Vivemos épocas de inevitáveis exageros. Alguns brotam do poder, outros da sociedade, outros de nossa própria vida cotidiana. Do poder quando credita à imprensa, certa ameaça à democracia, quando a maior das vezes a ameaça nasce do abuso da máquina governamental. Ou o exagero de segmentos da sociedade em acreditarem nos institutos de pesquisa - já que mais do que fonte, são eles que influem nos resultados. E o exagero de alguns, em ainda crer na política, dentro das raízes viciadas em que floresce.
Sendo a retórica, "a perna direita" desse corpo, a mais móvel e perniciosa. Verificando-se o que afirmou, certa ocasião, o contista Saki: "Ao rechear de queijo a ratoeira, certifique-se que deixou espaço para o rato". E ele não vacila em preenchê-lo, mais preferindo a coisa pública, do que ao queijo. Com vigilância e gula.
E, parafraseando o Barão de Itararé, os governos, na sua maioria, são sempre sinceros. O que acontece, porém, é que às vezes trocam de sinceridade. Mas diga-se a bem de verdade: a limpeza da casa fechada, com morrinha de velhos hábitos, está sendo, corajosamente, feita pela atual presidente, a partir do Ministério dos Transportes. O que granjeia o apoio do povo, cansado de ouvir a mesma e gasta cantilena. Começa-se a ver algo novo, inesperado.
Diz o magistral cronista, que é Luiz Fernando Veríssimo, com boa vontade, até benevolência, que "o exagero simplifica e aguça, tem mais graça, chama mais atenção -enfim, é compreensível".
Penso que tal "virtude", com tamanha tolerância, é preguiçosa. Em vez de aguçar, acomoda; em vez de "alumbrar" decepciona e é como a goteira do telhado na habitação da alma. Ou a chuva na alma sem telhado.
Não há teologia para o exagero, nem verdade inteira. Muito menos, justiça -que, no caso, é espantalho no milharal: apenas afugenta os passarinhos.
Perplexo, observa Elias Canetti: "Qualquer século nos parece mais compreensível que este." Ou talvez ainda mais incompreensível. Com o discurso, em regra, nada tendo a ver com os fatos.
E no jogo do mundo e dos interesses subalternos, o bom senso se despluma, o equilíbrio é vara quebrada e são as paixões, sobretudo as partidárias, que assomam na sacada da coletiva ambição. E pobres de nós, se faltar a este País a sagacidade e lucidez da imprensa, com sua liberdade de expressar o pensamento aos vivos. Porque "os mortos ficam onde caem" - na expressão feliz do Gênio do Cosme Velho. Ou continuam morrendo.
Jornal do Commercio (RJ), 2/8/2011