Quando um acidente fatal acontece instala-se um sentimento de absurdo. Aconteceu como poderia não ter acontecido. E, entre essas duas possibilidades, seja para uma família ou para um país, cava-se um abismo. A vida que poderia ter sido e a que, doravante, será. E, contra todas as expectativas, um aprendizado: o acaso tem sempre a ultima palavra.
A desgraça que se abateu sobre Renata Campos e seus cinco filhos é difícil de aceitar. O Brasil perde com a morte de Eduardo um dos raros homens públicos que despertavam entusiasmo em tempos em que políticos têm merecido da população indiferença, quando não asco. Sua última entrevista ao “Jornal Nacional” na véspera da tragédia mostrou, sob duro questionamento, alguém capaz de olhar nos olhos de seus eleitores. “Não vamos desistir do Brasil” foi sua última mensagem, que calou fundo mesmo em almas gastas pelos dissabores.
Eduardo teria sido eleito? Como teria governado? Silêncio. O que não quer dizer que a esperança que tinha e que despertava morra com ele. Renata, uma mulher forte, há de saber, com o poeta Drummond, que “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”. Os filhos de Eduardo vão crescer — o mais velho, João, já se manifestou nas redes pró-candidatura de Marina Silva com um límpido argumento: não teria sentido apoiar Dilma, que era sua adversária, em detrimento de Marina, que seria sua vice. O que se lhes pode desejar é que não percam o gosto da política que trazem no sangue e o olhar atento sobre as injustiças.
Eduardo Campos foi um ar fresco na atmosfera viciada dos partidos. Sua morte soma a perplexidade de seus eleitores ao já agudo desencanto que fere os jovens — é neles que penso — de quem precisamos tanto, já que são os autores do futuro. A credibilidade junto à juventude é um bom sinal.
O país tem uma dívida de gratidão com quem lutou contra a ditadura e trouxe o Brasil de volta à democracia, mas é preciso reconhecer que o ciclo que começou com o golpe de 64 está terminando. Cai o pano sobre seus atores. Partidos nascidos deste ciclo se afrontam nas urnas enquanto passa ao largo uma juventude para quem suas propostas estão esgotadas e que dá as costas a um quadro institucional falido.
Trinta anos atrás milhões de brasileiros foram às ruas exigindo eleições diretas. Hoje, às vésperas de uma eleição democrática, a juventude promete votos brancos e nulos. Sequer se inscreve para votar. A recusa da juventude tem raízes profundas e é uma história em curso.
PSDB e PT completaram a transição da ditadura para a democracia — obra do povo brasileiro — consolidando as liberdades públicas, estabilizando a moeda e combatendo a pobreza. A sociedade metabolizou essas conquistas. O que antes era percebido como favor do Estado, hoje é afirmado como direito. Os jovens acusam quem governa e quem legisla de estelionato contra a população. Vivem o Estado como sucata e a eleição como pantomima.
Na recusa visceral aos políticos e à politica partidária há uma mensagem a ser decifrada. Essa juventude não diz, como diziam seus pais, que “um outro mundo é possível”. Acredita que “outra vida é possível”. Vivencia a política no cotidiano, ancorada em escolhas existenciais. Seu espaço e tempo são aqui e agora. A experiência vivida é o seu horizonte.
Ouvir os jovens rejuvenesce: recusa radical da corrupção e da impunidade, exigência de serviços públicos eficientes, uma nova esfera pública onde tudo se sabe, tudo é debate, a juventude demonstrando nas redes sociais uma insuspeita capacidade de argumentação e uma expectativa de justiça que corrija as desigualdades.
Não estão incluídos entre os que rejuvenescem a democracia os jovens violentos que vivem no passado e citam Bakunin. Esses situam-se entre o ridículo e o patético.
Melhorar a qualidade da política e da democracia era o objetivo anunciado de Eduardo Campos que, muito jovem, entrou no PSB. Caberia a pergunta: o jovem descrente da politica por que não entra em um partido para tentar mudá-la? Porque partidos esclerosados não são as estruturas que melhor acolhem sua maneira de agir por uma causa. Movem-se em agrupamentos virtuais ou de corpo presente com um fim determinado, flexíveis e ágeis como são seus relacionamentos nas redes.
A morte de Eduardo torna imprevisível o resultado da eleição. Espera-se que Marina o substitua como candidata. Os jovens, nas redes sociais, já começaram sua campanha. Menos votos nulos e brancos? Quaisquer que sejam os caminhos que tomem, os votos que deem ou que neguem, há que insistir: não desistam do Brasil.