O que é da razão ou da criação humana se interpreta. O que é de Deus, é revelado. Mas sempre há um mistério Nele, que é encoberto.
O profético alcança o Espírito e Ele, o futuro. Mas somente Deus é futuro e definitivo. Interpretamos os sinais da natureza, interpretamos os sonhos, interpretamos um texto literário ou filosófico, a ciência é interpretável.
Recordo-me de quando adolescente, caminhando pelas trilhas de Gramado, onde passava a infância no pampa, gostava de tentar interpretar as folhas que caíam das árvores, como se as árvores caíssem das folhas, ou as árvores voassem com os pássaros.
E era estranho que cada folha guardava a sua identidade, nenhuma se parecia com outra, como os troncos não são iguais.
E o tempo passa, como nós passamos. Para Borges, o escritor argentino e para o próprio Eclesiastes, bem antes, nós somos como sombra que passa, porque somos tempo, mesmo que creiamos inventar o tempo, na medida em que ele nos inventa.
E apenas existe no poético, o profético, se a vida é revelada. Vêm-me os versos de um poeta francês, François Villon, que anotou numa de suas baladas: “onde estão as neves de antanho?”
Ainda que todas as neves se pareçam, o seu espetáculo é impressionante. Eu o assisti, certa vez, viajando por uma estrada da Espanha, a caminho de Sevilha, com as rodas do automóvel resvalando, com precisão de correntes para a segurança.
E na minha memória, esta neve irrompe com suas camadas, como o tempo é tantas vezes a neve que se apaga.
E tantas vezes é o coração que degela o esquecimento. Ou até o esquecimento que modela ou amplia a glória.