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Artigos

  • Lata d’água na cabeça

    O Globo, em 31/01/2015

    Sessenta anos atrás, no carnaval do Rio, o povo cantava a falta d’água. Lá ia Maria que, “lata d’água na cabeça, sobe o morro e não se cansa, pela mão leva a criança", Maria que lutava pelo pão de cada dia e sonhava com a vida do asfalto que acaba onde o morro principia. Hoje, às voltas com a mesma lata d’água, não sei se ela sonha com a vida do asfalto já que, mais de meio século depois, no asfalto também falta água. Sensação de tempo circular, de eterno retorno. Pura sensação. Tudo mudou.

  • O amanhã do Rio

    O Globo, em 03/01/2015

    Feliz Ano Novo, leitores. Afinal, vivemos nesta cidade que vai fazer 450 anos, que nos oferece na passagem do ano uma chuva de ouro e onde o pôr do sol é aplaudido de pé por uma multidão maravilhada. A cada ano cai também uma chuva torrencial, assassina e, em pleno alumbramento no Arpoador, alguém pode ser apanhado em um arrastão de meninos assaltantes. Tudo isso, a chuva de ouro e a chuva assassina acontecem aqui. O pôr do sol no Dois Irmãos e os meninos selvagens. Luminosa, terna, corpo quente, essa cidade é a senhora dos sentidos. Violenta, é também a senhora da dor. Decidi nestes primeiros dias do ano acreditar na felicidade carioca que “é como a gota de orvalho numa pétala de flor”.

  • Em pé de guerra

    O Globo, em 08/11/2014

    A violência virtual que devastou as relações entre as pessoas durante a campanha eleitoral acendeu um sinal vermelho. O legado é de perplexidade. Novas aflições somaram-se ao inventário de questões sobre a democracia contemporânea: a internet está ampliando a democracia? Ou revelando suas zonas de sombra? Ou as duas coisas?

  • Não desistam do Brasil

    O Globo, em 16/08/2014

    Quando um acidente fatal acontece instala-se um sentimento de absurdo. Aconteceu como poderia não ter acontecido. E, entre essas duas possibilidades, seja para uma família ou para um país, cava-se um abismo. A vida que poderia ter sido e a que, doravante, será. E, contra todas as expectativas, um aprendizado: o acaso tem sempre a ultima palavra.

  • Pena de nós, não precisava

    O Globo, em 19/07/2014

    No sétimo dia de um luto discreto, cai o pano da Copa, abre-se o das eleições de outubro. O legado imaterial da bela festa que vivemos é ter posto em evidência que a sociedade brasileira mudou muito e para melhor, o que, não sendo um fenômeno claramente perceptível no dia a dia, já esboça o futuro do país.

  • Festa

    O Globo, em 21/06/2014

    Uma explicação simples para a proliferação nas favelas e nos subúrbios de campinhos de terra batida: o futebol, no Brasil, é esse fenômeno que leva à gloria e à fortuna um menino pobre, quase sempre negro ou mulato, o que já o situa em um país que aboliu a escravidão mas não a sua herança.

  • O legado das ruas

    Rios de gente invadem as cidades. Transborda o descontentamento. Não foi súbito nem inexplicável. Há muito tempo jovens lotavam as avenidas virtuais por onde passam as redes sociais protestando contra a humilhação a que estávamos submetidos.

  • O novo atrapalha a teoria

    No quebra-quebra da última quarta-feira no Leblon e em Ipanema, arruaceiros infiltrados em uma manifestação pacífica conseguiram envenená-la. Eram poucos, o estrago foi imenso. Os manifestantes são agora acusados por autoridades de serem manipulados, o que esvazia sua autenticidade e desvia o conteúdo das demandas da rua para a querela personalista. Como se as ruas nada fossem senão marionetes coadjuvantes da tragicomédia partidária. Essa acusação injusta desfigura um movimento cuja causa é nobre.

  • Bom senso e compaixão

    O tráfico de drogas, essa próspera e diabólica multinacional, se alicerça em uma premissa simples: conquistar consumidores tornando as pessoas dependentes, destruindo-as, reduzindo a zero seu poder de decisão e transformando-as em clientes cativos de um mercado ilegal.

  • Os idos de Setembro

    A possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal venha a aceitar a reabertura do processo do mensalão traumatiza o país. Essa decisão desmoralizaria o Tribunal aos olhos da população que nele investiu suas esperanças de regeneração da Justiça. De todas as frustrações que nos têm sido impostas, essa seria a mais grave, porque nos roubaria o bem insubstituível que é a esperança. A condenação por esse crime de lesa-sociedade seria definitiva, não aceitaria embargos infringentes. A pena seria a execração da opinião pública ferida pelo desalento, que é o mais triste e perigoso dos sentimentos. O Tribunal enviaria à sociedade uma mensagem facilmente decodificável: a lei não é igual para todos. Pergunte-se a qualquer anônimo condenado por formação de quadrilha. Plantaria uma semente venenosa: uma sociedade que perde o respeito pela Justiça se desintegra na anomia.

  • A guerra contra as mulheres

    A história das mulheres é um longo percurso de lutas contra a humilhação e a brutalidade, escrevi há 30 anos. Não pensei que voltaria a escrever. Tudo parecia indicar que a sociedade brasileira saíra da Idade da Pedra com seus Brucutus arrastando as mulheres pelos cabelos e possuindo-as no melhor estilo animal.

  • Baile de máscaras

    Que se abstenham os cientistas sociais que explicam, os caretas que julgam, os crentes que proíbem. Só os carnavalescos entendem o carnaval, ouvem seu silêncio estridente e conhecem as cinzas da quarta feira. É graça dada a eles a pele colorida dos arlequins que, vestida na infância, cola para sempre e resiste à banalidade dos dias. Os carnavalescos conhecem a divina liberdade de transformar-se no que bem lhes aprouver e desvendam o segredo das máscaras.

  • Elogio da democracia

    Há meio século uma geração ganhou de presente de 20 anos uma ditadura que a marcaria pela vida inteira com a memória da prisão, da tortura e do exílio. Aos mortos, só agora uma comissão presta a homenagem póstuma da verdade.