Incríveis são as incongruências do poder. De um lado tende a aumentar o valor da Bolsa Família, para os que não trabalham, com o dinheiro da nação, poderosa e decisiva ferramenta eleitoral, usada astutamente pelo governo Lula. E de outro lado, o salário mínimo para os que trabalham, um dos mais ínfimos e vergonhosos da América Latina, gera tanta controvérsia, numa luta campal por vinte reais de diferença.
E quando leio que a nova governante deseja, com razão, combater a fome , não sei se há de ser a dos que trabalham ou a dos que não trabalham. Porque a vantagem de uns em relação aos outros, leva até a não haver nenhum interesse em trabalhar. Porque a nação sustenta. E o governo é muito generoso com o bolso coletivo, onde o imposto é carga insuportável.
Outra contradição veio do Itamaraty. Curioso, nos últimos anos, há um laço perigoso entre ele e o poder, tendo como resultado próximo, recentíssimo, a concessão de passaportes diplomáticos aos dois filhos e ao neto do ex-presidente Lula. O que levou à Ordem dos Advogados do Brasil exigir a devolução dos mesmos.
E os detentores dos privilégios são tão insensíveis, que um dos assessores, questionado, já que tal concessão alcança mais interesses privadíssimos, que públicos, respondeu simplesmente que “o tema é de total irrelevância, desagradando os 3% e 4% que atinge a faixa dos que não aprovaram o governo anterior”. Aliás, longe da máquina do poder, que usou tão espertamente, sem a natural manipulação, teremos a real popularidade do governo que passou. E baixará muito.
Mais curioso ainda. E foi o excelente jornalista Ancelmo Góis, na sua reconhecida coluna, que afirmou. Foi negado passaporte diplomático para os membros da Academia Brasileira de Letras (embora tenha nas suas hostes cinco ex-embaixadores, que, ali justificadamente se aninharam) e todos sabem que os acadêmicos são representantes culturais do Brasil no Exterior, o que aumenta ainda mais a nossa perplexidade.
Ainda que o Itamaraty tenha tido grandes expressões da nossa literatura, entre seus integrantes,com singulares exceções, não foi muito generoso com os seus. Antônio Houaiss foi expulso dos seus quadros na época da ditadura, João Cabral teve que lutar para a recuperação de seu cargo, Vinicius de Moraes foi demitido e, há pouco, só “post-mortem” restaurado, sem poder ver a face da justiça. Coisas do Brasil.
Ou melhor, da intimidade do poder.
Diário da Manhã (GO), 10/1/2011