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A inocente felicidade

 

Disse-me uma pessoa amiga ter achado um passarinho, caído do ninho. Levou-o à delegacia ambiental, onde se recolhem animais silvestres.
Era uma pomba de buti, que sobreviveu e está sendo alimentada. E teve a seu favor um coração compadecido.

Pensei na solidão do poeta, caído do ninho de constelações de palavras e é o leitor que o ajuda a sobreviver.

Pois a solidão de um poeta é maior que a solidão da palavra. O amor rompe o círculo e o espírito voa.

E pensando nisso, vi minha cachorra Aicha, parada no escritório, com seu brinquedo nas patas, como se o trouxesse para aprová-lo.

Ela tem olhos inocentes, bons e desarmados.

Desconhece a astúcia de certa concorrência política das instituições, dos pequenos grupos que tiram vantagem sobre todos, com a conspiração de silêncio, ou o brilho dos bajuladores na corte.

Aicha não carece de concorrer, nem inveja, nem conhece a lisonja do poder. E aprendo com ela de como se deixa a vida levar, sem pensar no depois neste tempo absurdo de pandemia.

Estou certo de que há um invisível que equilibra o fio das coisas, fazendo até que uma grande injustiça seja uma grande justiça. Com o tempo criando o tempo, que a dita prudência humana não cria.

E Aicha, que é “energia” em árabe, ao lado de seu brinquedo, que arrasta pela casa, é magnífica e feliz. E diferente do passarinho que mencionei no início desta crônica, não cai do ninho, por já estar, sem medo, absolutamente nele.

Tribuna Online, 27/12/2020