Fiquei preocupado com o que percebi na sessão de posse dos novos presidente e vice-presidente do Pretório Excelso—mais que o comprimento, a prolixidade do "enciclopédico" discurso do ministro Celso de Mello, o clima de divisão interna, com a candente animosidade entre o ministro Joaquim Barbosa que não poupou seu colega Cezar Peluso e nem por ele foi poupado, em duelo verbal pela imprensa, reflexo da beligerância interna, hoje existente, como vulcão sob a neve, que explodirá talvez no segundo semestre.
Confesso que não gostei do trinar de Daniela Mercury, a quem admiro, errando ao cantar o Hino Nacional, nem de algum axioma infeliz do ministro Ayres Britto, eivado de verso de grande beleza, como o de T. S. Eliot, com a obviedade da transparência nem sempre tão transparente, sendo a imparcialidade invenção formal, pois o julgador está sujeito no momento de julgar, ou "sentir" (donde proviria o vocábulo "sentença"), a tantas circunstâncias, desde a política, até a física, emocional, ou a dor de cabeça, ou mau humor, o vento da complacente misericórdia, até ao resvaloso calo da razão.
Concordo com os ilustres, nobres e intrépidos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, quando alegam que o Supremo não está condicionado à opinião pública, e, sim, à aplicação do Direito. E registro a corajosa posição da corregedora Eliana Calmon, que lutou a favor do CNJ e da ministra gaúcha Rosa Weber que votou a favor de sua manutenção, sob pena de não haver mais quem julgue os julgadores.
E a Constituição, objeto amplamente louvado no discurso de posse do novo presidente, é tão preciosa e tão fundamental que nem carece de ser idolatrada, ou cercada de inefáveis palavras. 0 que cabe é ser ela cada vez mais obedecida, sobretudo pelo Supremo, como pelo povo. Não há mérito em segui-la, é dever. Sem proselitismo, glosa, com o respeito de grandes e pequenos. Sem a tentativa, por falta de legitimidade moral, de invadir a esfera de sua competência, ou impor-se a ela, ou reformá-la, ferindo a vida democrática.
E enfatizo. 0 que vige, imperceptivelmente, é o afastamento gradual entre juizes do Supremo e os advogados, com a criação da senha digital, exilando, paulatinamente, a pessoa, a fala e oratória, salvo na sustentação oral, último reduto, com a assombração de um sistema que se pretende burocrático, oficioso, maquinai, sem alma (a fala é alma), forjado no pretexto "nobre" de apressamento das causas (que na prática não ocorre).
Vale, entretanto, reconhecer que o discurso do atual presidente do Pretório Excelso foi original, coisa rara, de um poeta-jurista, não esquecendo sua terra, o Sergipe, o que é honroso, nem o "gênio da raça", o também sergipano Tobias Barreto, nem que era vascaíno — o que podia ser omitido. Sob o vigilante "terceiro olho" do invisível. E todos estávamos suando no ar pouco visível, num cerimonial míope, desorganizado, com a exigência de estarem os convidados uma hora antes, sendo o evento marcado para as 16 horas (começou às 17h e acabou às 19h30m). No término, havia uma multidão comprimindo-se, apertada, em fila, implacavelmente contida pelos funcionários, dificultando o abraço aos empossados que se daria, depois de ferrenho combate corporal, no salão branco.
O que esperamos, agora, como brasileiros, é que os ânimos no mais alto juízo do país se abrandem, voltando a reinar, ali, a cortesia, cumprindo-se o preceito de Machado, de que "as almas são incombustíveis". E que o tão protelado processo do mensalão ache o final julgamento, com a confiança de que os réus não acabem todos beatificados pela prescrição.
Porém, é a lucidez crítica de Paul Valéry que nos adverte: "O futuro não é mais o que costumava ser." Aguardamos que ao menos seja diferente. E melhor.
O Globo, 27/4/2012