Na adolescência, o meu tinha o nome de Lex. Seria o meu futuro amor à lei, ao direito, que teria que me acompanhar e intuitivamente, ali, minha vocação se divisava?
Lex era um cão policial poderoso em força e velocidade, que assustava na sua cortesia de agradar o dono. E uma noite, alguém, e não descobri, provável vizinho, lançou carne envenenada pelos muros de minha casa e de minha adolescência e Lex se foi.
Encontrei-o enrodilhado como um feto no ventre da morte. Para mim, um golpe pesadíssimo. Não podia olhar o quintal, sem o cão e suas carícias ou latidos.
D e c i d i n u n c a mais ter um cachorro, seja no que for, para que aquela dor não tornasse. E não era uma teoria, era o rebentar da maldade do mundo.
E passei um tempo buscando o motivo do ódio e da destruição. E vi que é maldade pela desrazão, pela futilidade, ou por algo que mais tarde descobri, a volúpia do mal.
Apenas na madureza, voltei a ter cães. Quando morei no “Paiol da Aurora”, de Guarapari, e ali fiquei 19 anos. Comprei primeiro um Rottweiler, chamado Argos. Sentava comigo horas, quando eu na rede me balançava, ou no banco de pedra (o pátio era comprido) e nos entendíamos numa linguagem que se nutria mais de olhos, que de fala.
A seguir, veio seu filho, da mesma raça, o Vitório Augusto. Era de senhorial proteção e me conheciam, de longe.
Na manhã, os prendia num quarto de dormir e de noite, os soltava e o território era deles. Argos começou a sentir dores, envelhecido, e uma veterinária, ao invés de dar injeção para reduzir- lhe o sofrimento, reduziu-lhe a possibilidade de vida. No amanhecer, o encontramos morto.
Com honras, o enterrei no quintal, integrante da terra e das flores e logo outro Argos, da mesma estirpe, o substituiu não dei tempo à lágrima.
A par desses cães, nos veio Letícia, que continua conosco há 12 anos. Fidelíssima. Segue-me pela casa e vai, onde vou, como sombra. É pequena, senhora, tem os dentes em teclado, pelo cinza, raça poodle e os olhos mais profundos que conheço: parecem ver de outro tempo.
E se viajo, sabe exatamente quando retorno e me espera, junto à porta. Ao me rever, pula, corre, é uma festa.
Só me separei dos dois cães Rottweiler e eram grandes como bezerros, por inexistir espaço para eles na casa da Urca, no Rio. A única solução: dá-los a um amigo que os trataria bem.
Soube, mais tarde, que um deles morreu. Vi no último instante como me olharam e havia uma humanidade neles que não posso mais esquecer. Era amor.
A Tribuna (ES), 21/04/2013