavoura cafeeira e num tímido e estreito parque industrial."
Minhas senhoras, meus senhores. Embora o demônio da vaidade continue me espicaçando para alongar estes quinze minutos, o anjo da guarda do bom senso acaba de me informar que o tempo concedido para abusar de vossa paciência já se expirou há muito.
Mesmo ardendo de desejo de prosseguir, confesso a minha incapacidade - apesar de ter ido várias vezes ao Aurélio, e que saudades, Marina, do Aurélio, amigo tão querido! - de encontrar as palavras exatas, capazes de traduzir todo o nosso agradecimento. Até porque, com tantos e tão bons amigos que temos nesta casa, e amigos de longa data, por um momento ficamos tentados a imaginar que este premio, além de merecida homenagem à memória de Athayde, representava também prova da vossa amizade. Consola-nos a certeza de que nesta Academia pratica-se a máxima atribuída a Aristóteles, Amicus Plato, sed magis amica veritas.
Queremos agradecer, antes de mais nada, as bondosas palavras, certamente imerecidas, com que Josué Montello nos saudou; ao grupo Votorantim e à família do Senador José Ermírio de Moraes por terem instituído este prêmio, hoje um dos grandes acontecimentos da vida literária brasileira. Agradecemos não só pelo seu alto significado moral e intelectual, mas também pelo valor pecuniário, sendo hoje o maior premio literário do país. E mais ainda, por ter o nome de um homem público da grandeza do Senador José Ermírio de Moraes.
Ao relator do premio, Acadêmico João de Scantimburgo, grande amigo de Athayde, de quem nos honramos ter herdado a amizade, o nosso muito obrigado; igualmente agradecemos à comissão que o aprovou e ao plenário da Academia que aceitou a indicação por unanimidade. E nos orgulhamos de integrar assim um elenco de nomes ilustres e eminentes da vida intelectual do país que inclui Roberto Campos, Wilson Martins, Evaldo Cabral de Melo e Décio de Almeida Prado.
Queremos também agradecer aos Diários Associados, na pessoa de seu presidente, Paulo Cabral, e na do presidente do Jornal do Commercio, Ibanor Tartarotti, pela permanente lembrança da atuação de Austregésilo de Athayde e a cobertura de seus órgãos de imprensa às atividades da Academia.
Parece que vou infringir o protocolo acadêmico, mas numa Academia presidida por um educador, gostaríamos de agradecer a todos os seus membros, citando três acadêmicos que conhecemos nos bancos escolares, muito antes de vestirem o fardão verde-ouro. Geraldo França de Lima, professor de literatura com quem muito aprendi o pouco que sei, no ginásio Brasil América. Marcos Almir Madeira, nosso professor de sociologia na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e Candido Mendes professor de Ciência Política na mesma escola.
Muito obrigado aos nossos amigos que nos ajudaram e aqui estão presentes, aos nossos irmãos e irmã, aos sobrinhos e aos nossos filhos, nora e genro, sempre prestativos. E um agradecimento especial à minha mãe, que, às vésperas de completar noventa anos de idade, deslocou-se de São Paulo para vir ver a nora e o filho serem premiados pela Academia.
Minhas senhoras, meus senhores. Recebemos um prêmio que honra, eleva e consola. Que Deus nos dê forças para continuar atuando na área das letras, inspirados pela lições dos nossos maiores, única forma de justificar a concessão desta láurea de nome tão ilustre, patrocinado pela família do Senador José Ermírio de Morais e concedido pela Academia Brasileira de Letras.
Muito obrigado.