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A esperança do milagre

 

O milagre não vem sem esperança. Ou a esperança precede o milagre. E meditava sobre a transitoriedade das coisas ou a forma como as aflições e alegrias se entrecruzam como navios no mar.

Mas também de como o milagre é o impossível que se acorda e percebemos que algo sucedeu e que o sol continua a brilhar e depois da noite, sucede a manhã. O milagre é o instante que estacionou para nos contemplar.

E como Deus “opera no querer e no efetuar”, o que sonhamos rompe o impossível na fé, rompe as barreiras da razão ou do limite, por acontecer, porque Deus acontece e Deus é simples, nós que somos complicados. Acontece, porque o impossível é apenas a fronteira humana.

Tentamos raciocinar tudo e muitas vezes a criação não raciocina. E quem raciocina demais, não cria. O que raciocina demasiado, não vive. E viver sempre arrosta o que não vive, o que reage à luz. Mas a luz quando palavra se cumpre. Além dos obstáculos, além das divisas.

Sofremos a contingência de carregar o peso dos dias e às vezes, sem sentirmos, a de os dias nos carregarem. E pesamos na lágrima e até no júbilo. E os tempos mudam, como dizia Camões, “com as vontades”. Ou o tempo muda de não mudar. E de repente as circunstâncias nos parecem de alta velocidade, quando estão terrivelmente paradas.

Observa Elias Canetti, que “os verdadeiros poetas apenas encontram seus personagens depois de os terem criado”. E essa também é minha experiência. Mas aqueles que sabem ver pela fé, acham os seus sonhos, depois de terem acreditado neles. Quando milagre é o possível. Que nos antevê.

Tribuna Online, 09/05/2021