Numa primorosa crônica, Luiz Fernando Veríssimo apresentou dez razões para aceitar de conhecido empresário um milhão de dólares.
No meu caso, ouso apresentar dez razões para a rejeição dessa oferta:
1) Sou um sujeito excêntrico, recluso e fujo de conversas fáceis ou inconvenientes. Logo, não agradarei ao doador;
2) Muito menos suportarei ter que bajulá-lo, ainda que ele pertença à Távola Redonda ou à Távola do Sol Eterno, o que é muita empáfia e pompa para o meu modesto gosto;
3) Detesto caviar. Confesso que chega a me fazer mal ao estômago. Meu prato preferido -não tem nada a ver com a tal iguaria de ovas de esturjão - é arroz, feijão, carne moída e farofa. O único excesso é um queijo da Serra de Estrela de vez em quando. O que é viável nas casas do ramo. No mais, sou frugalíssimo;
4) Não me apraz ficar sem trabalhar, seja na poesia, no romance, na crítica ou na crônica, ou mesmo de advogado. Como anotou Cervantes:" Meu repouso são as armas;/ meu descanso é pelejar";
5) Sobre a redistribuirão da renda no País. Louvo-me no líder, que é Lula, e na sua abalizada "bolsa família". É o mínimo que a Nação pode fazer a favor de um carregador de poemas e que foge de outros esforços físicos;
6) Basta-me realizar um cruzeiro de barco pela imaginação, diante deste oceano da Urca. Talvez sendo convidado ao iate "Lady Laura", do meu vizinho Roberto Carlos;
7) Sem talentos mediúnicos e sem crença neles, optarei por cuidar de minha cachorra Letícia,acompanhando-a por Cipião,o Africano e Napoleão, todas da nobilissíma raça dos poodles;
8) Evitarei ter que escrever sobre a funesta imortalidade do "Capital" que Marx não previu. Ou ainda sobre o tal" Cavaleiro do Sol Eterno, fiel guerreiro e escudeiro", já que esgotei a infância com a tresleitura de Carlos Magno e seus cavaleiros";
9) Reinventarei a astuciosa e bem apreciada arte de subir através da política habilidosa dos grupos na literatura de hoje, seguindo a célebre obra Como fazer amigos e influenciar pessoas. Com a diferença: o rigor e qualidade do texto passarão a ser fundamentais, o que afastará eventuais energúmenos;
10) Os elementos anteriores, todos eles, me valeram para terminar esta crônica.
Diário da Manhã (GO), 24/2/2011