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Uma escada

 

Não alcançamos muito, embora sonhemos muito. E não há prejuízo algum em sonhar. Sempre tentamos buscar além, como se as estrelas estivessem debaixo de nós e o movimento fosse apenas de subir. Porque as ambições não são somente procuradas por nós, nutridas com o trabalho e o esforço, mas elas também nos procuram e se tornam uma espécie de segunda natureza. E ai de nós se não tivermos!

Mas a realidade logo nos alcança e nos prova ou aguça a esperança. E às vezes ela se torna maior do que nós. Ou nos esmaga. Viver é assim: não saber o depois. Ou é como já se estivéssemos no depois, sem sair do lugar. Ou somos sempre espantados de realidade. Mas não nos cansamos de ir além, de persistir com os navios da quimera  ou do porvir. Diz o lema "navegar é preciso, viver não é preciso." Todavia, só navegamos porque vivemos, às vezes demasiadamente. Mas nada nos assusta, nada fará a nossa estrela. Não a que está embaixo de nós, mas em cima, com o firmamento organizado.

Elias Canetti advertia que "o poeta vive sem exageros e se torna conhecido pelos mal-entendidos." E adiante assegura que "as intuições dos poetas são aventuras esquecidas de Deus." Não sei se é verdade essa alegação de exagero, nem conheço qual seria a aventura esquecida de Deus, que nós, poetas, intuímos. Não importa. O certo é que a realidade nos reconhece e pertencemos mais ao lado culto do sonho. Buscamos mudar as coisas e se não logramos isso, ao menos obtemos a ventura de as perturbar. Viemos para perturbar. Esse é o princípio da mudança. Prefiro, no entanto, a frase luminosa com que o grande ficcionista russo, Gogol, concluiu os seus dias:" Uma escada, rápido, uma escada!"

Diário da Manhã (GO), 10/5/2011