Há uma cegueira que se tornou, praticamente, coletiva, bem maior do que a ensaiada por José Saramago, no seu conhecido livro, seja na política em que desapareceu a verdadeira oposição, fundamental no jogo democrático, ou nos deixa sem possibilidade de opção, seja nas artes que se fechou em cerebral experimentalismo, seja na literatura, onde se extravia, lentamente, a consciência cultural.
E curiosamente, nessa última, o que existe hoje não é a falta de uma criação com voz estranha e nova, o que nos falta é uma crítica que a entenda, em regra muito confusa, entre a incapacidade de enxergar ou admirar, já por inexistência de métodos que a contemplem com a devida equidade.
Ou por uma visão apenas social da obra, esquecendo-se do fato estético.
Portanto, não há carência de grandes autores, mas a carência sempre mais de uma crítica que os valorize, ou porque se tornou abstrata, inadequada, ou estilhaçada. Onde a beleza não está “nas coisas findas”, como queria Drummond, mas nas coisas incompletas ou imperfeitas.
É a síndrome desta época que perdeu a perspectiva ou se atém, bruxuleante, em copiosa escuridão.
E o conselho vem de Stendhal, que é nosso contemporâneo:
“Pintai sobretudo o coração humano, mas sem afetação e sem exagero: é um abismo, diz-se: iluminai, em vez de carregar as suas trevas”.
O mundo não é uma coleção de tribos, como queria Paulo Francis . É uma coleção de mal-entendidos. Mas ninguém, igual ao mundo, tem mais fome de verdade.
Diário da Manhã (GO),5/10/2010