Deu-me uma volta nas ideias - se as ideias podem dar voltas - e sugeri a uma agremiação o nome de Letícia, a Nuvem, para disputar próxima eleição à Presidência, por seus princípios éticos e ardoroso amor ao povo.
Pensei, ao indicá-la, na transparência tão grata neste momento nacional, em que a Lava Jato passa seu trator sobre tantos políticos e pouco resta no extravio copioso do bem comum.
Talvez assim pudesse chover na horta dos pobres e da multidão de desempregados ou assalariados, em que o dinheiro mensal vai minguando, igual à goteira dos telhados. E ela é sabidamente generosa, vinda de regiões abastadas do céu.
Mas o primeiro movimento da tal agremiação foi descobrir que o seu desígnio era inabordável e Nuvem humana era um caso pouco típico na espécie. Ou que a arte política jamais era cabível à Nuvem, dada a exigência nos manejos sutis da máquina estatal de ser cada vez mais pesada que o ar.
A diferença plausível de uma violinista em concerto, a Nuvem e um elefante no circo, o executivo.
Ademais, apesar da inteligência civil, com que Letícia é dotada, nunca aceitaria os conchavos palacianos, a compra de votos e outros interesses menos votados à pátria.
E me confessou, quando soube da recusa da plangente agremiação republicana: “A água nada tem a ver com o fogo! Mesmo que seja fogo molhada Ou enchente de fogo! Eu não entrarei neste jogo ou incêndio. E o Planalto tem muitas bocas e eu só tenho uma e basta. Minha terra é o coração humano!”, bradou, como se voasse no mesmo gesto.
Fiquei contrariado e no fim aceitei. Porque nos porões das Alvoradas podem até haver Nuvens, mas nos porões da República sobrevive o mistério, ou a lenta permanência do poder a qualquer custo.
Uma Nuvem regeu o povo, durante o dia, no calor do deserto. E agora muito teremos que aguardar até que se alcance o privilégio de sermos regidos por sua nímbea clarividência.