Só o nome de Cachoeira de Itapemirim já lembra Rubem Braga, confirmando a relação afetuosa que detinha com sua terra. Como se já fosse a continuação dela.
E Rubem se reconhecia homem com certa emoção do interior, dando a impressão de contemplar o mundo a partir de seu quintal ou de seu rio.
Tinha curiosa consciência de nomadismo - ou a transitoriedade que caracteriza o cronista de jornal, onde as notícias se apagam com a mesma velocidade com que se enunciam. A comparação é dele: "o cigano toda a noite erguia a sua tenda e pela manhã a desmancha, e vai".
Esqueceu de um dado fundamental: sua crônica, mesmo se tecendo de elementos cotidianos, tinha a humanidade e o esplendor da beleza que tornava aquele momento definitivo: um fim de semana na fazenda, a visita da senhora do bairro, a tarde de domingo, a despedida, o homem rouco, ou a borboleta. Ou apenas o vento soprando. Não importava a matéria, importava a vida que ali em palavra se eternizava.
Rubem Braga não se dava a intimidades. Mantinha a cara como a fachada de uma casa trancada, sem possíveis janelas. Sisudo por natureza e hábito. Era só aparência.
Dentro dele havia simplicidade, um fervor de ver o mundo, o inquietante amor pelos seres. Dizia que entre o conde e o passarinho, preferia o passarinho. Porque não apenas marcava audiência com ele, sob as árvores da infância, mas porque sua alma também era um passarinho. Recordando os versos de Quintana: "Vós passareis / eu, passarinho". Bastava um sinal e voava. Para o céu? Não. Para a planura do coração de seus leitores, com direito de permanente hospedagem. Ou para poder cantar, distraído, até no ombro jubiloso das tempestades. Falei em hospedagem e me lembro de como me acolheu em seu apartamento na rua Barão da Torre, Rio. Estava entediado num sábado em São Paulo, que considerava desértico e me disse: - Eu te espero em casa. E fui. Ocupei o quarto de tantos ilustres antecessores: João Cabral, Pablo Neruda... Senti no sorriso sua alegria durante o café da manhã. Estimava por dentro: fugia das expansões. Modesto, "chegou a confessar que "não sou de inventar coisas, mas de contá-las." E o milagre de sua criação foi de as coisas terem encontrado sentido nele, ou foi ele que deixou que as coisas descobrissem esse sentido. O que não podia esconder, de tanto que brilhava. E não deixava de brilhar, pelo tanto que ocultava.
Quando editor da "Sabiá" (o nome dizia muito dele), deu-me de presente uma estatueta, que elogiei por achá-la bela. Decepcionara-me, na ocasião, com um "Torneio de Poesia Falada" de que participei. Ele me disse: - Leva, é como eu, amiga de seus amigos! E a transportei no meu carro ao Rio Grande. Só então me dei conta de que era o troféu de importante prêmio literário. Como se me dissesse: não te preocupes com premiações, o que vale é o gesto e o que fica é a palavra!
Jornal do Commercio (RJ), 8/8/2011