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Sermão aos peixes da Urca

 

Não vou pregar, de início, como Pe Antônio Vieira aos peixes, simplesmente vou deixar que os peixes preguem a nós, humanos. Podem ter lá seu sermão com versículos da maré. E de minha parte, serei atentíssimo  ouvinte.

E os peixes nos mostram que não se atropelam de poder, nem o poder os afadiga, ou as solenes ambições, quando se movem pela fome, que não é para destruir, mas sobreviver.

Depois vou, nesta murada da Urca, diante do oceano, falar aos peixes. E as palavras os saciarão mais do que iscas ou migalhas. Bem mais do que os seres que se compõem de fúria e sonho. Aplicando-se no que escutam ou se aventuram no repuxo do tempo. E são responsáveis, cordatos. Comem palavras com humildade, sem a insolência de alguns eruditos. Aliás, não carecem os peixes de erudição, carecem de um senso modesto de viver, de acordo com as correntes.

Ademais, não impõem silêncio a ninguém, em nome de altos princípios, nem há código eleitoral entre eles, sendo isentos, para seu bem, de pais ou mães da pátria. Nem pensam em pátria, coisa tão avessa e encruada para tantos. E comem, sim, os vocábulos. Falo e me escutam. Não preciso da retórica dos mestres, sobre esta pedra da Urca, sonolenta. E os louvo por não terem pedágios, alfândegas, fronteiras, e nem integrarem países. São livres, portanto, de missões diplomáticas de paz ou de soberbos futurólogos de nada, ou mesmo dos conceitos de afogada soberania. E louvo os peixes também por não se preocuparem com presidentes, príncipes, senados ou câmaras, com mais ou menos escrúpulos de ofender ou amar quem os rege. Reconheço neles certo pudor e até embaraço. Com  leveza lhes digo o que guardarão na confiança. Sei que já me entenderam.

Jornal do Commercio (RJ), 27/4/2011