O cronista maior do humor desta República acaba de completar 80 anos. Conheci Luís Fernando em Porto Alegre, quando lá morava e jovem.
Era magistral músico, parecia não acompanhar seu pai na arte literária e, de repente, surge o excepcional cronista, desvendando a realidade cotidiana com olhar irônico e sábio, com certa inocência que é bondade da inteligência, ou inteligência da bondade, ao presenciar os acertos e desacertos humanos, numa visão microscópica, seguindo o mestre Machado.
E como reitera meu confrade Zuenir Ventura - usando sua frase: "Eu não sou quieto, sou é muito interrompido". Nos encontramos tantas vezes no Rio Grande e ele sempre era um absoluto silêncio e dali saíam descobertas, lances inesperados. Fica longo período calado e, ao falar, desenterrompe a luz.
Recordo bem sua palestra em Recife, num Seminário de Literatura. Nunca ouvi alguém discorrer tão lucidamente sobre Napoleão Bonaparte. Ou quando jantamos juntos na capital gaúcha, depois de minha eleição à Academia Brasileira de Letras. Era um restaurante italiano, junto com meu filho, Miguel, seu fã, hoje juiz, e se iniciava nas caricaturas e Veríssimo o presenteou com desenho no guardanapo, de uma de suas cobras de notável cartunista.
Quando visitava Erico e Mafalda (tinha o nome de minha mãe) na casa sempre repleta e hospitaleira do Alto Petrópolis, achava Luís Fernando e Lúcia, com sua comunicante simpatia, ao lado de Erico e sua esposa, romancista universal de "O Tempo e o Vento", precursor de Juan Rulfo e Garcia Marquez.
Vinha o proverbial cafezinho e o convívio fraterno. Erico sabia ouvir, com a sapiência no subir e descer das sobrancelhas, e Luís Fernando conversava no sorriso e no silêncio.
Ao publicar meu romance pela Editora Objetiva, ou meu Dom Quixote de saias, "A Engenhosa Letícia do Pontal", escreveu generosamente nas abas de meu livro, salientando ser o poeta um misturador de sabores, alegando no final - "Prepare-se, leitor, para enfrentar as pás do tempo como aquele Cavaleiro Iluminado. Está chegando a Nuvem".
E chegou por sua mão, que plasmou inesquecíveis personagens: O analista de Bagé, Ed Mort, Dora Avante. Ou os seres das "Comédias da Vida Privada", ou da crônica antológica, entre outras, sobre "O verdadeiro George Clooney, ou 'Língua no ouvido".
Onde o diálogo é tão vivo e inquietante , a descoberta das coisas, certo de que "única pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo do ridículo".
Foge da retórica, deslimita a imaginação, criando o real na ficção, com o espiar de um detetive, onde o escritor, parafraseando Reginaldo Pujol Filho, manda na gramática.
Ou melhor, Luís Fernando Verissimo é de outra gramática, a das criaturas do mundo e submundo da sombra, com tipos e circunstâncias, sem jamais esquecer a magia de escutar e ver, o que também não escapa dos sonhos. E ao inventar, nos inventa.