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O social e a literatura

 

E essa invasão cresceu nos últimos anos, ao ser examinado mais o autor, em face da sociologia ou da ideologia do que a construção da obra, como se a criação fosse um resultado da sociedade, quando a sociedade pode influir, mas não é a criação que merece atenção como um acontecimento em si mesmo, com a intuição, que se ilumina na sensibilidade da inteligência. 

Alguns podem ter armas teóricas, ou mesmo bélicas, advindas das universidades ou da prática da constante leitura, mas não sabem como usá-las. Ou melhor, não sabem o que fazer delas. Restando inertes como geringonças no jardim dos mais altos desejos. 

Sim, à medida que certa crítica vai-se arredando do processo artístico, para o processo eminentemente sociológico, vai- se afastando também da área da literatura, seja da prosa ou da poesia e se alberga nos elementos estranhos, se não adversos, sem nenhuma relação com a verdadeira invenção literária. Pois a estética é a estética e o social é o social: o político varia, o ideológico se extingue ou se faz desmontável, mas o estético permanece. 

E é o que o poeta inglês Keats chamava de "beleza para sempre". Isto é muito acima dos estadinhos societários, das discussões de grupos políticos, dos desígnios de alguma determinada comunidade humana. 

A beleza, como estrela, se assenta no firmamento dos sonhos, preso à austera cintilação da palavra.
 
A crítica literária, digna desse nome , exige capacidade reflexiva e conhecimento técnico, que se completam no "exercício da admiração", que vem de uma análise da invenção poética ou romanesca ou ensaística. 

Quem não possui capacidade para admirar, não possui condições para a crítica. E o texto sempre resiste, se for vivo. Resiste contra o que não o entende , ou não toma a humildade indispensável para compreendê-lo. 

E não se coleciona humildade, como outros colecionam conchas, navios em miniatura ou insetos. Humildade é o reconhecimento de nosso limite e a grandeza de ver a obra alheia. E não há mais difícil e necessário do que julgar os contemporâneos. Menos penoso é omiti-los. 

Havendo a consciência de que julgados são no tempo, os que o julgaram mal ou desavisadamente.

A Tribuna (ES), 15/01/2017